Acórdão nº 0873/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução06 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A..., com melhor identificação nos autos, vem recorrer do acórdão da 1.ª Subsecção deste tribunal, de 11.11.04, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs do despacho do Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, de 4.3.03, que determinou a demolição da sua moradia construída no lote n.º ..., na Praia da Falésia, Várzeas de Quarteira, Albufeira.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido deveria ter conhecido da alegação formulada pela ora recorrente de que a "licença de construção deveria ser considerada também válida ao abrigo do POOC Burgau Vilamoura (Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 27 de Abril), se prevalecesse a interpretação das normas pertinentes deste (art.ºs 9.º 20.º, n.º 1 e 91.º) implicitamente sempre atribuída pela Câmara de Albufeira e em certo momento perfilhada (aparentemente) pela DRAOT".

  1. O acórdão recorrido deveria ter reconhecido a existência de situações jurídicas tuteladas pelo direito através do instituto dos direitos adquiridos, reconhecendo, designadamente um direito adquirido à não alteração essencial das condições de licenciamento da construção, ou um direito adquirido à obtenção de uma licença de construção desde que respeitados os termos essenciais do quadro jurídico vigente à altura do loteamento.

  2. Dos art.ºs 23.º, n.º 2, e 25.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 390/99, de 22 de Setembro, resulta a regra da coordenação dos instrumentos de ordenamento do território, com prevalência de princípio dos planos regionais sobre os planos especiais, admitindo porém que estes possam excepcionalmente revogar ou alterar regras daqueles, desde que o façam com indicação expressa.

    Modo expresso esse que, no caso sub judice, não se verifica.

  3. Se se entendesse que a lei aplicável (art.ºs 20.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do POOC, 91.º do mesmo POOC e, especialmente, 105.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro), resulta inexoravelmente que a única decisão legalmente permitida é a ordem de demolição, essas normas, particularmente a última, violariam o princípio da proporcionalidade.

  4. Porém, na melhor interpretação, o 105.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, não consagra um poder vinculado de demolição.

  5. Sendo assim, o acto de demolição só poderia ser praticado se fosse proporcional, isto é se o fim não pudesse ser atingido através de meio menos gravoso. No caso vertente, havia alternativas menos gravosas, pelo que o acto administrativo de demolição viola o princípio da proporcionalidade.

  6. O acto administrativo de demolição viola o princípio da igualdade (art.º 262.º, da CRP), uma vez que a autoridade administrativa deu ao imóvel e à situação da recorrente tratamento diferente do dado a outras situações idênticas na vizinhança.

  7. As disposições habilitadoras do acto administrativo de demolição são inconstitucionais por violação dos art.ºs 2.º, 61.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, al. b) e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e anulando-se o acto administrativo do Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, de 04.03.2003, que determinou a demolição da moradia da recorrente construída no Lote n.º ..., na Praia da Falésia, Várzeas de Quarteira, Albufeira.

    A autoridade recorrida concluiu a sua contra-alegação referindo que "se apresenta de concluir no sentido da improcedência de todo o expendido nas alegações em resposta, designadamente o vertido em todas e cada uma das conclusões 1 a 8 a final das mesmas. Nestes termos, nos mais de direito, e com apelo ao Douto Suprimento de v. Exas. Mmos. Conselheiros, deve, pois, o presente recurso ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, ser mantido, por válido e legal, o Douto Acórdão recorrido. recorrido. Assim se fará a costumada Justiça desse Supremo Tribunal." O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal manteve o seu anterior parecer com o seguinte teor: "Alega a recorrente, no essencial, que os planos regionais de ordenamento do território prevalecem sobre os planos especiais, como são os POOC, daí resultando que no caso de contradição as normas e regras de uso e ocupação dos solos constantes dos primeiros é que deverão ser observados, devendo ser consideradas nulas as dos planos especiais "pelo efeito conjugado dos artigos 23.º, n.º 2, 25.º, n. 2 e 102.º, n. 1 1 do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro", acrescentando ainda que acaso se entendesse que as normas do POOC derrogam as do PROT, as primeiras seriam "inconstitucionais por violação dos artigos 2.º, 61.º, n.º 1, 62.º, n.º 1 e 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição". Subscrevendo a argumentação expendida pela entidade recorrida, a meu ver, falece razão à recorrente quando defende que os planos especiais (POOC) se encontram em relação aos planos regionais (PROT) numa situação de inferioridade normativa. De facto, a estabelecer-se uma relação de hierarquia entre esses instrumentos de ordenamento territorial, ao invés, a prevalência tem de ser conferida aos planos especiais. A esse respeito, sem prejuízo de se me afigurar de acolher a argumentação aduzida pela entidade recorrida, sempre se acrescentará que a disciplina jurídica dos PROT aponta para a sua definição como instrumento essencialmente programático e normativo, em que avultam estatuições meramente indicativas, embora sem prejuízo de poderem conter disposições preceptíveis, imediatamente aplicáveis. e constringentes (acórdão de 21-6-00, rec. N.º 37.246), circunscrita ao âmbito regional, ao passo que os planos especiais se definem como instrumentos de concretização e desenvolvimento da política de ordenamento do território de âmbito nacional, estabelecendo "usos preferenciais, condicionados e interditos, determinados por critérios de conservação da natureza e da biodiversidade, por forma a compatibilizá-la com a fruição pelas populações"- cfr. artigos 2.º, 12.º e 23.º do DL n.º 380/99. Daí que, como alega a entidade recorrida, os planos regionais e especiais tenham níveis de incidência e objectivos próprios e distintos, sem prejuízo de dever ser assegurada a necessária compatibilização entre eles, a concretizar no que aos planos especiais respeita pelo dever de "indicar expressamente quais as normas daqueles (planos) que revogam ou alteram "artigos 23.º, n.º 2 e 25.º, n.º 2, ambos daquele último diploma. Como acentua a entidade recorrida, deste último normativo decorre - ao arrepio do que pretende a recorrente - a prevalência normativa dos planos especiais, sem que do eventual incumprimento da recomendação da indicação expressa das normas revogadas se possa concluir pela invalidação das normas inovatórias. Por outra parte, não se descortina em que medida as normas do POOC revistam uma dimensão violadora dos preceitos constitucionais que a recorrente invoca, sendo de realçar que no que tange ao direito de propriedade tão pouco a nossa lei fundamental tutela o direito à edificação, como elemento necessário e natural do direito fundiário - cfr. acórdão do Pleno da secção de 2-12-01, no recurso n.º 34.981. A entidade recorrida, portanto, ao fazer respeitar as normas do POOC que entendia violadas não incorreu em qualquer ilegalidade. Por último, denuncia a recorrente que a ordem de demolição emanada do despacho impugnado concretiza uma actuação injusta, desproporcionada e discriminatória em relação a outra situações vizinhas idênticas. Acontece que, como é pacífico, os princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade que devem nortear a actuação da administração, apenas relevam, enquanto tais, no âmbito da actividade discricionária e não, como é o caso, da vinculada, hipótese em que esses princípios se confundem e são assegurados pela prossecução do princípio da legalidade. Daí que se imponha concluir pela não violação desses princípios. Termos em que, não se encontrando o despacho recorrido ferido dos vícios que a recorrente lhe aponta, se é de parecer que o recurso não mereça provimento." Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

    II...

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