Acórdão nº 03S2559 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2003

Data26 Novembro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: "AA", propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra "Empresa-A", pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento, a sua integração ou indemnização por antiguidade, remunerações vencidas desde o despedimento e vincendas e, ainda, a condenação da Ré no pagamento de diferenças salariais e em outros créditos laborais não pagos e juros, o que tudo liquidou em 12.970.372$00.

Alegou, em resumo:- que foi admitida ao serviço da Ré em 1.10.91 mediante um contrato de docência para exercer as funções de assistente com regência de francês e no Curso de Relações Internacionais, recebendo remuneração; que a Ré a dispensou dos seus serviços no dia 18.11.99, o que configura um despedimento, sem precedência de processo disciplinar e sem justa causa; que a Ré lhe diminuiu a sua retribuição nos anos lectivos de 1994/95 a 1998/99 e que não lhe pagou as quantias reclamadas.

Contestou a Ré, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Excepcionou com a incompetência dos tribunais do trabalho, alegando, que o contrato existente entre ela e a A. é um contrato de prestação de serviço, e com a caducidade, sustentando a impossibilidade absoluta e definitiva de receber a prestação da A. por extinção de todas as cadeiras de línguas estrangeiras em virtude de uma reestruturação imposta pelo Ministério da Educação e por acumulação de funções, dizendo que a A. era também docente na École Française do Porto, onde leccionava alemão com carga horária de 6 horas semanais.

Respondeu a A. ampliando o pedido e alegando a improcedência das deduzidas excepções.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a referida excepção dilatória da incompetência dos tribunais de trabalho e relegou para final o conhecimento da excepção peremptória de caducidade.

Realizado o julgamento e proferida a sentença, foi a acção julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Inconformada a A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que o julgou parcialmente procedente, condenando a Recorrida a pagar a quantia global de 6.766.048$00 e juros sobre a importância de 152.743$00, desde a data do seu vencimento até integral pagamento.

Irresignada, é agora a vez da Ré "Empresa-A" interpor recurso de revista e de agravo do acórdão da Relação de Lisboa, assim admitidos, mas que configuram apenas um recurso de revista (art. 721º, nº2, do CPC).

Conclui as respectivas alegações pela seguinte forma.

Quanto ao recurso de revista: "I. Salvo o devido respeito, jamais poderá resultar da matéria dada por provada, que estamos perante a existência de um contrato de trabalho subordinado.

  1. Sendo embora incontestável que a subordinação jurídica é hoje considerada o critério fundamental para a distinção destes dois tipos contratuais, isto não significa que seja fácil de apurar a existência de tal elemento caracterizador do contrato de trabalho.

  2. Com efeito, tal critério consente, nos seus próprios termos graduações subtis e que nem sempre levam a resultados esclarecedores. Na verdade, o trabalho autónomo é muitas vezes compatível com a orientação e fiscalização alheias, é muitas vezes inserido numa organização e organizado no espaço e temporalmente (como ocorre no caso do médico pago por avença) e é inindentificável como obrigação de resultado (acompanhamento de litígio por advogado avençado).

  3. Por isso, o apuramento da subordinação não pode ser encontrado através do método subsuntivo, devendo sê-lo através do método tipológico, que consiste na procura de indícios que permite uma aproximação ao modelo típico.

  4. Assim, impõe-se antes de mais, proceder à identificação do objecto principal do contrato - a docência universitária - ou seja, determinar se se trata de uma obrigação de fácere ou de uma obrigação de resultado.

  5. À primeira vista, a obrigação assumida pela A. inerente à docência universitária strito sensu, poderia aproximar-nos mais de uma obrigação de fácere do que uma obrigação de resultado - o docente obriga-se a ensinar e a avaliar os alunos, e não a que estes obtenham aproveitamento.

  6. Todavia, a obrigação de leccionar deve ser encarada como obrigação de resultado, não no sentido do resultado final (a aprovação dos alunos), mas antes no de resultado intermédio. O objecto do contrato é constituído pela prelecção de uma determinada disciplina num determinado número de aulas.

  7. Ainda que, assim se não entenda, é preciso ter em conta que, apesar de ter de dar aulas num estabelecimento universitário e num horário pré-fixado, o trabalho de docente não se esgota nessa parte visível, tendo subjacente uma outra constituída pelo estudo e preparação das aulas, correcção de trabalhos e, mais importante do que isso, a própria investigação (conforme dispõe o artigo 63º, al. d) do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Dec.Lei 448/79, de 13.11, conjugado com o artigo 25º, nºs. 1 e 2, do Dec.Lei 16/94 de 22.01, que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo), que de forma alguma está sujeita aqueles condicionalismos de tempo e lugar e cuja gestão cabe inteiramente ao próprio docente, sem controlo da Universidade.

