Acórdão nº 06A2593 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Data24 Outubro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 27 de Dezembro de 2001, AA e marido, BB, propuseram contra CC acção com processo ordinário, pedindo, para além da declaração de nulidade de licença camarária emitida para construção executada pelo réu, que este seja condenado a demolir a parte dessa construção que confina com o lado Poente do prédio dos autores, por forma a que a distância mínima entre ela e este seja de 10,50 metros, a repor o rego foreiro como este se encontrava antes de o réu o ter destruído, e a pagar a cada um dos autores a quantia de 2.000.000$00, acrescida de juros legais de mora a contar da citação até integral pagamento.

Para tanto invocaram, em resumo, serem eles autores donos de um prédio composto por casa de habitação com rés - do - chão, …. andar e terreno, sendo o réu dono de um outro prédio que confronta pelo respectivo lado Nascente com aquele deles autores; o réu iniciou no seu terreno uma construção que a Câmara Municipal, após alerta da autora, impôs que fosse alterada, assim como o respectivo projecto, porque a sua fachada Nascente taparia completamente três janelas de quartos de dormir existentes no lado Poente daquele prédio dos autores, sendo uma no rés - do - chão e duas no 1º andar, e a viga de travação, ao nível do 1º andar, passaria 10 cm para lá do telhado da casa dos autores; na sequência, o réu criou uma reentrância na dita fachada, ao nível do ….. andar, assegurando um afastamento mínimo de três metros daquelas janelas do …. andar, mas não o arejamento, a iluminação natural e a exposição prolongada à acção directa dos raios solares, sendo que, ao nível do rés - do - chão, se mantém um muro de betão a menos de meio metro da janela aí localizada na casa dos autores; a edificação do réu contraria o disposto nos art.ºs 58º, 59º e 73º do RGEU, 65º e 66º da CRP, e 9º, n.º 1, da Lei n.º 11/87, de 7/4, e viola o direito consagrado no art.º 70º do Cód. Civil; com a dita construção, o réu tapou um rego foreiro, existente há mais de 200 anos, que atravessa o lugar de Pé da Serra e passava no limite do seu prédio, junto à parede Poente da casa dos autores, destinado à condução de águas de regadio (no Verão) e escoamento de águas pluviais, sendo a única forma de conduzir as águas pluviais da parte superior dessa localidade e evitar inundações; o que, interrompendo o normal curso de tais águas, causou a inundação da habitação dos autores, tornando inabitáveis alguns dos seus compartimentos; as referidas limitações, até à obtenção da demolição da construção, causam aos autores uma vida sem condições de sanidade e repouso, coarctam-lhes a plena utilização (da casa) e provocam-lhes desconforto, angústia e tristeza.

Em contestação, o réu invocou incompetência absoluta do Tribunal para conhecer dos alegados afastamentos resultantes de lei administrativa com vista a garantir a salubridade do prédio, e a excepção de litispendência por a autora ter impugnado o acto de licenciamento, em recurso administrativo, no qual são discutidas tais questões; também impugnou os factos invocados pelos autores, dizendo que não tinham estes o direito, aliás por eles não invocado, de gozar servidão de ar e vistas por qualquer das ditas aberturas, sendo que, ainda assim, a abertura do rés - do - chão fica a cerca de 1,5 metro da empena do prédio do réu e media 0,15 m X 0,30 m até que foi alargada pelos autores em 1999/2000; acrescentou desconhecer o alegado quanto ao rego foreiro, sendo que o mesmo, pelo menos desde há dez anos, não existe; em reconvenção, pediu a condenação dos autores a fecharem a abertura - janela do rés - do - chão.

Houve réplica, em que os autores sustentaram que a janela do rés - do - chão se mantinha igual havia décadas.

Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, decisão essa revogada pela Relação em recurso oportunamente interposto.

Enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida, a fls. 471-472, a matéria de facto sujeita a instrução.

Após alegações de direito apresentadas por ambas as partes, foi proferida, a fls. 525 a 549, sentença que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, condenando o réu a repor o rego foreiro na situação em que este se encontrava antes de o ter destruído, e a pagar a ambos os autores a quantia de 5.000,00 euros, acrescida dos respectivos juros legais de mora a contar da citação até integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido e os autores do pedido reconvencional.

Apelaram autores e réu, tendo a Relação negado provimento a ambos os recursos e confirmado a sentença ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo por autores e réu, que, em alegações, formularam as seguintes conclusões: I - Os autores: 1ª - É realidade que não existe uma norma que, concreta e especificamente, determine que um proprietário não pode "fazer no seu prédio construção que entrave, total ou parcialmente, a entrada de luz natural no prédio vizinho"; o que não implica que esse proprietário o possa fazer; 2ª - E isso pela razão de existirem normas destinadas a proteger os direitos de personalidade de quem é lesado com esse tipo de obras, nomeadamente o art.º 70º do Cód. Civil, cuja violação por parte do réu se patenteia nos factos provados relativamente aos autores; 3ª - Tendo ficado demonstrado que a construção do réu priva efectivamente o lado Poente da habitação dos autores da exposição normal e prolongada aos raios solares, onde se situam quartos de dormir dessa habitação, como ficou, daí resulta que essa construção atenta contra as condições de salubridade do prédio dos autores e contra a saúde das pessoas que no mesmo habitam; 4ª - O que é dizer, tal construção atenta contra os direitos de personalidade deles autores, protegidos no art.º 70º do Cód. Civil - tutela essa que é hoje comumente aceite; 5ª - Há, inclusivamente, um "direito a um nível de luminosidade" conveniente à saúde, bem estar e conforto na habitação dos autores (Lei n.º 118/87, de 7/4 - Lei de Bases do Ambiente - art.º 9º, n.º 1), direito dos autores que se encontra patentemente violado pela construção do réu; 6ª - Pelo que desde logo por esta via não será acertada a...

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