Acórdão nº 0370/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução26 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão liminar do TAF de Coimbra que se julgou incompetente em razão da matéria para conhecer do recurso contencioso que ele deduzira contra a deliberação de 9/10/2003 do Conselho de Administração da Caixa Central - Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, CRL, acto esse que suspendera a Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Figueira da Foz, a que o recorrente pertencia, e que nomeara directores provisórios para essa mesma caixa, pelo prazo de um ano.

O recorrente terminou a sua alegação de recurso formulando as conclusões seguintes:

  1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo 1° Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (ex -Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra), datada de 28.05.2005, pela qual se rejeitou o recurso contencioso de anulação do acto administrativo da autoria do Conselho de Administração da Caixa Central - Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., datado de 09.10.2003, pelo qual se "deliberou suspender a Direcção no seu todo, ao abrigo do disposto no artigo 77°-A, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo, e nomear (...) Directores Provisórios (...) pelo prazo de um ano", acto este notificado à Direcção da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Figueira da Foz, da qual o ora recorrente era membro, por ofício de notificação datado de 10.10.2003, sob a ref. DFOA/1275/2003, da autoria do Director do Departamento de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento, Exm° Sr. ...; B) Em concreto, fora dito no acto recorrido que o Conselho de Administração da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo ("Caixa Central" havia deliberado "intervir na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Figueira da Foz, C.R.L. (...), suspendendo das suas funções os membros da Direcção Senhores A..., ..., ..., ... e ... e designando para o exercício das funções de Directores Provisórios os Senhores Dr. ... (...) e o Dr. ... (...) a quem compete adoptar as providências necessárias para corrigir as situações de desequilíbrio existentes e a orientação, supervisão e disciplina dos serviços, devendo designadamente, definir e colaborar na adopção de medidas para a regularização de créditos vencidos, disciplinar a gestão da Caixa". Esta nomeação teria a duração de um ano, "contado da data de registo a efectuar, com os poderes e deveres que lhe são conferidos pelo n.º 2 do mesmo artigo 77°-A do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo"; C) O ora recorrente, na qualidade de Presidente da Direcção, suspenso das suas funções por via do acto impugnado, interpôs junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra um recurso contencioso de anulação do acto, tendo o processo sido rejeitado por incompetência material.

    D) A decisão recorrida sustenta a incompetência dos tribunais administrativos para apreciar a questão, fundamentando-se na natureza jurídico-privada da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e na negação do paralelismo das suas competências de supervisão dentro do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo (SICAM), face aos poderes de supervisão do Banco de Portugal, quanto ao conjunto do sistema financeiro; E) Com apoio nestes dois aspectos a decisão recorrida pronunciou-se pela incompetência dos tribunais administrativos para apreciarem o presente processo, assim rejeitando o recurso contencioso de anulação por pretensa incompetência material; F) Entrando na matéria relativa aos fundamentos do presente recurso, o recorrente concorda com a entidade recorrida, quando esta refere que a determinação da competência material assenta na natureza da relação jurídica subjacente, discordando dessa, porém, quando esta faz assentar a natureza jurídica da relação jurídica na natureza dos sujeitos em presença. É posição do recorrente que em muitos casos, como o presente, as partes intervenientes podem ser privadas e, porque regidas na sua relação por regras de direito público, será o direito administrativo a regulá-la e os tribunais administrativos os competentes para dirimir a questão. Da mesma forma, casos existem em que as partes são públicas, mas, porque entre estas surge o direito privado a regular a relação, a questão está sujeita ao direito privado e aos tribunais judiciais; G) Tem o recorrente a sustentar que as regras jurídicas aplicáveis, em concreto, aquelas resultantes do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, não são normas de direito privado, mas sim normas de direito público. Para que se possa concluir sobre a natureza jurídico-administrativa, ou jurídico-privada, de uma relação jurídica, há que recorrer a critérios que nos permitam aferir qual o direito regulador da mesma e, por conseguinte, quais os tribunais que sobre essa situação podem ser chamados a intervir.

    H) Recorrendo à actual teoria da qualidade ou posição dos sujeitos, ou à teoria dos interesses, para separar direito administrativo de direito privado, estaremos na presença de direito público (administrativo) quando se compreenda que o complexo de normas que qualificam a posição das partes implicam que uma seja dotada de poderes que possa impor à outra, devendo a outra sujeitar-se a essa intervenção ou ablação. No caso dos autos, a autoridade recorrida - Caixa Central - surge na posição de entidade dotada de poderes públicos, pois que a mesma surge em posição similar àquela que desempenha o Banco de Portugal, com o que o direito que surge a regular a relação das partes é o direito público e os tribunais competentes são os tribunais administrativos.

    I) Seguindo a teoria de interesses, a actuação da autoridade recorrida pauta-se pela necessidade de protecção de interesses públicos, já que a sua intervenção corresponde a uma supervisão bancária sobre as caixas de crédito agrícola mútuas, de forma semelhante ao que poderia fazer o Banco de Portugal - entidade inequivocamente pública e regida pelo direito administrativo quando actua dotada de poderes de autoridade - pois que também recorre a poderes de autoridade para dirigir e corrigir a actuação destas instituições bancárias no mercado. Também por este critério, as regras em causa são regras de direito administrativo e os tribunais competentes são os tribunais administrativos.

    J) De facto, o modelo organizativo caracteriza-se pela atribuição legal à Caixa Central de prerrogativas específicas que lhe permitam exercer a supervisão do SICAM e das caixas que o integram, por forma a permitir que esta disponha dos poderes aptos a "assegurar o cumprimento das regras de solvabilidade e liquidez do sistema integrado do crédito agrícola mútuo e das caixas agrícolas a ele pertencentes, bem como orientá-las e fiscalizá-las, nos termos dos artigos 75.° e 76.º", o que aponta para a competência material das instâncias administrativas para apreciar a questão controvertida nos presentes...

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