Acórdão nº 06A2719 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução03 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA" e mulher BB intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Tondela, acção ordinária contra CC e mulher DD, pedindo que fosse declarada a resolução do contrato de empreitada celebrado com o 1º R. e os RR. condenados a pagarem-lhes a quantia de 1.800.000$00 correspondente ao prejuízo sofrido com a desvalorização da obra, 3.137.040$00 correspondente ao que irão sofrer com a execução de obras, e 832.441$00 correspondentes aos acréscimos nos custos e, por último, na quantia ainda não determinada que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos danos futuros e certos que os defeitos venham a causar-lhes.

Em suma, alegaram o incumprimento por parte do R. marido de um contrato de empreitada que com ele celebraram, na medida em que não só não concluiu a obra como executou defeituosamente os trabalhos efectuados, sendo que alguns desses defeitos desvalorizam o imóvel e outros acarretam não só despesas para a sua eliminação com custos acrescidos depois de terminada a empreitada.

Os RR. contestaram, invocando, além do mais, que o não pagamento por parte dos AA. dos trabalhos concluídos, e a excepção de caducidade relativamente ao direito destes de pedirem a eliminação dos defeitos ou o pagamento de qualquer indemnização.

Em reconvenção, pediram a condenação dos AA. no pagamento de 2.715.550$00, relativamente a IVA das duas primeiras prestações e juros, e a trabalhos efectuados na obra e não inicialmente previstos.

Os AA. apresentaram articulado réplica em oposição à defesa excepcional dos RR. e ao pedido reconvencional por estes deduzido.

Saneado o processo, seleccionados os factos admitidos por acordo e os controvertidos, a acção seguiu para julgamento, após o que foi proferida sentença que foi, posteriormente, anulada por decisão do Tribunal da Relação de Coimbra com vista a ampliação da matéria de facto, o que motivou a baixa de processo à 1ª instância.

Proferida nova decisão, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi decretada a resolução, com justa causa, do contrato de empreitada ajuizado e condenados os RR. a pagarem aos AA. a quantia a liquidar em execução de sentença relativamente às despesas "que implicará o reforço de toda a estrutura do prédio a que os AA. terão de proceder para garantir a estabilidade e segurança do prédio, com base nos defeitos apontados na factualidade provada", acrescida de juros, e julgada parcialmente procedente a reconvenção e, como assim, foram os AA. condenados a pagarem aos RR. 340.000$00 e o que vier a ser liquidado em execução de sentença relativamente ao valor da 4ª prestação de 500.000$00, "uma vez descontado o valor correspondente a 200 telhas, 4 ou 5 vigotas no alçado posterior e o remate do telhado que faltam executar e o valor dos trabalhos e o valor dos trabalhos «extra» aludidos em 77, executados pelo R. marido", acrescidos de juros de mora.

Com esta decisão não se conformaram tanto os AA. como os RR. e por isso apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, julgando os recursos parcialmente procedentes, absolveu integralmente os AA. do pedido reconvencional e os RR. do pedido de juros sobre a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença e relativamente "às despesas que implicará o reforço de toda a estrutura do prédio a que os AA. terão de proceder para garantir a estabilidade e segurança do prédio, com base nos defeitos apontados na factualidade provada".

Também esta decisão não foi do agrado de ambas as partes que, atempadamente, recorreram para este STJ.

Porém, os AA. acabaram por não apresentarem as devidas alegações, o que motivou a deserção do recurso (cfr. despacho de fls. 864).

De pé ficou o recurso dos RR. com o qual pretendem obter a absolvição do pedido.

Estes, para o efeito, apresentaram as alegações que ultimaram do seguinte modo: - Da matéria dada como provada e, salvo o devido respeito, a decisão deveria ser no sentido da absolvição dos RR. e não da sua condenação.

- Quanto aos trabalhos extra (provados no ponto 77 da sentença), que consistiram na execução do alçado principal da varanda, do rés-do-chão ao telhado (lado direito), nunca em momento algum os AA., puseram em causa a realização de tais obras (por estes solicitadas ao então R. marido), nunca, quanto a estas alegaram a existência de quaisquer defeitos, nem nunca as pagaram.

- Daí que nem de facto nem de direito se entende existirem razões para os AA. não serem condenados nessa parte do pedido reconvencional, sob pena até de se verificar um enriquecimento sem causa que o justifique.

- O mesmo se diga do valor em atraso do contrato e da última prestação (exceptuando, quanto a esta última o valor correspondente a 200 telhas, 4 ou 5 vigotas no alçado posterior e o remate do telhado).

