Acórdão nº 0888/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução22 de Novembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O Ministro dos Negócios Estrangeiros veio recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA), de 27.4.06, que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A...

do acto de indeferimento tácito, que lhe foi imputado, do recurso hierárquico deduzido do despacho de homologação da lista de classificação final no concurso aberto para a categoria de Conselheiro de Embaixada.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: a) Pese embora o facto da vontade do júri ter sido manifestada com desrespeito pelo disposto nos artigos 10°, nº. 10 da Portaria n.º 665/01, de 30/6, e 41°. n.º 1 do CPA, o douto acórdão sob recurso padece de erro de julgamento ao não tomar em conta os princípios do aproveitamento do acto e da inoperância dos vícios, bem como a dupla função do recurso contencioso, uma vez que da ilegalidade cometida não resultou qualquer prejuízo para o interessado, e a razoabilidade do aproveitamento do acto é evidente, face ao número dos candidatos e à mobilidade que caracteriza a carreira diplomática, que sempre dificultaria, em muito, a repetição do procedimento, sem que daí o interessado retirasse qualquer efeito útil; b) O acórdão enferma também, e por outro lado, de erro de interpretação e aplicação da lei, no caso, do bloco legislativo constituído pelo D.L. nº. 40-A/98, de 27/2, que aprovou o Estatuto Diplomático e que expressamente considera a carreira diplomática como um corpo especial, e pelo D. L. n.° 204/98, de 11/7, que estabelece o regime geral de recrutamento e selecção do pessoal dos quadros da Administração Pública, cujo artigo 3°. expressamente admite que os corpos especiais podem obedecer a um processo de concurso próprio, salvaguardados que sejam os princípios enunciados no seu artigo 5°., diplomas, ambos, que o Governo elaborou devidamente credenciado para tanto pela Assembleia da República, dado estar em causa a definição de matérias respeitantes à sua competência reservada, ainda que relativa, ou seja, às bases do regime e âmbito da função pública, conforme decorre da alínea t) do artigo 165°. da CRP (Lei n°. 4-A/98, de 20/1 e Lei nº. 10/98, de 18/2, respectivamente); c) Com efeito, a matéria constante do artigo 39°. do D.L. nº. 204/98, que consagra como regra geral, que a lista de classificação final dos concursos seja elaborada pelo júri e homologada por entidade diferente dele, não se inclui, claramente, no elenco daquele artigo, pelo que se entende que o artigo 11°. da Portaria n°. 665/2001 de 30/6, ao prever que todas as operações de selecção, a elaboração da lista e o acto final decisório do processo para acesso à categoria de conselheiro de embaixada pertençam ao júri, não viola os princípios da reserva e da preeminência da lei, nem os limites do poder regulamentar, uma vez que está em causa uma categoria pertencente a um corpo especial de funcionários, que é uma realidade reconhecida por ambos os decretos-lei autorizados e a portaria mais não faz do que executar e complementar a definição legalmente estabelecida da matéria em termos de, melhor a adaptar a tal realidade, deixando incólumes os princípios gerais, básicos, nucleares de qualquer processo selectivo, quais sejam os plasmados no artigo 5°. do D. L. n°. 204/98, de 11/7; d) Termos em que se espera que esse Tribunal Superior conceda provimento ao recurso e, revogando o acórdão que constitui o seu objecto, remeta os autos ao Tribunal Central Administrativo a fim de que este decida sobre os restantes vícios apontados ao acto contenciosamente impugnado.

