Acórdão nº 044141 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2006
Magistrado Responsável | PAIS BORGES |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) I. A..., Juiz Desembargador do Tribunal Central Administrativo, identificado a fls. 2, interpôs neste STA recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), de 30.03.98, que determinou a instauração de processo disciplinar ao recorrente, por factos participados pelo Presidente do TCA, imputando àquela deliberação diversas ilegalidades.
Requereu a isenção de custas no processo, ao abrigo do disposto no art. 17º, nº 1, al. g) da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, ex vi art. 77º do DL nº 129/84, de 27 de Abril.
No seu visto inicial (fls. 70), o Exmo magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da irrecorribilidade do acto, por falta de lesividade própria, sustentando que o recurso deveria ser rejeitado por manifesta ilegalidade da sua interposição, nos termos do art. 57º, § 4º do RSTA.
Ouvido nos termos do art. 54º, nº 1 da LPTA, veio o recorrente (fls. 73 e segs.) sustentar o indeferimento da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, considerando, em síntese, que é inconstitucional a interpretação ali acolhida dos arts. 120º do CPA, 25º da LPTA e 57º, § 4º do RSTA, por violação dos arts. 20º nº 1, 268º nº 4 e 112º nº 6, todos da CRP, na redacção resultante da revisão constitucional de 1997.
Por despacho do relator (fls. 82), foi relegada para final a decisão da referida questão prévia.
Na sua resposta, subscrita pelo Presidente do CSTAF "no uso de competência delegada, nos termos do documento em anexo" (fls. 85 e segs.), a entidade recorrida sustentou a improcedência da questão incidental do impedimento do Presidente do CSTAF, bem como a procedência da questão prévia da irrecorribilidade do acto suscitada pelo Ministério Público, e, subsidiariamente, a legalidade do acto impugnado, pronunciando-se ainda pela não isenção de custas por parte do recorrente.
Por requerimento de fls. 112 e segs., veio o recorrente requerer a declaração de nulidade da resposta apresentada, por nulidade da delegação de poderes do CSTAF no seu Presidente, bem como o desentranhamento da mesma e documentos com ela juntos, por impertinência.
A entidade recorrida pronunciou-se, nos termos do requerimento de fls. 163 e segs., pelo indeferimento da pretensão, invocando a sua deliberação de 23.11.98, pela qual foram delegados no respectivo Presidente todos os poderes de intervenção em sede contenciosa, relativamente à impugnação das deliberações do Conselho.
Na sua alegação final, formula o recorrente as seguintes e extensas conclusões: Questão Prévia I - Considerar que o concreto acto impugnado - acto instaurativo de processo disciplinar ao recorrente - é um mero acto procedimental necessário à existência de um procedimento punitivo é não atender, contra lei constitucional expressa, ao direito que o recorrente tem de "impugnar qualquer acto administrativo que lese os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, qualquer que seja a sua forma", direito este garantido como tutela jurisdicional efectiva (art. 268°, nº 4, da Constituição).
II - O acto administrativo tem a função delimitadora de garantia contida no art. 268°, nº 4, da Constituição, cujo critério resulta da necessidade de assegurar uma garantia judicial efectiva.
III - A responsabilidade disciplinar que o órgão recorrido pretende exercer acarreta a possibilidade de modificação da situação actual do juiz que o recorrente é.
IV - A actuação da responsabilidade disciplinar começa logo com a instauração do processo disciplinar, e não apenas com a punição disciplinar.
V - Tanto o órgão recorrido, como o recorrente e o Dr ... são, desde 30.3.98, sujeitos do processo disciplinar nº 439 do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estatuto processual de contornos jurídicos precisos.
VI - Desde essa data - 30.3.98 - o ora recorrente é "arguido", não podendo ser promovido (art. 108°, nº 1, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho), e estando em situação em que pode ser suspenso preventivamente (art. 116°, nº 1, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho), ao contrário dos outros juízes.
VII - A situação de arguido do recorrente, impeditiva da sua promoção enquanto durar a pendência do processo disciplinar, e susceptível de acarretar a sua suspensão preventiva, com a suspensão de funções prevista no art. 71°, alínea h), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, é uma situação jurídica concreta definida pelo acto instaurativo do processo disciplinar.
