Acórdão nº 01300/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2006
Magistrado Responsável | MADEIRA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do 1.º Juízo Liquidatário do TAF de Lisboa que, julgando totalmente improcedente a acção que ele intentara contra o Estado, absolveu o réu do pedido de que fosse condenado a pagar ao autor uma indemnização fundada em responsabilidade extracontratual.
O recorrente terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões (a que damos uma numeração diferente da por ele apresentada): 1 - A sentença recorrida julgou verificados no caso dos autos os pressupostos da ilicitude e da culpa, não tendo, no entanto, concluído pela existência de nexo de causalidade entre a conduta ilícita do recorrido e os danos sofridos pelo recorrente.
2 - Consequentemente, por falta daquele pressuposto da responsabilidade civil do Estado por prática de facto ilícito, julgou improcedente a acção proposta pelo ora recorrente.
3 - Inconformado com aquela decisão, o recorrente recorreu da mesma para esse Venerando Supremo Tribunal Administrativo, tendo, no entanto, limitado o objecto do seu recurso à parte da sentença recorrida que limitou a ilicitude da conduta do recorrido à violação do interesse legalmente protegido do recorrente do direito à legalidade das decisões sobre interesse próprio e à que julgou não verificado o nexo de causalidade.
4 - Ou seja, têm de considerar-se como definitivamente assentes nos presentes autos a verificação dos pressupostos da ilicitude da conduta do recorrido, por violação de interesse legalmente protegido - direito à legalidade das decisões que versam sobre interesse próprio do recorrente - da culpa do recorrido e dos danos sofridos pelo recorrente.
5 - O recorrido, na sua actuação no processo de autorização da laboração da oficina de britagem do recorrente, estava obrigado ao princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos deste último, sob pena de a sua conduta ser considerada ilícita.
6 - Ora, o recorrente, quando adquiriu, em 27.06.1988, os prédios rústicos referidos na al. d) da Especificação, fê-lo para neles instalar e explorar uma oficina de britagem.
7 - De acordo com o RILEI, uma oficina de britagem situada fora dos aglomerados urbanos era qualificada como um estabelecimento industrial de 2.ª classe, o que queria dizer que apenas o início da sua laboração estava condicionado à realização de uma vistoria, para verificar as condições de salubridade, higiene, segurança, comodidade e técnico-funcionais, próprias daquele tipo de estabelecimento industrial.
8 - Por outras palavras, o recorrente tinha o direito de instalar nos terrenos rústicos que adquirira uma oficina de britagem, para aí exercer a actividade de produção e comercialização de britas calcárias, mesmo antes de a DGGM autorizar, com base em vistoria, o início da laboração.
9 - Por isso, no art. 17° do DL n.º 46. 923, de 28 de Março de 1966, se qualificou o acto permissivo da laboração de um estabelecimento industrial de 2ª classe como uma autorização e não como uma licença.
10 - Consequentemente, a actuação do recorrido de recusar, até que fosse proferida decisão definitiva por esse Venerando Supremo Tribunal Administrativo no recurso contencioso interposto pelo ora recorrente do despacho de 2 de Maio de 1991, a realização da vistoria prevista no artº 12° do RILEI, 11 - Para além de ter violado o interesse protegido do recorrente referido na sentença recorrida, também violou o seu direito subjectivo de exercer a actividade de produção e comercialização de brita, que era preexistente à recusa da realização da vistoria.
12 - Assim, deverá a sentença recorrida ser corrigida na parte em que limitou a ilicitude da conduta do recorrido à violação do direito do recorrente à legalidade das decisões tomadas no procedimento administrativo conducente à autorização para laboração e em que julgou que não foi violado qualquer direito subjectivo do recorrente ao licenciamento ou à laboração da sua oficina de britagem.
13 - Entendeu a sentença recorrida que não haveria nexo de causalidade entre a recusa ilícita do recorrido em realizar a vistoria e os danos sofridos pelo ora recorrente, porque não teria ficado demonstrado nos autos que a oficina de britagem do recorrente fosse licenciada se a vistoria se tivesse realizado.
14 - Ainda segundo a sentença recorrida, a decisão de não realizar a vistoria não se traduziria numa recusa ilegal de emissão da licença de funcionamento, mas sim num impedimento ilícito do prosseguimento do processo de licenciamento.
15 - Antes de mais, importa referir que a sentença recorrida aceita que os danos sofridos pelo recorrente foram provados pelo facto de aquele não ter podido iniciar a laboração da sua oficina de britagem a tempo de abastecer as obras públicas da construção da Via do Infante e da ETA de Tavira (cfr. pág. 21 da sentença recorrida).