O recorrido concluiu assim as suas contra-alegações: a) O acto objecto de recurso contencioso - indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário interposto do despacho de homologação da lista de classificação final concursal para a categoria de conselheiro de embaixada - encontra-se insanavelmente ferido de violação de lei; b) resulta de deliberação de órgão colegial e temporário da administração ilegalmente constituído, porque integrou pessoas não habilitadas nem legalmente investidas e por isso funcionou eivado de incompetência; c) resulta daqui ofensa ao aviso de abertura do concurso, à legislação específica sobre procedimentos concursais, e ainda o disposto nas normas dos artºs 13° a 51° do Código de Procedimento Administrativo; d) ainda afectado pelo vício de incompetência, pois que o júri (para além de ilegalmente funcionar) se arrogou competência para homologar anterior deliberação sua, ainda que pretensamente habilitado por Regulamento aprovado por Portaria, em ilícita compressão de um grau procedimental de garantia dos interessados; e) em conexão com o atrás referido, o Regulamento, ao prever tal bizarra "homologação", viola o princípio do primado da lei sobre os regulamentos administrativos na medida em que inova o quadro legislativo por via regulamentar sem lei prévia habilitante; f) em todo o caso, e para além das razões que determinaram a decisão do douto acórdão sub judicio, mantém o agora recorrido que se verificam as demais ilegalidades que entendeu por bem invocar no articulado inicial e alegação junto do Tribunal a quo, e que só não foram apreciadas por força do disposto no n° 1 do artº 57° da L.P.T.A.; g) não logra o recorrente minimamente demonstrar que sem os apontados vícios a deliberação seria a mesma, daí a irrazoabilidade da convocação do princípio da inoperância do vício e aproveitamento do acto administrativo, desde logo - e mesmo que mais razões não existissem, do que se não prescinde - em face da imperatividade das normas procedimentais violadas, do seu fim também pedagógico e disciplinador para a própria Administração, e da constatação que no caso vertente se está perante violações da lei de especial gravidade e consequências; h) pelas mesmas razões não opera a característica - exposta pelo recorrente de modo algo difuso e inconclusivo - da função cada vez mais subjectiva do recurso contencioso, pois que o que desde sempre o recorrido pretendeu, e continua a pretender com tal recurso, foi e é a anulação de um acto administrativo definitivo e executório que qualifica fundamentadamente como lesivo dos seus interesses e direitos subjectivos, visando assegurar uma posição de vantagem que inexiste no caso de se manter tal acto ilegal na ordem jurídica, razão pela qual não o move a pia intenção de um mero controle jurídico objectivo de legalidade; i) decidindo como decidiu, o Tribunal Central fez uma correcta interpretação e aplicação do direito, fundamentando-se aliás em muito judiciosas e firmes considerações; j) deve pois numa palavra improceder o recurso jurisdicional e proceder o recurso contencioso, assim se devendo decidir, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer com o seguinte teor: "O acórdão recorrido julgou procedente o recurso contencioso interposto de indeferimento tácito imputado ao Ministro dos Negócios Estrangeiros e formado na sequência de recurso hierárquico deduzido do despacho de homologação da lista de classificação final do concurso para acesso á categoria de conselheiro de embaixada. Fundou-se a decisão anulatória na ocorrência de vícios de violação de lei decorrentes do facto de, em simultâneo, vogais efectivos e suplentes terem participado nas deliberações do júri do concurso e deste ter tido intervenção no decurso do procedimento concursal na dupla função de órgão deliberativo e de entidade homologatória da lista de classificação final. Na sua alegação de recurso, a autoridade recorrente, admitindo embora a verificação da primeira das ilegalidades acima referidas, vem defender a inoperância invalidante do correspondente vício mediante o apelo que faz ao princípio do aproveitamento do acto administrativo, já que, em seu entender, dessa ilegalidade não teria resultado qualquer prejuízo para a recorrente contenciosa e da anulação do concurso, com a consequente repetição do respectivo procedimento, nenhum efeito útil poderia retirar. A argumentação que a recorrente produz a respeito deste seu entendimento é, a meu ver, por demais frágil e inconsequente. Na verdade, sabendo-se, como se sabe, que o princípio do aproveitamento do acto administrativo negando eficácia invalidante ao vício constatado, só poderá valer em casos de actividade vinculada da Administração e apenas quando se possa afirmar, com inteira segurança, que o novo acto a praticar teria forçosamente o mesmo conteúdo decisório do acto anulando (ver, por todos, o acórdão de 04-02-03, no recurso n.º 43.274), inevitável será concluir que a situação "sub judicio" de modo algum satisfaz tais pressupostos, desde logo porque nada garante que na renovação do procedimento concursal o júri, reduzido à sua constituição legalmente admissível e no âmbito da sua margem de livre apreciação das candidaturas dos concorrentes, as venha a valorar exactamente da mesma maneira. Por outra parte, afigura-se-me também carente de razão a tese da autoridade recorrente ao entender que o artigo 11.º da Portaria 665/2001, de 30/6, ao prever que a lista de classificação final será aprovada pelo júri e que a acta em que essa aprovação tenha lugar seja homologada pelos seus membros, não afronta a previsão normativa constante do artigo 39.º do DL n.º 204/98, que estabelece que essa homologação seja da competência de diferente entidade (dirigente máximo do serviço ou membro do Governo), não violando os princípios da reserva e...

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