Acórdão nº 06S1547 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | SOUSA PEIXOTO |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra a BB, pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições vencidas (872,65 euros) e vincendas, desde o 30.º dia anterior à data de propositura da acção até à decisão final, acrescida de juros de mora desde a citação, sem prejuízo do direito de ele vir a optar pela cessação do contrato de trabalho e pela consequente indemnização de antiguidade.
Alegou, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré em 1 de Janeiro de 1982, para, remunerada e subordinadamente, dar aulas de natação a hemofílicos e acompanhantes, tendo sido por ela ilicitamente despedido, por carta datada de 21 de Março de 2001.
A ré contestou, alegando que o contrato celebrado com o autor era de prestação de serviço e não de trabalho e que o mesmo tinha cessado em 28 de Fevereiro de 2002, por livre vontade do autor e, em reconvenção, pediu, caso se viesse a entender que o contrato era de trabalho, que o autor fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 1.246,99 euros, a título de indemnização por ter rescindido o contrato sem aviso prévio.
Realizado o julgamento, com gravação da prova, no decorrer do qual o autor optou pela indemnização de antiguidade, foi proferida sentença, julgando improcedente a reconvenção (com o fundamento de que o crédito peticionado pela ré estava prescrito), procedente a acção no que toca à natureza do contrato (que foi considerado de trabalho subordinado) e improcedente no que diz respeito ao despedimento (que considerou como não provado), tendo a ré sido condenada a pagar ao autor tão somente a importância de 2.119,27 euros, a título de retribuição e subsídio das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2002 e de "proporcionais" de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, acrescida de juros de mora desde a data da citação.
O autor recorreu da sentença, por entender que os factos dados como provados permitiam extrair a ilação de que tinha sido despedido pela ré, mas o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso, o que levou o autor a interpor o presente recurso de revista, tendo concluído a respectiva alegação da seguinte forma: 1.ª - O autor intentou acção contra a ré invocando, em suma, que tendo sido admitido ao serviço da ré no âmbito de um contrato de trabalho subordinado, em 1 de Janeiro de 1982, para dar aulas de natação a hemofílicos, por carta da ré, datada de 21 de Março de 2002, foi despedido.
-
- Pedia, por isso, a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela cessação do contrato, e ainda a pagar-lhe as retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até decisão final.
-
- Tendo o autor optado, nos termos dos n.os 1 e 3 do art. 13.º do Dec.-Lei 64-A/89, pela cessação do contrato de trabalho em sede de audiência de julgamento.
-
- Provado está nos autos que: a) Desde Julho de 2001, decorreram negociações entre A. e R. quanto à reformulação das relações contratuais existentes entre as partes - matéria de facto dada por provada nos n.os 28 a 34, na sentença recorrida; b) Desde 1 de Março de 2002, a R. contratou outra pessoa para dar as aulas de natação aos hemofílicos que até então eram dadas pelo A. - n.º 37 da matéria de facto.
-
O A., através de carta datada de 15 de Março de 2002, propôs à R. uma última versão do contrato que havia estado infrutiferamente a ser negociado - n.º 39 da matéria de facto.
-
Em resposta a esta carta do A., a R., por carta datada de 21 de Março de 2002, refutou as afirmações do A. constantes daquela carta de 15 de Março e reiterando a posição de não admitir que entre as partes vigorasse um contrato de trabalho subordinado comunicou ao A. ter já contratado outro profissional para o substituir, considerando a questão do contrato com o A. ultrapassada e não fazendo já sentido assinar o que quer que fosse - n.º 41 da matéria de facto dada por provada.
-
-
- Para que haja um despedimento não se torna necessária uma comunicação escrita ou verbal que de modo expresso exprima a vontade da parte em despedir, bastando a existência de factos que, com toda a probabilidade, o revelam - art. 217.°, n.° 1, do Código Civil - ver Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22/6/98, in BMJ, 478, pag. 466.
-
- No caso dos autos, temos que, no decurso de um processo negocial sobre o teor do contrato que passaria a reger a relação jurídica vigente entre as partes, a R. admitiu ao seu serviço outro trabalhador para desempenhar as funções até então atribuídas ao A. e, perante a insistência deste em formalizar um contrato, a R. veio, por carta, comunicar ao A. essa nova admissão, dizendo-lhe que a questão do contrato a celebrar com o A. estava, então, ultrapassada e que já nada iria assinar, porquanto não fazia qualquer sentido fazê-lo.
-
- Esses factos, para um destinatário normal, correspondem a uma declaração de ruptura contratual.
