Acórdão nº 06B2997 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "AA", BB instauraram, no dia 17 de Setembro de 2002, contra CC, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração da nulidade de identificado contrato-promessa verbal de compra e venda de determinado prédio à última pertencente e a condenação desta a restituir-lhe € 2493, 99 ditos entregues a título de adiantamento do preço e a pagar-lhe juros de mora.
Em contestação, a ré invocou a ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir, constar o contrato-promessa de documento, e subsidiariamente alegou o abuso do direito por parte dos autores sob o fundamento de terem sido eles que o elaboraram e lho apresentaram para assinar, e, em reconvenção, pediu a condenação deles a pagar-lhe € 7 500 e juros desde a notificação, com fundamento na negação da celebração do contrato prometido, em incómodos, em despesas realizadas e na retenção do sinal de € 2 500.
Na réplica, os autores negaram a ineptidão da petição inicial e o abuso do direito e invocaram, por seu turno, a ineptidão da reconvenção por inadequação entre o pedido e a causa de pedir na medida em que a ré lhes devolveu a quantia de € 7 500, e impugnaram os factos por ela articulados quanto a despesas e incómodos, não terem recusado a celebração do contrato de compra e venda e ser o negócio impossível em virtude de a ré haver vendido o prédio a outrem.
Na tréplica, a ré afirmou que só entregou aos autores € 7 500, para pôr termo ao caso, e que reteve € 2 500 para lhe apaziguar a consciência, mas como aqueles pretendem reaver essa quantia, sente-se com direito a reavê-la.
Foi concedido à ré, no dia 29 de Outubro de 2002, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento dispensa de taxa de justiça e de encargos com o processo.
No despacho saneador considerou-se inexistir ineptidão da petição inicial e relegou-se para momento posterior o conhecimento da excepção peremptória invocada pela ré.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 12 de Maio de 2005, por via da qual foram os autores absolvidos do pedido reconvencional, declarada a nulidade do contrato-promessa e condenada a ré a restituir-lhes € 2.493,99 e juros de mora à taxa legal desde a citação.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 8 de Março de 2006, negou provimento ao recurso.
Interpôs a ré recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - há contrato-promessa reduzido a escrito e não verbal, devendo considerar-se a sua validade; - nos preliminares e na formalização dos contratos devem os contraentes agir de boa fé e cumpri-los nas suas formalidades e substância; - não pode arguir a nulidade a seu favor quem a ela deu causa, sobretudo podendo saná-la a todo o tempo, assinando o documento que estava em seu poder; - a actuação dos recorridos configura abuso de direito e denota má fé e dolo directo intenso, instrumental substancial; - o acórdão recorrido infringiu os artigos 334º, 406º, nº 1 e 1780º, alínea a), por analogia, todos do Código Civil; - os recorridos devem ser condenados a devolver à recorrente € 7 500 ou absolver-se a última do pedido; - de qualquer modo, devem os recorridos ser condenados a indemnizá-la por danos morais e despesas com o processo.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Em meados ou finais de Outubro de 2001, os autores e a ré celebraram por forma meramente verbal um contrato-promessa de compra e venda, por via do qual a última se comprometia a vender aos primeiros e estes a comprar-lhe o seu prédio sito na Rua da Misericórdia, nº ..., Oliveira de Frades.
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Em Outubro de 2001, por escrito - documento inserto a folhas 4 por ela assinado - a ré declarou "... firmei um contrato de venda de uma casa de habitação com terreno envolvente, com a área total de aproximadamente 760 m2, sito na Rua da Misericórdia, nº ..., em Oliveira de Frades, com o Senhor AA ... pelo valor de 29 000 000$00 ... do qual já recebi, como adiantamento do mesmo, a quantia de 2.000.000$00 ...".
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A casa aludida sob 1 e 2 situa-se nos subúrbios de Oliveira de Frades, um dos motivos por que a ré pretendia vendê-la, aliado à sua idade avançada e ao facto de estar longe do centro e de ter acesso difícil ao mercado.
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Não foi fixado qualquer prazo para o negócio em causa, a ré não interpelou os autores para comparecerem em qualquer escritura de compra e venda, nem promoveu a fixação de prazo para eles providenciarem pela marcação da escritura.
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Foi a autora quem elaborou o documento mencionado sob 2 e o levou à ré, para ela assinar, dizendo que depois lhe entregaria uma fotocópia.
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Depois de a ré ter negociado os preliminares da compra do apartamento, os autores negaram-se ao contratado.
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A casa mencionada sob 1 foi vendida a terceiros e a ré comprou um apartamento que fica mais dentro da Vila de Oliveira de Frades, uma vez que no local onde se situava a casa aludida sob 1, ela se sentia demasiado isolada.
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Logo que concluíram pela inviabilidade do negócio, os autores dirigiram-se à ré, com quem trataram de o desfazer.
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A ré restituiu aos autores 1 500 000$, decidiu ficar com 500 000$ para despesas e incómodos, tendo querido fazer sua aquela quantia, acabando por lhes dizer não lhes restituir aquele montante, e recusa-se a restituir-lhos. III A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente tem ou não direito a exigir dos recorridos a restituição de € 7 500 e o pagamento de juros de mora e indemnização por litigância de má fé, ou se estes é que têm direito a exigir daquela a restituição de € 2 500 e juros moratórios.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente, a resposta à referida complexa questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - regime legal do contrato-promessa de compra e venda de imóveis; - há ou não fundamento legal para alterar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido? - agiram ou não os recorridos, na espécie, com abuso do direito? - tem ou não a recorrente direito à restituição pelos recorridos da quantia que lhes devolveu ou a ser indemnizada por eles? - tem ou não a recorrente direito a exigir dos recorridos indemnização por litigância de má fé? - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
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Comecemos por uma breve análise do regime legal geral do contrato-promessa de compra e venda de imóveis.
Resulta dos factos provados que a recorrente, por um lado, e os recorridos, por outro, produziram declarações negociais tendentes a que os últimos comprassem à primeira um determinado prédio.
Os termos do litígio suscitam, antes do mais, a conveniência da análise do regime do contrato-promessa, ou seja, do acordo preliminar cujo objecto são prestações de facto consubstanciadas em declarações negociais concernentes a determinado contrato.
A propósito deste tipo contratual, expressa a lei, por um lado, que à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (artigo 410º, nº 1, do Código Civil).
E, por outro, que a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, autêntico ou particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral (artigo 410º, nº 2, do Código Civil).
Finalmente, no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre edifício, deve o referido documento inserir o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou dos promitentes, mas o promitente da transmissão só pode relevantemente invocar a sua omissão quando tenha sido culposamente causada pela outra parte (artigo 410º, nº 3, do Código Civil).
A lei exige para o contrato de...
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