Acórdão nº 0514/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução29 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, veio interpor o presente recurso por oposição de julgados do acórdão da Secção, proferido nos autos a fls. 361 e segs, que negou provimento aos recursos jurisdicionais, interpostos pela ora recorrente, dos despachos do Mmo. Juiz do TAC de Lisboa, actualmente 1º juízo (liquidatário) do TAF de Lisboa, proferidos em 04.11.2002 (a fls. 102), e em 18.01.2005 (a fls.206), respectivamente, sendo que o primeiro despacho, considerou manifestamente indesculpável o erro na identificação do autor do acto recorrido e rejeitou o recurso contencioso e o segundo despacho, não admitiu a nova petição inicial apresentada pela recorrente a fls.115 e segs, por o erro verificado ser insusceptível de ser suprido, pelo convite previsto no artº40º da LPTA.

Pede, a final, que prevaleça a jurisprudência do primeiro acórdão fundamento e, em consequência, seja ordenado que a recorrente, nos termos do nº1, a) do artº40º da LPTA, regularize a petição inicial, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, ou, caso assim se não considere, que prevaleça então a jurisprudência do segundo acórdão fundamento, e, em consequência, seja ordenado que seja admitida a nova petição inicial apresentada pela Autora, nos termos e para os efeitos dos artº234º-A e 476º do CPC ex vi artº1º da LPTA.

Para o efeito, formulou as seguintes CONCLUSÕES: A. Quanto à questão de saber se se verifica erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto, insusceptível de correcção nos termos do artº40º, nº1, a) da LPTA, tanto o acórdão recorrido, como o acórdão fundamento pronunciaram-se expressamente sobre a interpretação de um mesmo preceito: a alínea a) do nº 1 do artº40º da LPTA, que não sofreu alterações entre a data de prolação deste último acórdão e a data da prolação do acórdão recorrido.

B. Ambos os acórdãos perfilham soluções opostas decorrentes de uma interpretação conflituante da referida disposição legal, pois o acórdão recorrido considera constituir erro manifestamente indesculpável «o erro completamente suposto ou criado pelo recorrente, aquele para cuja aparição a Administração não contribui, sequer ao de leve, e que, exclusivamente, resultou da desatenção ou incúria do errante», tendo concluído pela verificação de erro manifestamente indesculpável por entender que «do documento que a própria recorrente juntou com a petição de recurso consta, de modo absolutamente inequívoco, que a deliberação impugnada é da autoria do Conselho de Administração do ICP- Autoridade Nacional das Comunicações.».

C. No acórdão fundamento, ao invés, considera-se exactamente o contrário, isto é, considerando «desculpável o erro de identificação sempre que dos termos da petição possa divisar-se, sem dúvida, o verdadeiro (ainda que incorrectamente designado) objecto da impugnação», conclui-se pela desculpabilidade do erro na situação em que «O acto recorrido está, pois, claramente identificado, documentado e transcrito na petição de recurso (apesar de erradamente designado de acórdão e de atribuído ao órgão e não ao seu Presidente), pelo que uma leitura atenta e ponderada daquele articulado permite concluir com toda a segurança que é essa decisão administrativa que a recorrente pretende ver anulada.» D. Como refere o douto acórdão fundamento, «a jurisprudência mais recente deste STA vem consolidando uma leitura da referida disposição legal mais consonante com a garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada no artº264º da CRP, ou seja, uma concepção normativa daquela disposição legal como ordenadora e instrumental, tendo em vista a realização da justiça substantiva», tendo por base, designadamente, a ideia de que «os princípios anti-formalista e pro-actione postulam que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao cesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.» E. Contrariamente ao afirmado no douto acórdão recorrido e salvo o devido respeito, os princípios anti-formalistas e o princípio pro-actione não têm mera "função marginal" na interpretação da alínea a) do número 1 do artº40º da LPTA, não podendo funcionar apenas em "casos de fronteira", antes devendo ser, muito pelo contrário, também enquanto exigência de garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, os verdadeiros orientadores da interpretação que se faça daquela norma legal.

F. Atendendo ao favorecimento da obtenção de uma decisão de mérito exigido pela garantia da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, a alínea a) do nº1 do artº40º da LPTA, deve ser interpretada e aplicada num sentido em que o não conhecimento do mérito da causa em consequência de "erro manifestamente indesculpável" na identificação do autor do acto seja reservado para os casos limitados em que exista algum valor processual a acautelar em tal não conhecimento.

