Acórdão nº 010/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução24 de Abril de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) I. "A…" vem, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 09.11.2006 (fls. 951 e segs.), que, em sede de recurso jurisdicional, confirmou integralmente a sentença do TAF de Leiria, de fls. 690 e segs., que deferiu parcialmente, e a termo, a providência cautelar de suspensão de eficácia e intimação requerida contra Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação; Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional; Estradas de Portugal, EPE e B…, intimando as duas últimas entidades (EPE e B...) "até que seja emitido o despacho a que se refere o nº 1 do art. 6º do DL nº 169/2001, de 25.05, e autorizado o abate de árvores requerido em 18.10.2005, … a absterem-se de, por si, ou mediante qualquer tipo de subcontratação, no âmbito das obras de construção do IC9 - Alburitel/Tomar, sublanço Carregueiros/Tomar, realizar quaisquer trabalhos que envolvam o corte ou abate de azinheiras e sobreiros, ou que sejam susceptíveis de, por alguma forma, designadamente mediante movimentações de terras que lhes danifique as raízes ou ramos vitais, pôr em causa a sobrevivência daquelas espécies", e indeferindo, por desnecessárias, as restantes providências requeridas.

Na sua alegação formula as seguintes conclusões: 1. A intervenção deste Supremo Tribunal justifica-se na necessidade de esclarecer como se interpreta e aplica - os conceitos de "acto manifestamente ilegal" e de "acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo".

  1. A intervenção deste Supremo Tribunal justifica-se na necessidade de esclarecer até que ponto e em que medida é legalmente permitido pelos citados normativos - nºs 2 e 3 do art. 122º do CPTA - uma vez findo o procedimento administrativo conducente à aprovação de um projecto de execução de uma via rodoviária, o Tribunal decretar uma providência cautelar a termo a fim das entidades relapsas obterem à posteriori a autorização considerada imprescindível e não uma providência cautelar que subsista até ao trânsito em julgada da acção principal (no caso dos autos já interposta pela recorrente).

  2. A intervenção deste Supremo Tribunal justifica-se na necessidade de esclarecer em que medida é que a posterior prolação das autorizações omitidas - e, pelo menos, uma delas considerada imprescindível para o avanço da obra - podem legalmente justificar a alteração da providência cautelar decretada a termo permitindo, assim, a continuação da obra.

  3. A intervenção do STA justifica-se também pela necessidade de esclarecer se o interesse público na efectivação da realização de obras públicas, designadamente vias rodoviárias de interesse municipal - no caso, uma Variante à cidade de Tomar - deve sobrelevar ao interesse público do direito ao ambiente e qualidade de vida e aos interesses públicos: a) Defendidos pelo regime jurídico da protecção legal ao sobreiro e azinheira; b) Da coerência e integridade da REDE NATURA; c) Da destruição dos habitats naturais e prioritários da REDE NATURA existentes no Sítio de Importância Comunitária Sicó Alvaiázere, à data apenas um Sítio constante da 2ª Lista de Sítios, quando se encontra demonstrado nos autos que faltam as autorizações legais para o efeito.

  4. A intervenção do STA justifica-se pela necessidade de esclarecer e interpretar em que medida é que o atraso na execução de uma obra pública que não reúne as autorizações legais para ser executada, e pelo Tribunal consideradas "imprescindivel [eis]", e o elevado custo daqui decorrente, é superior ao facto consumado e irreversível e de difícil reparação de destruição de habitats naturais e prioritários da REDE NATURA, entre os quais os mencionados sobreiros e azinheiras.

  5. A intervenção do STA justifica-se pela necessidade de esclarecer e interpretar em que medida é que o dano ecológico resultante do facto consumado, irreversível e de difícil reparação de destruição de habitats naturais e prioritários da REDE NATURA, entre os quais os mencionados sobreiros e azinheiras, é superior aos interesses públicos de execução de uma via rodoviária.

    · Se há danos para o ambiente, e se a irreversibilidade da situação estiver provada - como está no caso dos presentes autos - deverá dar-se ou não a prioridade à protecção ambiental em detrimento do desenvolvimento económico e social? · Deverá ou não uma situação como esta ser decidida em prol do ambiente e in dubium contra projectum? 7. A intervenção do STA justifica-se, assim, pela necessidade de esclarecer: · Quais os critérios que o julgador deve ter como referência quando efectua a ponderação de interesses públicos com dignidade constitucional: o direito ao desenvolvimento económico e social e o direito ao ambiente e qualidade de vida; · Qual o critério que deve nortear a actividade do julgador quando avalia o valor ecológico de uma espécie protegida e prioritária (em vias de extinção); · Qual o critério que deve nortear a actividade do julgador quando avalia - pondera - o valor ecológico de uma espécie protegida; · Definir qual o valor de um bem ecológico; · Definir qual o valor de um habitat da REDE NATURA; · Definir qual o valor de um habitat prioritário da REDE NATURA; · Definir qual o valor dos solos das margens de um qualquer rio, classificados como REN; · Definir se este valor é mensurável em dinheiro; · Definir porque razão é que a destruição de todos estes habitats e espécies protegidas são inferiores a "1 milhão de contos" (no caso dos autos) ou a qualquer outra quantia; · Definir qual o critério a utilizar para chegar a esta conclusão; · Definir porque razão é que a destruição de todos estes habitats e espécies protegidas são inferiores à execução de uma Variante de uma qualquer cidade.