VIII - Tal situação é lesiva do direito a ser promovido e do direito à estabilidade, direitos subjectivos conferidos pela Constituição e pela Lei.
IX - No caso sub judice, as ilegalidades que o recorrente imputa ao acto instaurativo do processo disciplinar não dependem, para a sua subsistência, da ulterior tramitação do processo disciplinar, verificando-se logo desde a instauração.
X- A entender-se o contrário, está-se a admitir que haja ilegalidades que não constituem invalidades sindicáveis, o que, desde logo, contraria o disposto no art. 268°, nº 4, da Constituição.
XI - O acto instaurativo do processo disciplinar é pressuposto do acto punitivo e, nessa medida, o acto impugnado nos presentes autos condiciona irremediavelmente a decisão final que se adivinha, constituindo fonte imediata deste.
XII - É indefensável o princípio da impugnação unitária contido no art. 25°, 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, acentuando que o critério de recorribilidade contenciosa assenta no carácter lesivo do acto.
XIII - Para além da "paz jurídica" do recorrente que é afectada pela instauração do processo disciplinar em causa, potenciada pelas circunstâncias descritas na petição relativas à actual politica de gestão de pessoal do CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, temos que, como acima se referiu, a insusceptibilidade actual do recorrente ser promovido, bem como a possibilidade de ser preventivamente suspenso, não podem deixar de ser consideradas como actualmente lesivas do "status" do recorrente.
IV - Considerar-se que o acto impugnado, nos presentes autos, não define a situação jurídica concreta do recorrente, que apenas inicia o processo disciplinar, sendo meramente preparatório ou instrumental de um eventual acto punitivo, não sendo imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, é interpretar o complexo normativo dado pelos arts 120° do CPA, 25°, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, e 57°, § 4°, do RSTA, em sentido não suportado pelos arts 20°, nº 1, e 268°, nº 4, da Constituição, na redacção resultante da Revisão Constitucional de 1997.
XV- Se, por outro lado, com a invocação da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo se pretende interpretar vinculativamente o disposto nos arts 120° do CPA, 25°, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, e 57°, § 4°, do RSTA está-se afinal a "conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar" o referido complexo normativo, com violação do disposto no art. 112°, nº 6, da Constituição.
Impedimento do Presidente do C.S.T.A.F.
XVI - No caso de recursos interpostos de actos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o presidente do órgão recorrido é, simultaneamente, o presidente do órgão jurisdicional.
XVII - Esta simultaneidade verifica-se sempre e em concreto.
XVIII - Desempenhando o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, simultaneamente e por força da lei, funções no pleno da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, vem a revelar-se incompatíveis tais funções entre si, na medida em que vem aquela entidade a julgar-se a si própria.
XIX - O interesse público prosseguido pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, qual seja o de assegurar a gestão e a disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal (art. 98°, nº 1, do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril), briga com o interesse também público de administrar justiça em nome do povo (arts 1° e 3° do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril), numa posição de desinteresse, neutra, imparcial.
XX - O que remete para a dependência em que, por um lado, vem a ficar a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo face ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, para além da circunstância de os juízes serem nomeados por este e lhe estarem sujeitos disciplinarmente.
XXI - É totalmente irrelevante a inexistência de dependência funcional - basta a dependência disciplinar para que os juízes deixem de ser independentes perante o CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
XXII - As normas que determinam que o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, enquanto Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, compõe as subsecções da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, com competência para decidir os recursos de acto daquele Conselho - arts 26°, nº 1, alínea c), e 27°, nº 1, do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril - violam directamente a Constituição, nomeadamente, os arts 20°, 111°, nº 1, 202°, nºs 1 e 2, 203°, 212°, nº 3, 266°, nº 1, 268°, nºs 4 e 5.
XXIII - No processo disciplinar instaurado pelo acto impugnado estão em causa declarações que o recorrente teria proferido, durante a conferência da lª Secção do Tribunal Central Administrativo do passado dia 12.3.98, alegadamente ofensivas de um membro do CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, o referido Dr ....
XXIV - As infracções cometidas no exercício destes direitos [de expressão do pensamento] ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei" - art...
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