G. Desta forma, uma interpretação e aplicação conforme à garantia de tutela jurisdicional efectiva do disposto na alínea a) do número 1 do artº40º da LPTA, não pode deixar de conduzir a que se considere que a censura do comportamento do recorrente determinante da imediata absolvição da instância por erro manifestamente indesculpável na identificação do autor do acto impugnado, apenas deverá ocorrer se o erro por este cometido tiver determinado a impossibilidade de o Tribunal sequer poder configurar correctamente o objecto do processo, por não lhe ser possível, em face dos elementos carreados para os autos, identificar com segurança aquele autor.

H. A recorrente juntou à petição inicial cópia do acto recorrido da qual constava claramente a identidade do respectivo autor, o que conduziu a que nem o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nem o Supremo Tribunal Administrativo, em sede de recurso jurisdicional, tenham tido quaisquer dúvidas sobre aquela autoria, apesar do erro cometido na identificação do mesmo no texto da petição inicial.

I. O critério subjectivo de interpretação do conceito de erro manifestamente indesculpável previsto na alínea a) do nº1 do artº40º da LPTA, seguido pelo acórdão recorrido, de acordo com o qual serão sancionáveis com a absolvição da instancia, sem possibilidade de convite à regularização, aqueles casos em que o erro cometido tenha resultado de culpa do recorrente na identificação do acto impugnado, independentemente da consideração de este, apesar do erro cometido ter junto à petição inicial (e dado por reproduzido) um documento do qual constava claramente aquela identificação (que inclusivamente permitiu ao tribunal concluir, sem margem para dúvidas sobre a verdadeira identidade do autor do acto), é violador da garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada no artº268º, nº4, da CRP.

J. A desconformidade da decisão do acórdão recorrido com a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva e com o princípio pro actione, reside na circunstância de se recusar o conhecimento do mérito da causa, com base única e exclusivamente na invocação da violação de uma regra da qual não resultou qualquer consequência processual (o Tribunal identificou adequadamente o autor do acto recorrido, em função do documento junto pela recorrente) e sem que exista qualquer outro valor digno de tutela que o justifique.

K. Uma vez que estão presentes nos autos todos os elementos necessários para que o tribunal configurasse- como configurou, adequadamente a instância e o objecto do processo, a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva e o princípio do favor do processo, exigiam que este, ao invés de se resguardar na exigência do cumprimento de uma regra formal, tivesse convidado a recorrente a corrigir o seu articulado e assim desse a oportunidade para o prosseguimento da instância e para o conhecimento do mérito do pedido.

L. Atendendo ao exposto, a alínea a) do nº1 do artº40º da LPTA, na interpretação e aplicação dada pelo acórdão recorrido, para além de dever considerar-se violada, é inconstitucional, por violação da garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, consagrada no nº4 do artº268º da CRP.

M. Como resulta do douto acórdão fundamento, o facto de ter sido junto à petição inicial um documento que permitiu ao tribunal identificar o autor do acto, implica que não tenha resultado do erro na identificação deste último, no texto articulado "qualquer factor de perturbação intransponível para o correcto desenvolvimento da lide, uma vez que do contexto da petição o tribunal fica seguramente ciente de qual o acto que a recorrente pretende ver anulado, e que ela, como disse, veio no corpo da petição a identificar, documentar e transcreve (…). Pelo que, à luz dos apontados princípios anti-formalista e pro-actione, temos por adquirido, in casu, que o erro cometido não é "manifestamente indesculpável." N. Na oposição acima evidenciada deverá, pois, prevalecer a jurisprudência constante do acórdão fundamento, pelo que, aplicando-a no caso sub judice, deve considerar-se que o erro cometido pela recorrente na identificação do autor do acto recorrido não foi manifestamente indesculpável, uma vez que foi junto documento à petição inicial que permitiu ao tribunal identificar adequadamente esse mesmo autor e, dessa forma, deverá a recorrente, nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do artº40º da LPTA, ser convidada a regularizar a petição inicial.

O. Quanto à questão de saber se, tendo existido rejeição liminar da petição, por erro manifestamente indesculpável (não subsumível na previsão da alínea a) do nº1 do artº40º da LPTA, na parte em que permite o convite à correcção da petição), podem ser considerados supletivamente aplicáveis os dispositivos contidos nos artº 234º-A e 476º do CPC, sendo, em consequência, admitida a apresentação de nova petição inicial, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento...

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