Acórdão nº 0220/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução06 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. A… (id. a fls. 2) interpôs, no T.A.C. de Coimbra, acção de responsabilidade civil extra-contratual fundada em acto ilícito contra a Câmara Municipal de Mangualde, pedindo a respectiva condenação no pagamento de indemnização, no valor de € 13.984, com vista ao ressarcimento dos danos materiais e morais alegadamente sofridos.

1.2. Por sentença do T.A.C. de Coimbra, proferida a fls. 146 e segs, foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o Município de Mangualde no pagamento de indemnização à Autora no valor de €8.784,93.

1.3. Inconformado com a decisão referida em 1.2, interpôs o Município Réu o presente recurso jurisdicional, cujas alegações, de fls. 202 e segs, concluiu do seguinte modo: "1° A A é dona de uma queijaria artesanal, localizada no lugar de …, freguesia de …, concelho de Mangualde - Alínea A) da especificação.

2° A referida queijaria é servida pelo ramal domiciliário de abastecimento público de água do Município de Mangualde - Alínea B) da especificação. 3º. A A. é aderente ao uso de Denominação de Origem - - DOP- Queijo da Serra - - Alínea C) da especificação.

4° Em 08/01/2001, foi realizada uma recolha de queijo para análise microbiológica, através da qual se constatou a ocorrência de parâmetros não satisfatórios (Listeria e E. Coli), cfr. fls. 8 e 9 dos autos - Alínea D) da especificação.

5° Em 17/01/2001, a Associação Beira Tradição, entidade responsável pelas análises microbiológicas, informa que os resultados encontrados configuram urna situação de risco para a saúde pública, pelo que é aconselhável a não comercialização do produto em causa - Alínea E) da especificação.

6° Em 09/02/2001, foi efectuada uma análise ao leite cru dos ovinos que a A utilizava na produção do queijo, no parâmetro pesquisa de listeria monocytogenes, sendo o resultado negativo - Alínea F) da especificação.

7º.

Em 14/03/2001, a DRABL suspendeu a produção do queijo e apreendeu 92 queijos, que foram destruídos - Alínea G) da especificação.

8° Em 22/03/2001, a autoridade sanitária comunicou à A a suspensão da actividade da sua queijaria permaneceria até que a água utilizada na mesma reúna os requisitos necessários à confecção de alimentos, o que lhe foi confirmado, em 07/04/2001, por notificação, através da GNR - cfr. fls. 15 e 16 dos autos - Alínea H) da especificação.

9° Em 16/7/2001, a DRABL notifica e delibera a suspensão da actividade, com eficácia após a comunicação da autoridade sanitária, o que ocorreu em 04/9/2001 - Alínea I) da especificação.

10º A imposição da suspensão da actividade teve como pressuposto e fundamento o fornecimento de água imprópria para a confecção de alimentos, fornecida pelo Réu - resposta ao quesito 4°.

11º A laboração da queijaria da Autora ficou suspensa porque foi detectada a listeria monocytogenes em queijo - resposta ao quesito 5º .

12° A água fornecida pelo Réu era utilizada pela A no processo de lavagem dos necessários utensílios para a fabricação do queijo e lavagem deste - resposta ao quesito 6°.

13° A listeria monocytogenes é detectável na água, com o esclarecimento de que é necessário uma análise específica para a sua detecção - resposta ao quesito 7°.

14° A A requereu à DRABL uma análise à água das instalações da sua queijaria - resposta ao quesito 8°.

15° Aquela análise confirmou que a água da rede pública se encontrava imprópria para a confecção de alimentos, dada a existência de coliformes totais e fecais e estreptococos fecais, germes totais, com parâmetros elevados - resposta ao quesito 9°." 1.4. A Autora recorrida contra-alegou, pela forma constante de fls. 227 e segs, concluindo: "A - A argumentação da agravante incide no alegado erro de julgamento relativamente aos pressupostos e fundamentos da suspensão da actividade.

B - Resultou dos depoimentos das testemunhas …, …, … ter sido a água a contaminar os queijos com listeria monocytogenes.

C - A água fornecida pela agravante continha coliformes fecais e totais pelo que havia forte probabilidade de conter listeria, dado que também ela é um coliforme.

D - O risco estava na água que estava conspurcada com matéria orgânica e era um meio favorável ao desenvolvimento da listeria, não sendo compatível com a confecção de alimentos.

E - O técnico que investigou a existência da listeria monocytogenes na queijaria da recorrida referiu que havia possibilidade forte de a água conter aquela bactéria, tendo mesmo ficado convicto que o aparecimento da bactéria ocorreu através da água contaminada.

F - Aquela testemunha explicou que chegou àquela conclusão através dos resultados das zaragatoas que efectuou, referindo que após desinfecção apenas os panos, que eram lavados com água, apresentavam resultados positivos à listeria.

G - Para mais o rebanho da recorrida nunca apresentou sintomatologia característica da listeria e o leite recolhido era submetido a análises periódicas e sempre se revelou bacteriologicamente puro.

H - Da prova produzida resultou existirem diversas formas de fazer queijo e que habitualmente é utilizada a água no seu fabrico, quer para o lavar, quer para diluir o cardo.

I - Resulta dos documentos juntos aos autos que a água encontrava-se imprópria para consumo, estando microbiologicamente impura.

J - O tribunal a quo esteve bem ao considerar que a suspensão da laboração se ficou a dever à má qualidade da água, uma vez que foi pelo facto de ela estar contaminada com coliformes fecais e totais, entre eles a listeria, que aquela bactéria se manifestou no queijo.

K - A recorrente tinha conhecimento que a água estava imprópria para consumo, deixando arrastar a situação por vários meses sem solução.

L - Ainda que a análise à listeria não fosse obrigatória sempre se diria que o mesmo não se passava, por ex. em relação aos coliformes fecais e totais, cujas análises os revelavam sistematicamente.

M- Estando em causa um problema de saúde pública resulta claramente que os serviços técnicos da recorrente não agiram com o zelo que lhes era exigível no cumprimento da obrigação de fornecer água própria para a confecção de alimentos, falta de zelo que originou os prejuízos causados à recorrida." 1.5. O Exmº Magistrado do M.º Público emitiu o parecer de fls. 241 e segs do seguinte teor: "A Câmara Municipal de Mangualde recorre da douta sentença proferida pelo TAC de Coimbra que a condenou no pagamento à Autora da quantia de € 8.784,93, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais na acção interposta para efectivação da responsabilidade extracontratual por facto ilícito, por A…, pedindo a sua revogação.

Para tanto, alega em sede de conclusões das alegações de recurso que: - ao dar-se como provado que a presença da listeria monocytogenes no queijo se tinha ficado a dever à má qualidade da água por si fornecida, por estar contaminada com esta bactéria, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pois que, "tratando-se de matéria puramente técnica, esta conclusão só seria aceitável se tivessem sido efectuadas análises laboratoriais que a confirmassem.

- ao dar como provado que a listeria monocytogenes passou da água fornecida para os panos evolventes dos queijos e desses panos para os queijos, a sentença incorreu em erro de julgamento, pois sempre subsistirá a dúvida, não esclarecida pelos meios de prova produzida, se aquela bactéria foi transportada para os referidos panos pela água ou pelo leite ou qualquer outro componente dos queijos que com eles estavam em directo contacto.

- a Recorrente não se encontra obrigada no âmbito da sua obrigação de fornecimento ao público de água em boas condições, realizar análises específicas para a detecção daquela bactéria, como resulta do respectivo enquadramento legal e do depoimento de testemunhas.

- a detecção da listeria não se insere nas análises correntes da água de qualquer fornecedor público para fins de abastecimento público de água.

- além disso, nem sequer se apurou em algum momento, a quantidade detectada desta bactéria, para assim se poder verificar se estava perante quantidades intoleráveis ou não, designadamente, para a saúde pública.

- a recorrente não pode ser responsabilizada pela ocorrência de danos cuja ocorrência não pode nem é obrigada a evitar, pelo que, ao decidir responsabilizá-la pela...

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