Acórdão nº 0921/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório A...

, com melhor identificação nos autos, propôs no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto (TAC) contra o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia uma acção administrativa emergente de responsabilidade civil extracontratual, julgada parcialmente procedente por sentença de 15.7.05.

Dela foram interpostos dois recursos, um pelo réu, clamando a sua absolvição, outro pelo autor, pedindo o agravamento da condenação.

O réu, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, no seu recurso, terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: 1.ª A douta sentença recorrida baseou-se, tão só, em meras especulações subjectivas sobre o que seja o doente estar "em observação em OBS", não invocando nem podendo invocar qualquer violação de norma jurídica ou regulamentar que tivesse sido infringida pelo Recorrente, limitando-se a fazer apelo a "regras técnicas e de prudência comum", do "dever geral de cuidado" para aí incluir uma pretensa deficiente prestação de cuidados de saúde para incriminar o R., fazendo apelo ao artº 6° do Dec-Lei n° 48.051/67, esquecendo os artºs 2° e 4° do mesmo Dec-Lei.

  1. A responsabilidade extracontratual do Estado e seus agentes enquanto tal assenta, tal como a responsabilidade civil extracontratual, nos pressupostos da culpa, ilicitude, nexo de causalidade e dano, sem os quais não haverá tal responsabilidade extracontratual.

  2. Acontece que, a nosso ver, nenhum destes pressupostos vêm provados nos autos - pelo menos os três primeiros -, pelo que a douta sentença recorrida errou ao condenar o Recorrente apenas com base numa pretensa ilicitude, vista esta apenas em face do resultado, fazendo tábua rasa dos outros pressupostos, designadamente da culpa, cujo ónus da prova competia ao Autor, ora Recorrido - artºs. 4°, n° 1 do Dec-Lei n° 48.051/97 e artº 487°, n° 1 do Código Civil - e que este não logrou fazer.

  3. Na verdade, não existe, no caso dos autos, qualquer facto ilícito praticado pelo Recorrente, já que a doente ... esteve sempre no Hospital do R. em regime de Observações ou OBS, isto é esteve em observação clínica para se detectar, com precisão, do que sofria e para se poder avaliar se era necessário ou não o seu internamento.

  4. Porém, a douta sentença recorrida, socorrendo-se erradamente do artº 6° do Dec-Lei n° 48.051/67, entende que tal regime obrigaria o Recorrente e o seu pessoal, médico, de enfermagem e auxiliar, a estar a observar permanentemente a doente, quase sem tirar os olhos dela, pois só assim a estaria a observar correctamente.

  5. Além de que tal nunca seria humanamente possível em qualquer estabelecimento hospitalar e muito menos num grande hospital geral, como é o do Recorrente e num serviço de urgência onde acorrem, todos os dias, centenas de utentes, tal observação tem de, além de ser primordialmente clínica, compadecer-se com a razoabilidade da vida concreta e o agir de um "bonus pater família".

  6. De todo o modo, da matéria de facto provada, resulta, com segurança que a doente, durante as 13 horas em que esteve nas instalações do Hospital R., esteve permanentemente a ser observada, fez dezenas de exames, foi sujeita a vários tratamentos e, pouco antes de desaparecer, esteve a ser observada e a conversar, cerca das 22 horas daquele dia 23/11/2001, com uma médica do Recorrente, pelo que, mesmo na tese da douta sentença recorrida, não houve qualquer conduta do Recorrente a que seja imputado qualquer ilícito, já que este prestou à mãe do A. todos os cuidados de saúde e humanos de ela necessitou.

  7. Por outro lado, também não houve violação de qualquer culpa in vigilando, já que, como vem amplamente demonstrado na matéria factual provada e no processo clínico da doente junto, sempre a doente esteve permanentemente sob vigilância médica, de cuidados de saúde e outros do pessoal do Recorrente, sendo que a doente sempre se apresentou consciente, colaborante e no pleno uso das suas faculdades mentais, cognitivas ou neurológicas e bem orientada - resposta ao quesito 22° - não se mostrando, assim, fragilizada ou a necessitar de cuidados ou vigilância especial.

  8. De resto, tendo a doente sido observada, como se disse, cerca das 22 horas por uma médica do serviço do R. e tendo-se levantado da maca onde estava entre as 22 horas e as 23 horas, para não mais ser vista, é óbvio que mesmo que estivesse a ser "observada" naquele momento por qualquer elemento do Recorrente, este não podia, nem devia impedir a doente de se levantar, pelo que não existe qualquer nexo de causalidade entre o desaparecimento da doente e a observação a que estaria sujeita.

  9. Não existindo facto ilícito nem culpa é óbvio que também não existe nexo de causalidade entre o facto e a culpa, apenas se verificando ter havido dano consistente no desgosto e angústia do A. face ao desaparecimento de sua mãe e não sabendo se esta está viva ou morta.

  10. E é aqui que reside toda a problemática do caso: a sentença recorrida, face à gravidade do dano, partiu do resultado para encontrar um culpado, invertendo, assim, todo o edifício da responsabilidade civil plasmado no nosso ordenamento jurídico que se baseia, ao contrário, no princípio da causalidade adequada.

  11. Ao proceder deste modo a douta sentença recorrida é nula por ter infringido todos os princípios da responsabilidade civil que enforma o nosso sistema jurídico, designadamente os artºs. 2° e 4° do Dec-Lei no 48.051/67 e artºs. 483°, 486° e 487° do Código Civil. TERMOS EM QUE deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência deve declarar-se nula a douta sentença recorrida e o...

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