- O incumprimento contratual é dos AA. e não dos RR., sendo esse incumprimento que motivou o abandono da obra por parte dos Recorrentes e que tem a ver com três ordens de razões: - O facto de os AA. terem fechado a cadeado todas as ferramentas que o então R. marido tinha no sótão da obra (facto 59 da sentença); - A recusa por parte do então R. marido em efectuar mais alterações ao projecto da obra (factos 52, 53, 54, 55, 56, 58, 59 e 61 da sentença); e, - Os créditos do R. marido sobre os AA., que estes se recusavam a pagar (factos 8, 56 e 57 da sentença).

- Como resulta da sentença, proferida pelo Tribunal de 1ª instância, perante estes factos provados poderiam os Recorrentes opor aos Recorridos, como o fizeram, a excepção de não cumprimento prevista no art. 428° do C. Civil.

- Denunciados os defeitos, tem o empreiteiro direito de os reparar, não podendo ser impedido, como o foi pelos AA. (facto 59 da sentença).

- Não se pode, como se fez no acórdão ora recorrido, condenar o então R. marido a executar a obra em conformidade e sem vícios, dispensando-se o dono da obra de grande parte do seu pagamento e não os condenando ainda no pagamento dos trabalhos extras solicitados, acordados, executados sem defeitos e não pagos.

- Daí que os ora Recorrentes não possam conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, considerando, nesta parte, acertada a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, por a considerarem ajustada à matéria de facto provada.

- Passados cerca de 12 anos, não consta que a habitação esteja em ruína ou apresente defeitos ou vícios que comprometam a sua segurança e estabilidade.

- Os AA. continuaram a obra, sem que se conste tenham procedido ao seu reforço ou que o vão fazer, tudo se devendo, afinal, ao sobredimensionamento em termos de projecto, do valor de resistência do betão, não para os valores de resistência exigíveis para uma moradia daquelas, mas para os de um edifício de vários andares, o que conduziu a que os exames de teste de resistência de betão (carotagem) tivessem originado valores de resistência do betão dessa moradia, inferiores em 40% do valor projectado.

- Por isso, não foi levado em consideração naqueles exames, todo o retirar de carga do edifício, nomeadamente ao serem substituídas as lages maciças por lages aligeiradas.

- Passados cerca de 12 anos, não consta que a habitação esteja em ruína ou apresente defeitos ou vícios que comprometam a sua segurança e estabilidade.

- Os AA. continuaram, entretanto, a obra, sem que se conste tenham procedido ao seu reforço ou que o vão fazer, sem que tenham dado entrada na Câmara Municipal de qualquer projecto de alteração ou reforço da estrutura, antes pelo contrário, terminaram toda a estrutura da obra, efectuaram todos os rebocos exteriores, efectuaram a realização de canalizações e electricidade (encontrando-se as canalizações de água e electricidade por terminar), executaram, em Novembro de 2005, um alpendre no alçado principal e uma cobertura no alçado lateral esquerdo para cobrir uma escada, sendo que estas últimas alterações não constam do projecto aprovado, razão pela qual o engenheiro responsável da obra mandou apresentar à Câmara Municipal um projecto de alterações (tudo como melhor consta da certidão que se anexa, apresentada nos termos do artigo 524° do C.P.C.).

- Resulta da certidão ora junta, que os Recorridos/AA. ao invés de apresentaram um projecto de alterações, tendo em vista o eventual reforço da obra, continuaram-na, aceitando-a, de forma inequívoca, no estado em que esta se encontrava.

- Fazendo-o porque, bem sabem os Recorridos e resulta dos factos provados que a obra foi acompanhada, realizada, dirigida e fiscalizada por estes, acompanhados por técnicos por si escolhidos (pontos 50, 51, 52, 53, 54, 55, e 62 da sentença).

- O contrato dos autos não é verdadeiramente um contrato de empreitada, mais se enquadrando num contrato atípico celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual, constante do artigo 405° do Código Civil, por lhe faltar a ausência de subordinação à direcção da outra parte.

- Os AA. pretendem através desta acção fazer valer um contrato que não só nunca quiseram, não aceitaram ou sequer assinaram como ainda só o invocam naquilo que lhes interessa.

- O contrato é datado de 20 de Março de 1994, o R. marido deixou de lá trabalhar em 27.04.94, a obra foi ajustada em Julho de 1993 e iniciada em 20 de Dezembro de 1993, tendo-se que concluir que até praticamente à conclusão do tosco da obra, não existia qualquer contrato escrito ou minutado.

- O que revela claramente que a vontade das partes não era de todo coincidente com o que consta do contrato, até porque se assim fosse os AA. antes de fazerem a sua junção aos autos, ter-se-iam a ele vinculado, assinando-o.

- A expressão "...em conformidade com o projecto elaborado e aprovado pela Câmara Municipal", tem de ser entendida apenas como uma mera referência contratual, com vista apenas a facilitar a redacção daquele contrato.

- Resulta da matéria dada como provada que a obra foi construída por AA. e RR., tendo aqueles não só fornecido materiais como ainda comparticipado com a sua mão-de-obra, dirigindo-a, dando indicações...

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