Acórdão nº 06S1960 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelMARIA LAURA LEONARDO
Data da Resolução29 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA", residente na Endereço-A, ....,Local-A, veio intentar acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho contra Cenfic-Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Sul, com sede na Endereço-B, em Lisboa, pedindo que: (i) seja declarada a natureza laboral da relação jurídica que mantinha com o réu; (ii) seja declarada a nulidade e a ilicitude do seu despedimento; (iii) seja o réu condenado a pagar-lhe todas as retribuições que deveria ter auferido desde a data do despedimento até à data da sentença, cujo montante, na data da propositura da acção, ascendia a € 2.839,72 e bem assim a reintegrá-lo ou a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade no montante de € 36.916,36; (iv) seja o réu condenado a pagar-lhe todos os créditos vencidos e vincendos acima referidos ou outros por ventura não discriminados ou peticionados a que o autor tenha direito, a liquidar em execução de sentença; (v) e juros de mora desde a data da citação até integral pagamento; (vi) seja, ainda, o réu condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no pagamento das obrigações resultantes da relação laboral existente e decorrentes da sentença condenatória, no montante de € 100/por dia, até integral pagamento.

Alegou, em síntese: - trabalhou para o réu, como formador de operários, condutores e manobradores de movimentação de terras; - não obstante ter assinado sucessivamente vários contratos denominados de prestação de serviços, a relação que se estabeleceu entre as partes é laboral; - auferia ultimamente a retribuição mensal líquida média de € 2.839,72; - no dia 25 de Setembro de 2001, foi informado que o réu prescindia dos seus serviços, não mais lhe dando trabalho.

Na contestação, o réu excepcionou a prescrição dos créditos peticionados - por ter decorrido mais de um ano entre a alegada data do despedimento e a data da citação.

Por impugnação, nega que o autor tenha sido contratado como trabalhador subordinado. Sustenta que a retribuição que este auferia variava de mês para mês, conforme as horas de formação prestadas e o tipo de formação ministrado, não relevando o facto de o autor prestar a sua actividade de forma articulada com o réu, cumprindo as suas orientações, dado que também ele, Centro (Cenfic), tinha que cumprir as orientações das entidades financiadoras - Estado Português através do IEFP e União Europeia -, que controlam com rigor a actividade de formação do réu e dos outros Centros Protocolares.

Conclui pela procedência da excepção invocada ou, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido.

No saneador, a excepção de prescrição foi julgada improcedente (a fls 230).

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu declarar (a) que o vínculo existente entre autor e réu revestia a natureza de contrato de trabalho subordinado e (b) que o autor tinha sido despedido ilicitamente pelo réu.

Consequentemente, condenou este a pagar àquele: (c) - as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção, a liquidar em execução de sentença, considerando apenas a média dos últimos 12 meses dos valores recebidos a título de pagamento da formação e de alimentação, incluindo remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal (atendendo-se na remuneração de férias e nos subsídios apenas ao valor médio da remuneração de base), com desconto das importâncias que o autor recebeu nos termos do artº 13º- 2/b da LCCT, aprovada pelo DL nº 64-A/89; d) - uma indemnização por antiguidade, ao abrigo do nº 3 do artº 13º do DL nº 64-A/89, calculada nos termos supra expostos, a liquidar em execução de sentença; e) - a quantia que se apurar em liquidação de sentença, a título de férias, subsídio de férias desde 1991 (que inclui apenas a média da remuneração de base) e de subsídio de Natal (que inclui apenas média da remuneração de base), a partir do ano de 1996, quantia a liquidar em execução de sentença, excluindo o período já abrangido na alínea c); f) - juros de mora, à taxa legal, sobre os créditos referidos nas alíneas d) e e), desde a data da citação até integral pagamento, e sobre os créditos referidos na alínea c), se vencidos até à data da citação, desde essa data, se vencidos depois da citação, a partir da data do respectivo vencimento até integral pagamento.

A ré apelou com sucesso, pois a Relação, julgando procedente o recurso, revogou a sentença recorrida e absolveu a ré dos pedidos.

