Acórdão nº 0855/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Setembro de 2006
Magistrado Responsável | SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA, identificado nos autos, inconformado com o acórdão proferido neste Supremo Tribunal, na 3ª Subsecção, que julgou o réu, A… e a sua seguradora partes ilegítimas na ACÇÃO ORDINÁRIA intentada por B… e …, em representação de seu filho menor … contra o ora recorrente e o médico A…, recorreu para o Pleno da 1ª Secção por OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS, mais concretamente por ter, nessa parte, decidido em oposição ao decidido no acórdão também deste Supremo Tribunal de 3 de Maio de 2001, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Agosto de 2003, pág. 3249 e seguintes.
O Relator por despacho de fls. 5786 entendeu ser manifesta a oposição de julgados e ordenou o prosseguimento dos autos.
O recorrente nas suas alegações formulou as seguintes conclusões: 1ª O acórdão recorrido ao considerar que os co-réus Dr. A… médico e funcionário do recorrente e a sua seguradora eram partes ilegítimas da presente acção de responsabilidade extracontratual contra um organismo do Estado, com base nos artigos 2º e 3º do Dec. Lei 48.051, violou frontalmente o art. 22º da Constituição da República; 2ª Este art. 22º da CRP além de inovador no sistema jurídico português, consagra o princípio da responsabilidade patrimonial directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e um direito de garantia perante os lesados por actos da administração ou seus agentes; 3ª Ao exigir a responsabilidade solidária do Estado e dos seus agentes, funcionários ou titulares pelos danos causados aos lesados no exercício das suas funções, este art. 22º da CRP revogou, por inconstitucionais os artigos 2º e 3º do Dec. Lei 48.051; 4ª É esta a opinião da quase totalidade da Doutrina, a começar pelos constitucionalistas que elaboraram a Constituição: Vital Moreira, Gomes Canotilho e Jorge Miranda; 5ª "Relativamente ao problema da imputação, verifica-se a atribuição a título directo às entidades públicas, da responsabilidade por danos causados pelos titulares dos seus órgãos ou pelos seus agentes ou funcionários. Daqui deriva também a forma solidária da responsabilidade, podendo o cidadão lesado demandar quer o Estado, quer os funcionários ou agentes, quer ambos conjuntamente" J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª edição revista e ampliada, 1º volume, pág. 185; 6ª Jorge Miranda também entende que os artigos 2º e 3º do Dec. Leis n.º 48051 são inconstitucionais quando escreve: "Continua em vigor, no tocante à responsabilidade da Administração por actos de gestão pública o Dec. Lei n.º 48.051, salvo, porventura, na parte caducada por inconstitucionalidade superveniente (por não estender a todas as formas de actuação ilícita com culpa a regra da solidariedade)" in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, pag. 932; 7ª Também José Luís Moreira da Silva afirma a inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º do Dec. Lei 48.051 face ao art. 22º da CRP tentando a sua compatibilização, dizendo que "as entidades públicas são solidariamente responsáveis com os seus funcionários pelos actos ilícitos por estes praticados, existindo direito de regresso na medida da culpa do funcionário, a exercer por aquele (ente público ou funcionário) que satisfizer a indemnizarão devida" 8ª Na mesma esteira da inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º do Dec. Lei 48.051 se pronunciou o acórdão fundamento, concluindo que "as entidades públicas são solidariamente responsáveis com os seus funcionários pelos actos ilícitos funcionais por estes praticados, quer a título de dolo, quer nos casos de negligência consciente ou inconsciente"; 9ª Também o Supremo Tribunal de Justiça conclui que "A partir da Constituição de 1976, cessou a vigência do Dec. Lei 48.051, de 21 de Novembro de 1967, na parte em que este diploma limitava a responsabilidade dos titulares dos órgãos e dos agentes administrativos e demais pessoas colectivas públicas" - Acórdão do STJ de 6 de Maio de 1986, in BMJ, n.º 357, pág. 392.
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Não se compreende, assim, a doutrina do acórdão recorrido fazendo depender da lei ordinária a questão de os agentes ou funcionários poderem ser directamente accionáveis pelo lesado, quando o art. 22º da CRP diz expressamente que estes são sempre solidários com o Estado, sendo que este art. É de aplicação imediata e directa, nos termos do art. 18º, n.º 1 da CRP.
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É que a responsabilidade solidária do Estado e dos seus agentes configura uma garantia para o lesado de este poder accionar solidariamente estas entidades, por isso tal artigo se insere no capítulo dos direitos liberdades e garantias.
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Não se entende a posição do acórdão recorrido e dos aí referidos, pois se uma garantia para o lesado e para os funcionários e Estado é apenas uma questão processual a resolver posteriormente no âmbito do direito de regresso, nas duas vias, a não ser que tal posição se alicerce na questão de o âmbito do art. 22º, como estão de acordo todos os autores, ser aplicável não só aos actos administrativos como aos actos legislativos e jurisdicionais; 13ª Por fim não se vê como é possível "a priori" saber qual o tipo de negligência que teria praticado o agente para ser ou não parte legítima, antes mesmo de feita a prova, isto na esteira do acórdão recorrido, dado ser inquestionável que a solidariedade do art. 22º da CRP essa é sempre válida à partida; 14ª O douto acórdão recorrido, ao considerar parte ilegítima o Réu Dr. A…, funcionário da recorrente, com base no art. 2º do Dec. Lei 48.051, violou frontalmente os artigos 22º, 18º, n.º 1, 271º e 290º da CRP.
Nas suas alegações o recorrido, A…, destacou o seguinte: - O Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 2362004, de 13-4-2004, considerou que não eram inconstitucionais as normas dos artigos 2º e 3º n.º 1 e 2 do Dec. Lei 48.051, enquanto eximem da responsabilidade, no plano das relações externas, os titulares de órgãos, funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas por danos causados pela prática de actos ilícitos e culposos (culpa leve ou grave) no exercício das suas funções; - Sinde Monteiro, em "Aspectos particulares da responsabilidade médica", in Direito de Saúde e Biotécnica, também afasta o regime da solidariedade, propondo a seguinte leitura do art. 22º da Constituição: "… faz pois sentido ler o texto do art. 22º da Constituição deste modo: o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares…", desde que sobre estes recaia a obrigação de indemnizar"; - Margarida Cortez (Responsabilidade Civil da Administração) também refere que o legislador podia, por ocasião da regulação da responsabilidade dos funcionários e agentes (art. 271º) ter agravado a posição destes face ao lesado, mas não o fez"; - Antes do Tribunal Constitucional ter proferido a decisão acima referida era essa a posição largamento maioritária dos nossos tribunais, como é o caso dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos em 20-5-90, processo 28120; 29-10-92, processo 29994 e 28-2-2002, processo 48178.
- Depois do referido acórdão do Tribunal Constitucional o Supremo Tribunal Administrativo manteve sempre idêntico entendimento, como se pode ver nos acórdãos: - de 3-6-2004, recurso 047722; - de 8-11-2005, recurso 0795; - de 29-6-2005, recurso 1299/04; - Contrariamente ao alegado pelo recorrente não é entendimento da maioria da doutrina a tese por si defendida: - Jorge Miranda, na Constituição anotada diz o seguinte: "A solidariedade da obrigação de indemnizar estabelecida no art. 22º não significa no entanto que sendo possível individualizar o titular do órgão, funcionário ou agente responsável, a Lei Fundamental só autoriza o afastamento da solidariedade com o fundamento doutra norma. Como se lê no PaeCC n.º 22/79...
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