Acórdão nº 06B3501 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2006

Data19 Outubro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA" intentou, no dia 29 de Setembro de 2003, contra BB e CC, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com fundamento em que os últimos apenas dispõem de servidão de passagem a pé e de carro sobre identificado logradouro, pediu a declaração de que o seu identificado prédio confina a nascente com o prédio dos réus e a condenação destes a desocuparem o respectivo logradouro, a encerrar o estabelecimento que abriram directamente para o seu prédio e a pagar-lhe € 2 500 mensais desde Abril de 2003 até à desocupação do logradouro.

Em contestação, os réus alegaram que se limitam a exercer o seu direito de servidão de passagem para os seus cinco prédios urbanos, comprados ao autor, dois deles destinados a armazém, e que a pretensão do último envolve abuso do direito.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 10 de Março de 2006, por via da qual, por um lado, foi declarado pertencer ao autor o prédio em causa com logradouro circundante com 3 290 metros quadrados.

E, por outro, foram os réus condenados a desocupar aquele logradouro de coisas, a absterem-se de o usar para estacionamento e aparcamento de veículos próprios, de clientes ou de fornecedores, com excepção do uso da servidão de passagem, a pé ou de carro, nesta se incluindo os actos estritamente necessários à carga e descarga de mercadorias de e para os seus armazéns.

Interpôs o autor recurso de apelação, depois qualificado como revista, para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os artigos 1564º e 1565º do Código Civil impõem que o âmbito, a extensão e o modo do exercício do direito de servidão de passagem se restrinja ao direito cedido no título; - o título apenas compreende a passagem a pé e de carro através do caminho existente no logradouro, e o conceito de armazém não integra o conceito de estabelecimento comercial; - o conceito de servidão de passagem de carro e a pé não integra a possibilidade futura de abertura ao público de estabelecimento comercial nem a ocupação do logradouro do prédio serviente; - não é normal nem previsível que um prédio designado de armazém, por esse facto, possa oito anos mais tarde passar a ser utilizado como estabelecimento comercial aberto ao público, com passagem e ocupação permanente do caminho da servidão e do logradouro onde assenta; - devem os recorridos ser condenados a abster-se de utilizar o caminho de passagem através do logradouro para qualquer actividade comercial, nomeadamente para passagem de clientes e fornecedores para o estabelecimento, a encerrar este e a indemnizá-lo por via de juízo de equidade ou a liquidar em execução de sentença pelo dano derivado do uso e desapossamento do logradouro e da dificuldade de acesso e uso dos pavilhões; - a sentença recorrida violou os artigos 483º, 1305º, 1564 e 1565º do Código Civil e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil.

Responderam os recorridos em síntese de conclusão de alegação: - não tendo o recorrente provado os prejuízos decorrentes da impossibilidade de arrendamento do prédio serviente por si alegados, não pode o tribunal dar como provados outros prejuízos; - na dúvida quanto à extensão e modo de exercício da servidão de carro constituída por contrato a favor dos prédios dos recorridos, incluindo três edifícios destinados a armazém, deve entender-se ter a mesma sido constituída por forma a satisfazer as suas necessidades normais e previsíveis; - tendo os recorridos adquirido ao recorrente três edifícios destinados a armazém, é sua necessidade normal o acesso de veículos para cargas e descargas de mercadorias, enquanto retém de produtos do comércio ou de indústria ou para qualquer outra utilização lícita; - decidida a questão de facto e de direito que se prende com o modo do exercício da servidão e a não verificação dos prejuízos alegados em consequência do seu uso excessivo, nenhuma outra questão de facto ou de direito foi alegada, para ser decidida.

II É a seguinte a factualidade declarada provada na sentença recorrida: 1. Está inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe, desde 5 de Junho de 1984, sob o nº 01932, a aquisição pelo autor de nove décimos do prédio urbano sito na Rua do Retiro, freguesia de Fafe, inscrito na matriz sob o artigo 1535º, constituído por edifico fabril de rés-do-chão, composto por secção de tecelagem, armazém de tecidos e escritório, com a área coberta de 1 223 m2; secção de armazém de fios acabados e posto de transformação, com a área de 129 m2; secção de tinturaria automática, com a área de 108 m 2; lavabos, oficina de serralharia, refeitórios, vestiários e corredor de passagem, com a área coberta de 180 m2; secção de tinturaria manual, armazém de fios crus, caldeira e estufa, com a área coberta de 155 m2; anexos cobertos com a área de 204 m2 e logradouro com 3 290 m2.

  1. No dia 20 de Março de 1995, em escritura outorgada no Cartório Notarial de Fafe, o autor, por um lado, e o réu, por outro, declararam, o primeiro vender e o último comprar, por 1 450 000$: a) leira comprida, terra culta, com a área de 298 m2; b) um edifício destinado a armazém, de rés-do-chão, com uma única divisão, com a área coberta de 80 m2 e terreno de logradouro com 38 m2; c) um edifício destinado a armazém, de rés-do-chão, com três divisões, com a área coberta de 130 m2; d) um edifício destinado a armazém, de rés-do-chão, com uma única divisão e 1º andar com uma divisão, com a área coberta de 97 m2 e terreno de logradouro com 10 m2; e) uma casa de habitação, de rés-do-chão, com duas divisões, com a área coberta de 96 m2 e terreno de logradouro com 178 m2; f) uma casa de habitação, de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 189 m2, e logradouro com 471,5 m2.

  2. No dia 20 de Março de 1995, em escritura outorgada no Cartório Notarial de Fafe, o autor e DD, por um lado, e o réu, por outro, declararam os primeiros que constituíam gratuitamente sobre o seu prédio urbano denominado Edifício ...., sito na Rua do Retiro, freguesia e concelho de Fafe, e o último aceitar, uma servidão consistente no direito de passagem de carro e a pé, em todo o ano, através de um caminho existente no logradouro do dito prédio para acesso aos prédios urbanos dos últimos, situados na Rua do Retiro, freguesia e concelho de Fafe, mencionados sob 2 b) a f).

  3. O réu abriu um estabelecimento de venda de tintas e ferragens directamente sobre o logradouro, e faz os clientes e fornecedores entrar e sair do estabelecimento pelo logradouro, e deste faz parque dos veículos dos referidos clientes e fornecedores.

  4. O réu estaciona veículos, desde Abril de 2003, no logradouro mencionado sob 3, ali fazendo cargas e descargas de tubos, óleos e ferros, e ocupa parte dele, armazenando e expondo os referidos produtos.

  5. O descrito sob 4 e 5 dificulta o uso e o acesso aos pavilhões do prédio mencionado sob 1.

    III As questões essenciais decidendas são as de saber se a utilização pelos recorridos do prédio do recorrente para o acesso ao seu estabelecimento comercial, própria e de clientes, excede ou não o seu direito de servidão de passagem e, no caso negativo, se o último tem ou não direito a exigir dos primeiros indemnização por esse facto.

    Tendo em conta o conteúdo da sentença recorrida e das conclusões de alegação do recorrente e dos recorridos, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática: - delimitação do objecto do recurso; - síntese...

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