-
- Sendo, por outro lado, claro que a ré, ao considerar que entre as partes não existia uma relação jurídica emergente de um contrato de trabalho subordinado, nunca admitiria qualificar como um despedimento a ruptura contratual que assumira.
9.º - A douta sentença de 1.ª instância e o Acórdão recorrido que a confirmou, ao absolverem a R. no que toca ao despedimento ilícito declarado, violou o art.º 217.º, n.° 1 do Código Civil, e, por essa razão, violaram os art.os 12.º e 13.º do Dec.-Lei 64-A/89.
O recorrente terminou a sua alegação, pedindo que fosse dado provimento ao recurso "anulando-se" a decisão recorrida na parte em que dela se recorre e condenando-se a ré pelo despedimento ilícito.
A ré contra-alegou pedindo a confirmação da decisão recorrida e neste Supremo Tribunal a magistrada do M.º P.º emitiu parecer no mesmo sentido, a que as partes não responderam.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
-
Os factos Os factos dados como provados nas instâncias não foram objecto de qualquer impugnação e são os seguintes - Anote-se que a numeração dos factos não corresponde à da decisão recorrida, dado que nesta se encontram repetidos os números 29 e 30.
: 1) A ré é uma associação que se dedica ao apoio aos hemofílicos e que foi reconhecida, enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social, como pessoa colectiva de utilidade pública.
2) O autor é professor efectivo na Escola Secundária Professor Reynaldo dos Santos, situada em Vila Franca de Xira e dependente do Ministério da Educação, onde dá aulas de educação física às turmas que anualmente lhe são atribuídas e dentro dos horários que para o efeito lhe são fixados.
3) O autor, mediante acordo verbal celebrado com a ré e sem prejuízo das funções a que alude a alínea anterior, comprometeu-se, a partir de 1 de Janeiro de 1982, a dar aulas de natação a hemofílicos e acompanhantes, tendo no quadro das mesmas elaborado o relatório que se mostra junto a fls. 52 a 54, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) Desempenhando, inicialmente, tais funções durante 3 horas semanais, tendo, no final do ano de 1991, passado igualmente a assegurar a formação de professores/monitores, que davam aulas de natação a hemofílicos em diversas piscinas do país, sem qualquer ligação à ré.
5) Em Outubro de 1994, a ré acordou com o autor o alargamento do seu horário semanal, que passou a ser de 9 horas semanais, bem como das funções a executar, que passaram a incluir, para além de (mais) aulas de natação e a formação de professores/monitores, a coordenação das actividades lúdico-desportivas (férias desportivas anuais - FD), que podiam repartir-se por duas ou três jornadas.
6) Tendo, a partir de Outubro de 1996, o horário em questão passado a ser de 8 horas semanais.
7) As funções do autor alargaram-se posteriormente, a partir de data não apurada, a contactos com hemofílicos, com vista a captá-los para as aulas de natação, tendo ainda ficado responsável pela preparação, organização e implementação do Plano Desportivo Nacional (PDN), bem como da colaboração esporádica com o dia do Hemofílico.
8) O autor desempenhava as referidas funções dentro dos horários previamente definidos para as aulas de natação, que decorriam numa pista da Piscina do Areeiro, em Lisboa, reservada para o efeito pela ré, destinando uma parte do seu horário semanal para, num dia mais ou menos fixo por semana, permanecer nas instalações da ré, com vista a desenvolver os contactos com diversas entidades e com hemofílicos, com vista a captá-los para aquelas aulas de natação.
9) O autor tinha autonomia técnica no que respeitava às aulas de natação, bem como no que respeitava à formação dos monitores, Plano Desportivo Nacional - PDN e férias desportivas - FD, tendo ainda uma grande margem de autonomia nas restantes tarefas que executava, atenta a experiência profissional que possuía, a competência que lhe era reconhecida pela ré naquela área específica do desporto para cidadãos hemofílicos e na relação de confiança existente entre ambos.
10) Apesar da autonomia descrita na alínea...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 3134/07.7TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2012
...foi rectificada a data de 2008 que constava da redacção inicial. [2] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2006 (Proc. n.º 06S1547), 04-03-2009 (Recurso n.º 1689/08) e 03-06-2009 (Proc. n.º [3] Cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Reimpressão, Co......
-
Acórdão nº 3134/07.7TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2012
...foi rectificada a data de 2008 que constava da redacção inicial. [2] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2006 (Proc. n.º 06S1547), 04-03-2009 (Recurso n.º 1689/08) e 03-06-2009 (Proc. n.º [3] Cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Reimpressão, Co......