Inconformado, desta vez o autor, vem pedir revista, formulando na sua alegação as conclusões que de forma mais concisa se indicam: 1ª) - Da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância, retira-se que o autor era titular de um contrato de trabalho; 2ª) - Isso decorre dos contratos de fls. 294 a fls. 396, designadamente das suas cláusulas 28ª, 6ª-b)-c); 3ª) - Com efeito, o réu impôs que o autor se sujeitasse ao seu poder de direcção nas vertentes da determinação e conformação da actividade deste com as suas finalidades (dele, réu), estipulando que cabia ao réu avaliar o autor e introduzir no curso as modificações que entendesse, independentemente da vontade deste; 4ª) - No âmbito daquele poder de direcção, cabia ao réu coordenar e definir as condições de utilização dos locais, bens e equipamentos que lhe pertenciam e fossem necessários à actividade do autor; 5ª) - O réu impunha ao autor o dever de lealdade e respeito, tendo feito constar tal exigência dos contratos outorgados com este; 6ª) - Na execução dos contratos, os factos indiciadores da subordinação jurídica do autor ao réu também resultaram provados; 7ª) - Na verdade, apurou-se que: o autor desempenhava para o réu a função de formador de operários dos cursos de Condutores/Manobradores (ponto nº 41 dos factos); tal formação começou por ser dada nas instalações do réu, onde o autor picava o denominado ponto à entrada e saída das instalações e só por determinação do réu passou a ser ministrada fora dessas instalações, mas sempre no local e no momento por este designado (em Odemira, Barrancos, Pias, Mértola, Moura, Póvoa de S. Miguel, Alcácer do Sal, Maçã, Santiago do Cacém e Serpa); os cursos ministrados aos formandos estavam sujeitos a horário, que era das 8 às 16 horas, de 2ª a 5ª feira - à sexta-feira, por vezes, a formação só era dada da parte da manhã; nesse horário, o autor ministrava a parte prática designada de Prática Profissional e algumas disciplinas que integravam parte teórica (Higiene, Prevenção e Segurança, Mecânica Básica, Noções de Electricidade, Mecânica Aplicada, Manutenção e Qualidade); dentro do horário da formação estava estabelecida a interrupção de uma hora para o almoço; o réu remunerava o autor em função das horas de formação que dava, pelos valores/hora referidos nos contratos mencionados, pagando-lhe igualmente as horas de trabalho de apoio à formação (preparação de aulas, elaboração de relatórios e sumários, nas quais despenderia pelo menos uma hora por dia de formação); além disso, o réu pagava ao autor as despesas de deslocação (para o local do curso e regresso e ida e volta ao fim-de-semana) e despesas com alojamento e a alimentação, de acordo com os valores definidos na Tabela Interna de Honorários Para Monitores em vigor; as máquinas utilizadas pelo autor eram pertença do réu, tendo o autor que anotar as horas de funcionamento de cada máquina; era a ré que providenciava pela sua reparação, caso avariassem; o autor ainda usava, por imposição do réu, uma bata com o nome "Cenfic" e estava também obrigado pelo réu a usar capacete e botas de protecção; 8ª) - Também ficou provado que, no início de cada curso, o réu entregava ao autor um dossier contendo todo o programa de curso e cronograma do mesmo, cabendo ao autor: controlar a presença dos formandos, classificá-los; elaborar um sumário relativo a cada aula de formação que ministrava; apoiar o coordenador dos cursos designado pelo réu; 9ª) - O coordenador analisava os sumários redigidos pelo autor, de forma a controlar se estava a ser seguido o programa estipulado pelo réu, com a carga horária por disciplina por este determinada e no momento temporal também por este previamente definido; o coordenador atribuía, em cada curso, uma nota ao trabalho efectuado pelo autor; 10º) - Os coordenadores deslocavam-se ao local da formação, com frequência que podia ser semanal ou mensal, e nessas visitas trocava impressões com os formadores externos (entre eles, o autor) sobre o modo como os cursos decorriam; 11ª) - A par dos designados formadores externos, o réu tem os que designa por formadores internos que fazem parte do seu quadro de pessoal, em número muito menor; 12ª) - A coordenação que era efectuada pelos coordenadores aos formadores externos e aos formadores internos do réu, quando se encontravam no exterior, era idêntica; 13ª) -. Era o réu que indicava ao autor os formandos que integravam cada curso; 14ª) - Ao réu cabia não só fiscalizar o cumprimento dos horários estabelecidos para a formação como também a assiduidade dos formadores (entre eles, o autor), fiscalização que era feita, nomeadamente, através de pedidos de avaliação do formador relativamente a todos os cursos a formandos; 15ª) Daqui resulta - e bem assim dos documentos, com os n°s 1 a 150 juntos aos autos com a petição inicial, que não foram impugnados pelo réu - que o autor estava juridicamente subordinado ao réu; 16ª) - A falta de pagamento das férias e dos subsídios de férias, a não inscrição do autor no quadro de pessoal da ré, bem como a falta de descontos para a Segurança Social, não podem constituir indícios da existência de um contrato de prestação de serviço; antes a invocação de tais factos para afastar a qualificação da relação jurídica do autor como não tendo natureza laboral configura um autêntico venire contra factum proprium; 17ª) - A legislação que criou e regulamenta o réu...

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