  8. Ora, sendo essa também uma parte significativa, embora menos visível, da prestação devida pelo docente, nessa parte não pode, em bom rigor, considerar-se que o seu objecto seja um fácere, que implique a disponibilidade, mas antes o resultado do trabalho intelectual, cuja conformação de modo, tempo e lugar fica na esfera da sua autonomia.

    Portanto, nessa medida, a prestação é, inequivocamente, de resultado.

  9. Para além desta questão, no esboço das relações efectivamente estabelecidas entre a A. e a R. surgem alguns factores que, em termos gerais, são susceptíveis de indicar subordinação jurídica, tais como (conforme já se referiu) a sujeição a um horário quanto à actividade docente propriamente dita, a determinação do lugar da prestação caber à R., situando-se nas instalações da universidade, com instrumentos por esta fornecidos, (isto, todavia, apenas relativamente à prestação lectiva stricto sensu, pois, como vimos, a actividade de docente universitário envolve necessariamente trabalho de investigação que não está sujeito a esses condicionalismos), a remuneração ser definida em função do tempo, sendo descontada nela as faltas dadas e incluir o pagamento de subsídios de férias e de Natal.

  10. Dados deste tipo, em princípio, são associados a relações de trabalho, podendo revelar subordinação jurídica, mas serão irrefutáveis? Afigura-se-nos peremptoriamente que não, pelo menos em relação a alguns destes aspectos.

  11. Com efeito, no que se refere à determinação do lugar da prestação, situando-se nas instalações da R., tal não podia obviamente deixar de ser assim, posto que, a A. era assistente numa Universidade e que as aulas devem ser ministradas nas instalações da Universidade, ou seja, no caso dos Autos, a actividade docente universitária tout cour só pode naturalmente ter lugar num estabelecimento universitário.

  12. Também a própria sujeição ao horário, porque não pode deixar de existir, dada a natureza da prestação, não é suficiente para caracterizar a relação como de subordinação jurídica.

  13. No que se refere à remuneração em função do tempo, esta assume, no caso da A., uma particularidade que em regra não assume no contrato de trabalho: ela é medida precisamente pelo trabalho efectivamente prestado, ou seja, é aferida pelo resultado proferido (as horas lectivas acordadas em cada ano lectivo e que podem variar, como variaram, no que à A. respeita, ao longo dos anos em que exerceu funções na Empresa-A) e não pela mera disponibilidade abstracta, como por exemplo sucederá no caso dos professores com vínculo, que recebem o vencimento correspondente à categoria que detenham, independentemente da carga horária de leccionação de aulas, que em cada ano lectivo lhes possa ser distribuída e que pode variar.

  14. Na verdade, a preparação das aulas, avaliações, atendimento a alunos e correcção das provas, não são medidos pelos tempos de leccionação, já que, na realização dessas tarefas, o docente ajusta o tempo de acordo com as suas possibilidades, ou seja, faz uma gestão pessoal, autónoma e unilateral do seu tempo.

  15. No que respeita aos meios de produção e da respectiva utilização é do conhecimento público que os docentes do ensino superior se valem de todo um equipamento, biografia e material próprio e pessoal não pertencente à instituição universitária.

  16. A própria existência de subsídios de férias e de Natal não é indício suficiente de heterodeterminação. Na verdade, nada obsta a que num contrato de prestação de serviços as partes acordem que o pagamento seja feito em prestações mensais e inclua prestações adicionais por ocasião das férias e do Natal, como é de regra nas prestações de trabalho.

  17. Mais, tal como consta do contrato celebrado entre as partes, o facto de a A. ser docente da Empresa-A pressupõe também que contribua para a própria gestão democrática universitária e, portanto, desempenhe funções nos colégios institucionais de onde saem os vários órgãos e, por vezes, seja chamada a exercer funções nesses mesmos órgãos, o que não pode, obviamente, constituir objecto de um contrato de trabalho.

  18. Acresce que, ficou provado nos Autos que a A., no exercício da sua actividade docente, procedia à preparação pedagógica e científica dos alunos na área da sua disciplina, como melhor entendia, de harmonia com o programa por ela própria elaborado na disciplina que ministrava, sendo da sua responsabilidade a avaliação e atribuição das classificações aos seus alunos.

  19. Sendo certo que, no contrato de docência (celebrado em 1 de Setembro de 1989) que a A. deverá acompanhar estritamente o programa desenvolvido nas aulas teóricas e actuar sempre sob a direcção e orientação directa do respectivo regente. Todavia, nada se provou no caso dos Autos quanto ao exercício concreto de tal direcção e orientação, tanto quanto à sua ocorrência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT