Acórdão nº 0345/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução03 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I.RELATÓRIO A…, guarda prisional, com os demais sinais dos autos, recorre do acórdão proferido no Tribunal Central Administrativo (Sul) que negou provimento ao recurso contencioso ali interposto contra o despacho da Senhora MINISTRA DA JUSTIÇA (ER) de 8 de Setembro de 2003 que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva.

Rematou a alegação de recurso com as seguintes CONCLUSÕES: "1ª Foram levantados os processos disciplinares ao recorrente com fundamento em infracção da mesma natureza, em ambas se tendo defendido; 2ª- Requereu num dos processos, exame ou inspecção ao local para averiguar se era observável a parte do corpo que as testemunhas dizem ter visto, mas escondido até ao peito pelos arbustos do local, mal iluminado, e afastado de vistas; 3ª Estes factos ou circunstâncias são essenciais à descoberta da verdade, quer para confirmação da acusação, quer para procedência da defesa; 4ª A diligência requerida tornava-se indispensável, pois nada existe nos processos que esclareça tudo quanto se queria apurar com a sua efectuação; 5ª- O Despacho único relativo aos dois processos disciplinares datado de 08-09-03 de sua Excelência a Ministra da Justiça, que aplicou a pena de aposentação compulsiva, é omisso quanto à indicação das normas violadas e incriminadoras, não tem fundamentação expressa, tendo-se apenas remetido para proposta também omissa quanto à exposição dos fundamentos de facto e de direito, violando os arts. 124 e 125 do C. P. A., que obedecem ao art. 268, 3 da C. R. P., o que constitui vício de forma; 6ª- Tratando-se de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, a sua recusa e omissão constitui uma nulidade insuprível nos termos do art. 42, 1, D. L. 24/84 de 16/01, e art. 3, 3 do C P.C. e recusa de processo equitativo nos termos do art. 20, 4 da C.R.P., o que constitui vício de violação de lei e do processo; 7ª O douto Acórdão recorrido tendo decidido em contrário destas conclusões, fixou matéria de facto, violando o art. 42, 1 do D. L. 24/84 de 16-01 e interpretando erradamente os artigos 124° e 125° do P. P. A. atribuindo fundamentação a acto que a não tem".

A ER não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal o Digno MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu o seguinte parecer: "Vem o presente recurso interposto do acórdão do TCA que julgou improcedente o recurso contencioso, mantendo consequentemente o acto impugnado, o despacho do Ministro da Justiça, de 8/9/2003, que aplicou ao recorrente, A…, a pena de aposentação compulsiva, no culminar de dois processos disciplinares Nas alegações do recurso jurisdicional, o recorrente insurge-se contra o acórdão, por ter julgado não verificados os vícios que imputava ao acto recorrido. Continua, assim, a pugnar pela falta de fundamentação do despacho impugnado e pela violação de lei, decorrente da preterição de diligência de prova essencial para a descoberta material (no âmbito do processo disciplinar).

Pelo que, conclui que o acórdão recorrido violou o art. 42, n°1, do DL 24/84, de 16/01 e interpretou erradamente os arts. 124 e 125 do CPA.

Creio não lhe assistir razão.

Na verdade, como bem decidiu o acórdão, a diligência requerida pelo recorrente de exame ao local, não era essencial para a descoberta da verdade, mas sim desnecessária. Como tal, a não realização desta diligência não constitui qualquer violação do n° 1. do art. 42 do E.D.

Por outro lado, também não se verifica o invocado vício de forma, por falta de fundamentação. Isto porque, o despacho impugnado, ao concordar com a proposta formulada pelo Subdirector Geral dos Serviços Prisionais, remete e apropria-se do teor dessa proposta e, por remissão desta, apropria-se também da proposta formulada pelo Inspector Coordenador.

Está, pois, cumprido o dever de fundamentar, uma vez que todas essas propostas enumeram as razões de facto e de direito determinantes da decisão, constituindo a sua motivação e justificação.

Do exposto, sou de parecer que o acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação do direito, devendo, consequentemente, ser negado provimento ao recurso".

Foram colhidos os vistos da lei.

II.FUNDAMENTAÇÃO II.1.

O acórdão recorrido registou os seguintes factos (Mª de Fº): • O Recorrente é Guarda Prisional Principal, colocado no estabelecimento Prisional de ....

• Foram-lhe instaurados dois processos disciplinares a que foram atribuídos os n.°s 18-D/02 e N° 23-D/03.

• No processo nº. 18-D/02 foi deduzida a seguinte acusação (fls. 15 a 17 do processo instrutor): "(…) 1.O ora arguido, A…, faz parte do efectivo do Corpo da Guarda Prisional como guarda prisional de 2ª classe, desde 1 de Abril de 1989.

  1. Encontrando-se afecto ao E.P...., ali desempenha as funções que lhe são atribuídas por escala de serviço, competindo-lhe exercer vigilância nas torres.

