Acórdão nº 0760/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Outubro de 2006
Magistrado Responsável | POLÍBIO HENRIQUES |
Data da Resolução | 03 de Outubro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A… e …, já identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, contra o Município de Oeiras, pedindo a condenação do réu a pagar-lhes a quantia de Esc. 12 000 000$00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por B…, marido e pai dos autores, respectivamente, pelos danos com a perda do seu direito à vida e sofrimentos suportados com o acidente de que foi vítima e pelos danos não patrimoniais que directamente sofreram com a sua morte.
1.1. Na contestação o Réu, além do mais, requereu a intervenção provocada da sociedade C….
Por despacho de 4 de Abril de 2000 o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa não admitiu a intervenção provocada nem a título principal nem acessório.
O Município de Oeiras recorreu dessa decisão, na parte em que não admitiu a requerida intervenção acessória provocada, para este Supremo Tribunal que, conhecendo do agravo que subiu imediatamente e em separado, por acórdão de 12 de Novembro de 2002, concedeu provimento ao recurso e revogou o despacho recorrido.
1.2. Por sentença de 2005.02.02, o 1º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Município de Oeiras a pagar aos autores a quantia global de € 45 000,00, acrescida de juros a contar da citação e até integral pagamento.
Inconformado, o réu recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões: a) A douta sentença em recurso considerou provados os requisitos da responsabilidade civil previstos no Dec.Lei 48 051 na pessoa do ora Recorrente, invocando a existência de acto ilícito, culpa e nexo de causalidade, causadores do acidente que vitimou o familiar dos Recorridos; b) Contudo nenhuma prova existe que permita imputar ao Recorrente, Município de Oeiras tais alegadas circunstâncias potencialmente geradoras de responsabilidade civil; c) O Recorrente não mandou retirar a protecção metálica que existia semanas antes do acidente, nem mandou substituí-las por fitas plásticas brancas e vermelhas, alegadamente os actos que deram causa ao acidente; d) O Recorrente não omitiu deveres de vigilância e cuidado quanto à adequada sinalização da obra; e) O Recorrente (ver als. p), q) e r) da matéria assente), transferiu nos termos do contrato celebrado com o empreiteiro, ora chamado, a responsabilidade de tais deveres de sinalização e protecção; f) Não havendo prova, mínima que seja, que permita imputar à acção ou omissão do Recorrente a causa do sinistro não é possível responsabilizar a edilidade; g) Ao decidir como decidiu a douta sentença em recurso violou o disposto nos arts. 90º do Dec.Lei 100/84 de 29 de Março, 483º nº 1 do CC e Dec.Lei 48051 de 21 de Novembro.
1.3. Também a chamada C… interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. A cláusula 5ª nºs 1, 3 e 5 transcrita, respectivamente, nas alíneas p), q) e r) da fundamentação de facto da decisão recorrida não consta do "respectivo caderno de encargos", mas sim de aditamento ao caderno de encargos - 2. Conforme consta do auto de consignação nº 54/96 (doc. 3 da contestação da chamada) ao contrato de empreitada em questão era apenas aplicável o respectivo caderno de encargos e não qualquer aditamento ao mesmo.
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Não são, por isso, tais cláusulas aplicáveis ao caso sub judice.
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Acresce que, o local das obras (traseiras do Edifício … em Linda-a-Velha) era uma zona abandonada e cheia de lixo e entulho por onde não circulavam quaisquer pessoas.
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Após o início das obras foram ali colocados diversos materiais de construção o que tornava ainda mais difícil a circulação de qualquer pessoa por aquele local.
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Na zona contígua à Rua … existia um pequeno café e, por isso, a chamada colocou uma passadeira de tábuas a ligar esse café às escadinhas que dão acesso aquela artéria, por forma a proteger os clientes desse café dos obstáculos ou enlameado da obra.
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A anterior grade de protecção do desnível em causa, estava podre e ferrugenta e, nalguns lanços estava caída ou nem sequer existia.
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Sendo que, o murete, de 40 cm de altura, que separa o passeio da Rua … do aludido desnível não tinha, sequer, qualquer grade de protecção há vários anos.
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Pelo que, o Réu, dono da obra, solicitou verbalmente ao ora recorrente que procedesse à colocação e grades de protecção em ambos os muretes, a título de trabalhos a mais.
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Quando foi retirada a cofragem, utilizada para alteamento do murete em causa, os trabalhadores da chamada colocaram sobre o mesmo umas fitas brancas e vermelhas.
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Que são as que se usam normalmente na construção civil para assinalar quaisquer obstáculos ou desníveis no pavimento.
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Não tendo o Réu, dono da obra, e a quem legalmente competia o seu supervisionamento e fiscalização, dado quaisquer ordens ou instruções à chamada para reforçar tais medidas de protecção.
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Aquele desnível ficou, de resto, melhor sinalizado e protegido do que o desnível que dá para o passeio da Rua …, o qual tendo apenas, um murete de 40 cm de altura, permanecia há vários anos sem qualquer protecção.
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Ora, não podia a chamada razoavelmente prever que alguém, e muito menos um invisual, pudesse introduzir-se numa obra, da qual tinha perfeito conhecimento, conhecendo a especial perigosidade que as obras sempre representam.
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Apesar disso, o sinistrado terá saído do café sem utilizar a passadeira de tábuas, tendo avançado temerariamente pelo meio das obras indiferente aos diversos obstáculos que aí existiam.
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Quando as mais elementares regras de prudência aconselhavam a que parasse de imediato e chamasse alguém presente no café para o orientar e ajudar.
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Acresce que, o B… saiu para a rua sem vir acompanhado por outra pessoa ou cão-guia, nem usava bengala.
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Ora, segundo os dados da experiência comum, se o B… usasse bengala podia ter evitado facilmente o acidente, já que a bengala lhe permitiria aperceber-se com antecedência, quer da existência do murete, quer das fitas plásticas, quer do próprio desnível, que era do seu conhecimento, por se localizar nas traseiras da sua casa.
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Nestas circunstâncias, considera a chamada que não agiu de forma ilícita nem actuou com culpa, mesmo apreciada esta com a diligência de um bom pai família.
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Por outro lado, para que possa existir ilicitude, é necessário que o dano se reproduza no círculo de interesses que a Lei tem em vista tutelar, requisitos que não se verificam quando um estranho se introduz indevidamente num recinto ou área vedada - vide neste sentido A. Varela, anotação ao art. 483º do C. Civil.
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Mas conquanto assim se não entenda sempre ao sinistrado deverá ser imputada alguma responsabilidade pelo sucedido, a título de concorrência de culpas, a qual, em face das circunstâncias descritas não deverá ser fixada em percentagem inferior a cinquenta por cento.
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