  6. Estas questões têm relevância social e jurídica fundamental, pois: a) É necessário realizar obras públicas a bem do desenvolvimento económico.

    b) É, cada vez mais, necessário proteger o ambiente, a qualidade de vida e os recursos naturais, e os reptos neste sentido vêm de todo o lado, uma vez que é uma necessidade sentida à escala planetária. Esta é, pois, uma questão de importância, comunitária, europeia e mundial.

  7. A definição das fronteiras destes direitos com assento constitucional justifica a intervenção deste Supremo Tribunal.

  8. A intervenção do STA justifica-se, ainda, pela necessidade de esclarecer: · A necessidade de prévia obtenção (quererá dizer-se autorização) da Comissão Europeia para abate dos habitats naturais e prioritários do Sítio de Importância Comunitária Sicó/Alvaiázere.

    · Em que circunstâncias é que o Juiz natural pode concluir tout court sem intervenção da Comissão Europeia ou do Tribunal de Justiça das Comunidades (através do reenvio prejudicial) pela afectação ou não da integridade de um Sítio da REDE NATURA.

  9. O relevo e importância, quer a nível social, quer a nível jurídico, das questões colocadas ganham mais acuidade e importância, no momento actual em que são frequentes as notícias vindas a público relativas a condenações que, na sequência de acções instauradas pela Comissão Europeia, a República Portuguesa tem sido alvo por violação de Directivas Comunitárias ligadas à conservação dos recursos naturais e espécies, de onde se destaca a violação da Directiva Habitats, referida nos autos.

  10. A ora recorrente, conforme resulta dos presentes autos, requereu ao TAF de Leiria o decretamento das providências cautelares identificadas no intróito do requerimento inicial.

  11. A recorrente alegou e provou, entre outros, os seguintes factos: 1- O sublanço aprovado pelo projecto de execução objecto do 1º acto suspendendo atravessa o Sítio da 2ª fase da Rede Natura 2000, designado por "Sicó/Alvaiázere", na extensão de aproximadamente 1,5 Km aproximadamente até às margens do Rio Nabão.

    2- Que do Sítio Sicó/Alvaiázere constam os seguintes habitats: carvalhais de Quercus fagínea (vulgo carvalhal cerquinho); florestas aluviais residuais (vulgo floresta ripícola dominada por animais); florestas galeria salix alba e Populus Alba (vulgo salgueiral e choupal); florestas de Quercus suber (vulgo, sobreirais) e florestas de Quercus ilex (vulgo azinhais).

    3- O sublanço aprovado pelo Projecto de Execução objecto do 1º acto suspendendo atravessa povoamentos de azinheiras com densidades que chegam a atingir cerca de 100 árvores por hectare (designada mente dentro da Rede Natura), bem como sobreiros dispersos, tratando-se, na sua grande maioria de árvores adultas, e em alguns casos centenárias, e em bom estado vegetativo.

    4- Junto às margens do Rio Nabão (onde se localizam os solos REN desafectados pelo 2º acto suspendendo) existem amieiros que, contudo, não serão significativamente afectados pela obra, já que nessa zona está prevista a construção de um viaduto vegetativo.

    5- A Direcção Geral de Florestas, no âmbito do pedido de abate apresentado pela EP em 18.10.2005, enviou por telecópia à E.P. a mensagem 855, referindo que a autorização só poderá ser concedida após as declarações ministeriais a que se refere o ponto 1 do art. 6º do DL 169/01, de 25.05, e após a aprovação do projecto de compensação a que se refere o art. 8º do mesmo diploma, e respectivo plano de gestão.

    6- Na sequência da emissão de parecer negativo do ICN, relativamente ao pedido referido na antecedente alínea, o Director da Circunscrição Florestal do Sul da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, informou a E.P. da sua intenção de indeferir aquele pedido, designadamente, para efeitos de audiência prévia.

    7- Não foi, pois, ainda emitida qualquer decisão final sobre o pedido de abate das azinheiras e sobreiros existentes quer fora quer dentro da REDE NATURA 2000.

    8- A construção do IC9 no traçado em causa atravessa igualmente a Reserva Ecológica Nacional em 7.343,7 m2, compreendidos numa área condicionada total de cerca de 3,44 hectares.

  12. Da matéria provada nos autos resulta que a obra em questão de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT