Acórdão nº 06S2186 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O Autor AA propôs a presente acção emergente de contrato de trabalho contra a R. Empresa-A", pedindo a condenação desta a reconhecer a inexistência de fundamento para a sanção de 3 dias de suspensão aplicada a 30.10.03 e a restituir-lhe a quantia de 168,16 euros; a reconhecer que o procedimento disciplinar que deu lugar ao despedimento do A. está ferido de caducidade ou, caso assim não se entenda, deve declarar-se a inexistência de justa causa de despedimento e consequente nulidade do mesmo; a reconhecer o direito do A à reintegração no seu posto de trabalho ou à indemnização de antiguidade, se por ela vier a optar; a pagar-lhe os salários de tramitação e diferenças salariais provenientes da prática de isenção de horário e uma indemnização por danos morais sofridos com o despedimento, em montante não inferior a 25.000,00 €.

Alegou para tal, em síntese, na parte que aqui interessa: Caducou o procedimento disciplinar que culminou no despedimento do A., com invocação de justa causa, sendo que, em qualquer caso, esta não se verifica.

Com o consentimento do A, a R. manteve-o em regime de isenção de horário de trabalho, com autorização pela entidade administrativa competente.

No entanto, nunca lhe pagou qualquer compensação por tal isenção, motivo por que reclama, a esse título, o pagamento das quantias referentes aos anos de 1997 a 2003.

A Ré contestou.

Defendeu, em síntese, que não caducou o procedimento disciplinar, que se verifica justa causa de despedimento e que nada deve ao A., a título de subsídio por isenção do horário de trabalho.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Procedeu-se a julgamento, no qual o A optou pela indemnização por antiguidade, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

A sentença foi objecto de pedido de aclaração, desatendido.

Dela recorreu o A., tendo a Relação de Coimbra julgado improcedente a apelação, com a confirmação da sentença.

II - Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista, com as seguintes conclusões: A. O Douto Acórdão recorrido e da mesma forma que a sentença proferida em 1ª Instância, tendo em consideração os factos que resultaram provados nos autos e em sede de audiência de julgamento, produziu uma decisão injusta e ilegal; B. Desde logo, porque o procedimento disciplinar instaurado ao requerente e que determinou o seu despedimento, estava ferido de caducidade, o qual foi invocada na própria resposta à Nota de Culpa; C. Na verdade, esta acção disciplinar foi movida contra o recorrente porque na resposta à Nota de Culpa de um outro processo disciplinar recebida na sede da recorrida em 28 de Agosto de 2003, na qual foram relatados os factos mencionados em AT, AU, AV e AW e considerada para a aplicação para a aplicação de sanção de despedimento (cfr. fls. 88 do proc. disciplinar, mencionada em Q); D. Teve, ainda, conhecimento dos mesmos factos, através de carta enviada pelo autor, através do correio interno de 27 de Agosto de 2003, para a sede e administradores da recorrida e recebida pelo menos em 1 de Setembro de 2003, tendo em consideração as circunstâncias relatadas em AP da decisão da 1ª Instância (que, por lapso, omite a data de envio) - cfr. AN e AO; E. Teve, também, a recorrida conhecimento dos factos do "saco azul", através do correio electrónico enviado pela Auditoria Interna e na pessoa de II, em 2 de Setembro de 2003 (cfr. AG da sentença de lª Instância); F. Ora, tendo a recorrida enviado a Nota de Culpa ao recorrente, que o mesmo recebeu em 3 de Novembro de 2003, fica ultrapassado o prazo de 60 dias, a que refere o n.° 1 do art.º 31° da LCT (Dec.-Lei n.° 49408) e de que dispunha para exercer o procedimento disciplinar; G. O facto dos administradores (BB e CC) terem conhecimento da comunicação referida em AG e relativa ao Relatório da Auditoria Interna - enviado em 2 de Setembro de 2003 - em data de 8 de Setembro, contrariamente ao defendido no Douto Acórdão recorrido, não tem qualquer relevância para efeitos do decurso do prazo de caducidade; H. Na verdade, o recorrente na óptica da recorrida não foi despedido pelos factos constantes do Relatório da Auditoria (cfr. AG da sentença de 1ª Instância), mas do teor das afirmações contidas na resposta à Nota de Culpa de outro processo disciplinar, levadas ao conhecimento da recorrida, nos termos das conclusões supra - C e D; I. O Douto Acórdão recorrido interpretou erradamente os factos e data em que deles teve conhecimento a recorrida e ao considerar relevante o conhecimento dos factos em 8 de Setembro de 2003, com fundamento no facto dos destinatários se encontrarem ausentes por motivo de férias, ofende claramente o disposto no n.° 2 do art.º 224° do Código Civil; J. A administração de uma empresa, além de ser um órgão executivo de existência permanente, tem poderes de representação em juízo e fora dela, não podendo, por isso, alegar o desconhecimento das comunicações que lhe foram remetidas por causa da ausência transitória do estabelecimento, o que constitui risco do destinatário; K. Da mesma forma, o recorrente jamais poderia ter invocado a data da recepção da Nota de Culpa em data posterior a 3 de Novembro de 2003, por motivo de férias ou ausência transitória do seu domicílio - que nem sequer é controlável - com vista a beneficiar de maior prazo para apresentação de defesa e/ou beneficiar-se do decurso do prazo de caducidade.