  2. No passado dia 3 de Março de 2002, o guarda A… estava escalado para exercer vigilância nas torres.

  3. Pelas 23H00 a reclusa …, encontrando-se na sua cela, deslocou-se ao sanitário ali existente a fim de satisfazer as suas necessidades fisiológicas, tendo aproveitado a ocasião para fumar um cigarro, pelo que resolveu abrir a janela para deixar sair o fumo.

  4. Contudo, quando correu a cortina para abrir a janela, avistou um guarda com as calças despidas até aos joelhos a masturbar-se em frente à sua janela, tendo a metralhadora colocada no chão, junto aos seus pés.

  5. O guarda apercebeu-se da sua presença e, de imediato, lhe fez sinal, com os dedos junto à boca, para que se mantivesse em silêncio.

  6. Porém, indignada com o comportamento do guarda, a reclusa informou o S.V.S., pelo intercomunicador, do que se estava a passar.

  7. As guardas …, … e … deslocaram-se ao local apontado pela reclusa para se inteirarem do que se estava a passar, tendo a guarda… permanecido no seu posto de trabalho a fim de assegurar a vigilância do Pavilhão.

  8. Uma vez chegadas ao exterior do Pavilhão 2, as guardas depararam-se com o colega A… em frente às janelas das reclusas, com as calças pelos joelhos, a masturbar-se, encontrando-se a metralhadora que lhe estava distribuída junto aos seus pés, no chão.

  9. Surpreendidas com a situação, logo as guardas chamaram pelo nome do colega.

  10. Contudo, aquele ignorou a sua presença, continuando nos seus propósitos.

  11. Em conformidade, as colegas avançaram na sua direcção, tendo a guarda … caído numa vala ali existente, obrigando as colegas a ir em seu socorro.

  12. A dada altura, o guarda A… o puxou as calças para cima, levantou a arma do chão e retomou o seu posto de trabalho, como se nada se tivesse passado.

  13. O guarda A… bem conhece os deveres a que está adstrito no desempenho das suas funções, sabendo ser o seu comportamento censurável, tendo querido abandonar o seu posto de trabalho, diminuindo a vigilância sobre as reclusas, e atentar contra a moral e os bons costumes e a liberdade de autodeterminação sexual de todos quantos habitam e trabalham no E.P. ..., o que conseguiu.

  14. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente.

  15. Com as condutas adoptadas e supra descritas, violou o arguido dolosamente os deveres gerais de zelo e correcção, previstos nas alíneas b) e f) do n° 4 do art.º 3º do Decreto-Lei 24/84 de 16.01, tendo cometido as infracções disciplinares previstas nos n° 1 conjugado com a alínea a) do n° 2 do artº 26° e no nº 1 conjugado com a alínea e) do nº 2 do art.º 23º do mesmo diploma legal, a que corresponde abstractamente a pena única de demissão ou aposentação compulsiva.

  16. Nada milita contra ou a favor do ora arguido.

    (…)" Respondendo a esta acusação, o ora recorrente sustentou que teve necessidade de urinar, a recato de uns arbustos mais ou menos à altura do seu peito, com a discrição que considerou suficiente atentas as 23H00 que eram.

    Referiu ainda na sua defesa que o local ali é pouco iluminado, o que levou até uma das testemunhas ali a cair, e encontrava-se a uma distância bastante considerável, isto é, incapacitando a observação do que fazia a quem quer que fosse; mais referiu que os arbustos ali existentes o escondiam até à altura do seu peito, a uma distância que não permitia a percepção do que estivesse a fazer, dada a pouca iluminação do local.

    Requereu a inspecção ao local para prova destes factos ou circunstâncias. Foi indeferido este requerimento de inspecção ao local.

    No processo n.° 23-D/03 foi deduzida a seguinte acusação (fls. 55 a 58 do processo instrutor): " (…) 1. O ora arguido, A…, faz parte do efectivo do Corpo da Guarda Prisional, como guarda prisional de 2ª classe, desde 1 de Abril de 1989.

  17. Encontrando-se afecto ao E.P....., ali desempenha as funções que lhe são atribuídas por escala de serviço.

  18. No passado dia 6 de Fevereiro de 2003, em hora que não foi possível precisar, cerca das l4H00m, o guarda A… encontrava-se em Santo Amaro de Oeiras, trajando à civil, 4.Circulava junto à estação do comboio, nas ruas circundantes do restaurante McDonald s.

  19. No mesmo local circulavam as jovens, menores de idade, … e ….

  20. Ao avistá-las, o arguido baixou as calças que envergava e exibiu-lhes os seus órgãos sexuais, enquanto praticava actos masturbatórios.

  21. As jovens, surpreendidas e assustadas com o comportamento do arguido, afastaram-se de imediato do local, em busca de auxílio.

  22. O arguido dirigiu-se, então, à praia de Santo Amaro de Oeiras.

  23. Ali, acercou-se de um grupo de três jovens 10. Daquele grupo faziam parte …, menor de idade, bem como a sua irmã e uma amiga.

  24. ...

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