16 - A segunda observação é a de que, como já acima se concluiu, não se estava perante um acto permissivo do tipo licença, que só a partir da sua emissão faria surgir na esfera jurídica do recorrente o direito a instalar e explorar nos prédios rústicos por ele adquiridos uma oficina de britagem, 17 - Mas sim perante um acto permissivo do tipo autorização, que era uma mera condição para o exercício do direito preexistente do recorrente de instalar e explorar nos mesmos prédios uma oficina de britagem.
18 - Consequentemente, não lhe cabia produzir qualquer prova sobre se o seu estabelecimento preenchia ou não as condições mínimas de salubridade, higiene e segurança, pertencendo, antes, esse ónus ao recorrido, por ser um dever legal seu aquela verificação e ter sido ele a, propositadamente, colocar-se em situação de não a fazer.
19 - Por outro lado, não pode aceitar-se o argumento da sentença recorrida de que a não realização da vistoria não teria consubstanciado uma recusa ilegal da emissão de uma autorização, não de uma licença como é erradamente referido, mas sim um impedimento ilícito do prosseguimento do processo de licenciamento.
20 - Com efeito, é evidente que o objectivo do processo de licenciamento em causa nos vertentes autos era obter a autorização para iniciar a laboração, pelo que qualquer impedimento ilícito ao prosseguimento daquele processo tem forçosamente de ser assimilado a uma recusa ilegal de conceder a autorização.
21 - Deste modo, cai logo por terra toda a argumentação da sentença recorrida para tentar demonstrar contra a evidência dos factos a falta de nexo de causalidade entre o ilícito praticado pelo recorrido e os danos sofridos pelo recorrente.
22 - De acordo com doutrina e jurisprudência pacíficas, o nexo de causalidade deve ser procurado de acordo com a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa proposta por Enneccerus-Lehman, isto é, a condição só será inadequada quando, segundo a sua natureza geral, for indiferente para a produção do dano.
22 - Ficou provado nos autos que a recusa do recorrido de efectuar a vistoria no período que foi de 1991 até final de Dezembro de 1993 foi ilícita e na medida em que inviabilizou o início da laboração da oficina de britagem dentro daquele período, provocou ao recorrente os danos que foram dados como provados pela não laboração.
23 - Isto porque, por um lado, o recorrente se havia proposto a fazer o investimento por causa das obras de construção da Via do Infante e da ETA de Tavira, 24 - Obras que já estavam concluídas no final de Dezembro de 1993, altura do trânsito em julgado do acórdão desse Venerando Supremo Tribunal Administrativo no acima referido recurso contencioso 25 - E, por outro lado, também ficou provado que o recorrente não tinha outra pedreira para instalar a britadeira e os outros equipamentos, para além de ter ficado completamente descapitalizado, com um investimento de centenas de milhares de contos irreprodutivo e sem crédito junto da Banca, 26 - Danos que sofreu por causa do ilícito cometido pelo recorrido, quando, contra a lei, se recusou a realizar a vistoria que permitiria o início da laboração da oficina de britagem.
27 - Acresce que, da aplicação da doutrina da causalidade adequada à matéria dos autos dada como provada, tem de concluir-se, contrariamente ao entendido pela sentença recorrida, que houve um efectivo nexo de causalidade entre o ilícito e os danos sofridos pelo recorrente.
28 - A recusa da realização da vistoria prevista no art. 12º do RILEI foi naturalisticamente a condição que determinou a não laboração da oficina de britagem, uma vez que sem a vistoria era impossível haver autorização.
29 - Isto é, a autorização não foi dada porque a oficina de britagem do recorrente não cumpriria com as condições de salubridade, higiene e segurança daquele tipo de estabelecimentos, mas sim porque o recorrido se recusou ilicitamente a realizar a vistoria a que estava legalmente obrigado.
30 - Releva-se que a actuação do recorrente no procedimento administrativo de autorização para laboração se esgotava com a conclusão da instalação da oficina de britagem e com a apresentação junto da DGGM do requerimento a pedir a realização da vistoria, o que foi feito.
31 - A partir de então, o recorrido tinha o dever de realizar a vistoria para verificar as condições de salubridade, higiene e segurança da oficina de britagem e de dar a autorização de laboração, o que 32 - Só não aconteceria se viesse a verificar-se na vistoria que as condições acima referidas não estavam asseguradas e que o suprimento das deficiências eventualmente detectadas não era compatível com uma autorização condicional.
33 - Deste modo, o nexo de causalidade entre a recusa repetida da realização da vistoria e os danos sofridos pelo recorrente não podia ser afastado com o argumento de que este não teria demonstrado nos autos que, se o procedimento tivesse prosseguido, a autorização teria sido dada.
34 - Antes de tudo porque, contrariamente ao sustentado pela sentença recorrida, não se estava perante uma licença, mas sim perante uma...
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