L. Contrariamente ao defendido nas Instâncias que antecedem, os comportamentos imputados ao recorrente jamais poderiam fundamentar a aplicação de sanção de despedimento ou mesmo qualquer outra.

M. O recorrente, ao dirigir as comunicações à administração da sua entidade patronal, através de escrito e no âmbito de uma acção disciplinar, denunciando a criação de um "saco azul" e a prática de actos que eventualmente poderiam ser prejudiciais, para a boa imagem da empresa, não comete qualquer violação de um dever, ao contrário, está a colaborar e a tratar com urbanidade e lealdade à sua entidade patronal (cfr. al. a), n.° 1, do artº 20°); N. E, de facto, por causa da denúncia, veio a demonstrar-se que o chefe da loja, a partir de 10/11/00, organizou um saco azul, onde foram recebidas as quantias provenientes da venda de paletes e indemnizações cobradas a utentes do hipermercado, apanhados a praticar furtos, quando anteriormente essas mesmas quantias eram tratadas contabilisticamente e depositadas nas contas bancárias da entidade patronal (cfr. AA e AC da sentença da 1ª Instância); O. Os restantes factos que o Douto Acórdão recorrido quantifica de imputações graves e injuriosas ao Chefe da Loja e Chefe dos Recursos Humanos da Loja de Aveiro, a recorrida não mostrou qualquer interesse em apurá-los no processo disciplinar instaurado, não competindo ao recorrente deles fazer prova para o que não tinha sequer legitimidade; P. Ou seja, a recorrida tanto quanto é legítimo supor, entendeu que os factos relatados em AV e AW, imputados ao Chefe da Loja, nenhuma importância teriam para a manutenção da relação de trabalho com este, sendo que aí não se descortina nenhuma imputação, dita injuriosa, à Chefe de Recursos Humanos; Q. A entidade patronal, dentro dos factos que lhe são participados, todos eles susceptíveis de integral ilícito disciplinar, tem o direito de os averiguar ou não, mas não pode penalizar o participante, sob pena de violar o dever de tratar o trabalhador como seu colaborador (cfr. a) do art.º19° e n.° 1 do art.º 18°, ambos do DL n.º49408); R. Considerando o exposto, o recorrente não praticou qualquer ilícito disciplinar, pelo que o despedimento foi proferido sem justa causa, por não estarem preenchidos os requisitos exigidos no n.° 1 do art.º 9° do DL n.° 64-A/89; S. Porém, ainda que por hipótese de raciocínio o comportamento imputado ao recorrente fosse culposo - o que se admite, sem conceder - na aplicação da sanção da entidade patronal, nos termos do n.° 5 do art.° 12° do diploma legal citado, devia ter em consideração a sua prática disciplinar que, relativamente ao denunciado do "saco azul" foi de mera repreensão, como demonstram os autos, pelo que sanção diferente seria desproporcionada e injusta; T. Declarada improcedente a justa causa e tendo em consideração os danos que daí resultam no plano psicológico para o A., à R. se imporá o dever de indemnizar pelos valores pedidos; U. A factualidade provada, que é de natureza conclusiva não é suficiente para demonstrar que, para além do salário base - e só este é mencionado e descriminado nos recibos de salário, juntos aos autos - o recorrente percebia uma compensação de 25% sobre aquela retribuição; V. O recorrente, como se acha provado, prestou funções ao serviço da recorrida, em regime de isenção de horário do trabalho o que, nos termos da Cláusula 14ª do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável, lhe confere o direito a uma retribuição adicional de 25% sobre o salário base mensal; W. Pelo que são, efectivamente, devidas as diferenças salariais, correspondentes à percentagem de isenção de horário; X. Assim, não o tendo decidido, o Douto Acórdão recorrido, foram violadas as disposições legais supra citadas.

Pede a revogação do acórdão recorrido, com a procedência da acção.

A R. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se, no seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, no sentido de ser negada a revista.

III - Colhidos os vistos, cumpre decidir.

No douto acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (1) A-) O A foi admitido sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, em 01.12.94, mediante contrato a termo certo, por um período de seis meses.

B-) Contrato que se tornou em contrato sem prazo.

C-) Foi atribuída ao A a categoria profissional de Chefe de Sector do Património.

D-) Competia-lhe dirigir e ordenar a actividade relacionada com o sector do património da loja de Aveiro, prover à conservação e...

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