Acórdão nº 06A2286 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2006

Data12 Setembro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - "AA" intentou, no Tribunal Judicial de Lisboa, acção ordinária contra BB (sua mulher) e CC e mulher DD, pedindo a anulação da compra e venda formalizada através da escritura pública outorgada em 24 de Julho de 1996 no Cartório Notarial do Seixal, na qual a 1ª R. declarou vender aos 2ºs RR. o prédio urbano com lojas, quintal e uma dependência, sito na Rua Luís Ribeiro, freguesia de S. Pedro, Trancoso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 373 e inscrito na respectiva matriz sob o nº 565, devendo os 2ºs RR. devolver o prédio à 1ª R. e esta devolver àqueles os recebidos 8.500 contos, ordenando-se o cancelamento registral na competente Conservatória da citada compra venda, com as legais consequências.

Em suma, alegou ser casado com a 1ª R. no regime de comunhão de bens adquiridos e que ela vendeu aos 2ºs RR. o imóvel identificado sem o seu consentimento.

A 1ª R. foi citada editalmente, mas não contestou. Igual posição tomou o MºPº que assumiu a sua defesa.

Os 2ºs RR. contestaram, por excepção arguindo a incompetência territorial do tribunal e a caducidade do direito de acção do A., e por impugnação, pedindo a improcedência da acção e a condenação do A. como litigante de má fé.

Este replicou.

Foi julgada procedente a excepção de incompetência relativa do tribunal e, como consequência, o processo foi remetido para a comarca de Trancoso, onde a acção veio a ser julgada improcedente por sentença do Mº juiz de círculo da Guarda.

O A. não se conformou com tal decisão e dela apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas sem êxito já que este confirmou o julgado.

Novamente inconformado, eis que o A. recorreu, ora para este Supremo Tribunal, pedindo revista, tendo, para o efeito, fechado a sua minuta com as seguintes conclusões: - Tendo ficado provado que o recorrente e a primeira recorrida, sua mulher, celebraram em 7 de Abril de 1969 casamento em Portugal, tendo o recorrente nacionalidade alemã, e a sua mulher, ora 1ª recorrida, nacionalidade portuguesa. E que - Os cônjuges declararam previamente ao casamento que o celebravam sem convenção antenupcial. E ainda que - Posteriormente ao seu casamento, no ano de 1969, os cônjuges tinham celebrado, na Alemanha, convenção pela qual estabeleceram o regime da separação de bens, - O Acórdão recorrido, com vista a determinar se tal convenção pós-nupcial, face ao preceituado no n° 1 do art° 1714°-C.Civil, era ou não válida face ao ordenamento jurídico português, aplicou ao caso vertente o preceituado no n° 2 do art° 52°-C.Civil, para o qual remete o art° 54° n° 1.

- Na redacção anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n° 496/77, de 25 de Novembro, a norma de conflitos constante desse n° 2 do art° 52° estabelecia, para os casos em que os cônjuges não tivessem a mesma nacionalidade, dois elementos de conexão, um principal, segundo o qual haveria que aplicar a lei da sua residência habitual comum e, na falta deste, um elemento secundário, de acordo com o qual seria de aplicar a lei pessoal do marido. Porém, - Como resulta da redacção do preceito e ensinava Ferrer Correia (in Lições de Direito Internacional Privado, 1969-320), a conexão secundária (ou seja a que aponta para a lei pessoal do marido) só funciona na falta ou impossibilidade de determinar a conexão principal. Ora, - Tendo ficado demonstrado nos autos que a primeira residência conjugal do recorrente e da 1ª recorrida foi em Portugal, que, algum tempo após o casamento, os cônjuges passaram a ter também residência conjugal na Alemanha, e que mantiveram sempre a residência em Portugal, - Forçoso é concluir que o Acórdão recorrido fez errada aplicação do disposto no n° 2 do art° 52° C. Civil, pois que não se justificava a aplicação da lei pessoal do marido (conexão secundária), uma vez que não era inexistente a conexão principal.

- Pois que, quanto a esta última, o que ficou provado era a coexistência de duas residências habituais comuns, uma em Portugal e outra na Alemanha.

- Sendo que a que surgira em primeiro lugar tinha sido a residência comum portuguesa.

- Assim, no entender do recorrente, impunha-se não só a aplicação do elemento de conexão principal, previsto no n° 2 do art. 52° - C. Civil, como também a confirmação do direito interno português, por corresponder a uma das residências habituais dos cônjuges, como competente para dirimir a questão dos autos.

- E também porque a nossa lei na matéria, quando proíbe a modificação após o casamento das convenções antenupciais e dos regimes de bens legalmente fixados, está a versar sobre questão de interesse e ordem pública.

- Quando muito e sem conceder, poderia a Relação ter considerado não estar em condições de decidir por qual dos ordenamentos jurídicos conexos com aquele elemento optar, devolvendo os autos à primeira instância, para formulação dos quesitos considerados necessários para esclarecimento da dúvida.

- Mas nunca considerar, como fez, que "a existência de residência comum em ambos os países cujas leis se perfilam como potencialmente aplicáveis neutraliza esse eventual elemento de conexão, equivalendo à sua ausência". Acresce que, - No que tange ao último segmento do n° 2 do art° 52°C. Civil (na redacção anterior ao referido D. Lei n° 496/77), relativo ao elemento de conexão secundário, não podia ele, em qualquer hipótese, ter aplicação à situação em apreço. Porquanto, - Apesar de à data do casamento do recorrente com a 1ª recorrida essa norma não ofender a nossa lei fundamental vigente (Constituição de 1933), o mesmo não sucedia quanto à Constituição de 1949 da RFA ("Grundgesetz"), entrada em vigor aos 31 de Março de 1953.

- Com efeito, o art° 3° da Constituição da RFA passou, a partir desta última data, a garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres, dispondo: «(1) todos os seres humanos são iguais perante a lei...

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