Acórdão nº 0262/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução07 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A…, melhor identificado nos autos, em representação do seu filho menor B…, requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAFL) a suspensão de eficácia dos actos da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK) de cancelamento da licença desportiva condutor FPAK-EU-C com o nº 895/2005 atribuída aquele B… e de suspensão preventiva deste licenciado pelo Conselho Disciplinar.

Por sentença de 6.9.05 (fls. 348 a 355, dos autos), o TAFL decidiu rejeitar a providência requerida, julgando procedente a questão prévia, suscitada pela requerida FPAK, da inimpugnabilidade contenciosa daqueles actos.

Dessa sentença, interpôs o requerente A… recurso para o Tribunal Central Administrativo, onde foi proferido o acórdão (fls. 517 a 533, dos autos), que, considerando aqueles actos materialmente administrativos e, por isso, susceptíveis de impugnação contenciosa, decidiu revogar aquela sentença, deferindo o pedido de suspensão formulado.

A FPAK interpôs, então, recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, tendo apresentado alegação (fls. 539 a 567, dos autos), nas quais formulou, para o que ora interessa, as seguintes conclusões: … XI. O Tribunal a quo, no seu douto acórdão, deferiu na totalidade a providência requerida, por negar provimento à questão da inimpugnabilidade os actos a suspender, que havia sido julgada procedente pelo tribunal de 1ª instância, que na sua sentença reconheceu e bem a natureza puramente desportiva dos actos praticados.

  1. O Tribunal a quo concluiu pela natureza materialmente administrativa dos actos praticados pela FPAK, ora recorrente, com base numa errada interpretação da Lei de Bases do Desporto e do Código Desportivo Internacional.

  2. O Tribunal a quo não identificou bem a questão do cancelamento da licença, do ponto de vista dos seus efeitos, para concluir ser um acto materialmente administrativo, uma vez que se trata de uma licença internacional que dá acesso a participação de provas internacionais, sujeitas por isso a regras internacionais.

  3. Não se trata de permitir o acesso à prática de uma modalidade desportiva, como se refere no douto acórdão recorrido, mas antes do acesso a uma determinada categoria (internacional) dessa mesma modalidade desportiva.

  4. A emissão dessa licença não é efectuada ao abrigo de normas de direito público, como se afirma no douto acórdão, mas sim de normas internacionais puramente desportivas, concretamente o Regulamento Nacional de Emissão de Licenças complementarmente o Anexo B ao CIK (Código Internacional de Karting.) XVI. Nos termos do artigo 47° do Código Desportivo Internacional - CDI, a licença é um certificado de registo concedido a toda a pessoa que deseja participar em competições desportivas, sendo que o princípio aplicável é o de só a pessoa que respeite os critérios de atribuição de uma determinada licença, adquire o direito a obtê-la.

  5. A licença UE não deixa de ter natureza internacional e está por isso sujeita aos requisitos específicos do Regulamento de cada Autoridade Desportiva Nacional, e no caso de karting, aos princípios gerais do Código Internacional Karting - CIK que estabelece expressamente a idade mínima de 13 anos. (Vide artigo 4.1 do Anexo b do Regulamento Internacional de Karting.) XVIII. O artigo 58° nº 2 do mesmo diploma, determina que toda a pessoa que não cumpra as disposições previstas no CDI (no qual se inclui o mencionado artigo 47°) perderá a sua licença desportiva.

  6. O Tribunal a quo violou o disposto no Código desportivo Internacional e artigo 4.1 do Anexo b) do Regulamento Internacional de Karting, que são leis desportivas que a Recorrente tem o dever de transpor para a sua ordem jurídica e zelar pelo seu cumprimento, no seio da ordem desportiva.

  7. A conclusão que o Tribunal a quo adoptou foi, salvo o devido respeito, baseada numa interpretação errada do Regulamento de emissão de licenças, do código Desportivo Internacional, da natureza dessas normas, e bem assim do disposto da Lei de Bases do Desporto, Lei n° 30/2004 de 21 de Julho, resultando na violação da lei, nomeadamente dos artigos 20, 22° 46° e 47° do mencionado diploma legal.

  8. O Tribunal a quo delimitou e bem o cerne do litigio, na sequência da posição assumida pelo Tribunal de 1ª Instância ao conhecer em sede de oposição, a questão suscitada pela Requerida - a questão prévia da inimpugnabilidade dos actos em razão da sua natureza.

  9. No processo de análise dessa questão, o Tribunal de 1ª Instância considerou os fundamentos apresentados e consequentemente apurou a natureza dos actos cuja eficácia o Recorrido pretendia ver suspensa pelo Tribunal Administrativo.

  10. Para aferir a natureza dos actos, o Tribunal de 1ª Instância utilizou, e bem, o critério legalmente estabelecido para identificar os actos administrativos, porém o Tribunal a quo considerou que os actos praticados pelos seus efeitos seriam materialmente administrativos.

  11. O Tribunal a quo, não apurou correctamente a natureza dos actos cuja eficácia o Recorrido pretendia ver suspensa pelo Tribunal Administrativo de acordo com o critério legalmente estabelecido.

  12. Os actos cuja eficácia se pretendeu suspender não revestem natureza de actos administrativos, porque não preenchem o conceito de acto administrativo tal qual vem definido no artigo 120° do CPA e porque são qualificados como actos de natureza distinta pela Lei de Bases do Desporto.

  13. A Lei de Bases do Desporto Lei 30/2004 de 21 de Julho - definiu as bases gerais do sistema desportivo e estabeleceu de forma clara a estrutura da organização do desporto na sua vertente pública - Capitulo III Secção I Artigos 14° a 17° composta pela Administração pública desportiva, Conselho Superior de Desporto e Conselho de Ética desportiva, e distinguiu por outro lado a organização na sua vertente privada - Capitulo III Secção II na qual se inserem as federações desportivas.

  14. As federações desportivas vêm definidas no artigo 20º do mencionado diploma legal como pessoas colectivas de direito privado e o facto de ter sido concedido o estatuto de utilidade pública desportiva à Requerida não retira a natureza privada, apenas a transforma numa pessoa colectiva de natureza mista, pública e privada, que pratica actos de natureza privada e outros de natureza pública.

  15. O carácter complementar e subsidiário do princípio da intervenção pública expresso no artigo 11° da Lei 30/2004 de 21 de Julho e o princípio da autonomia e relevância do movimento associativo revelam bem a separação de competências, de acordo com a natureza privada e pública dos actos que se praticam pelas Federações desportivas.

  16. O Tribunal a quo não procedeu à distinção dos poderes de auto-regulação inerentes a qualquer associação, (distinção que foi efectuada pelo Tribunal de 1ª Instância) daqueles outros cujo exercício é concedido pelo Estado por força da outorga do estatuto de utilidade pública e que nessa conformidade revestem natureza pública.

    XXX.

    São de carácter privado os poderes de regular a vida interna e os de fixar as regras de jogo, as regras técnicas que definem os pressupostos da prática da modalidade desportiva e das competições propriamente ditas.

    (Neste sentido Ac. do Tribunal Constitucional n° 730/95 de 14 de Novembro, publicado DR II Série n° 31 de 06 de Fevereiro) XXXI. O Código Desportivo Internacional e o Regulamento Internacional de Karting são exemplos puros das chamadas Leis do Jogo, que por serem ditadas pelas federações desportivas internacionais, revestem carácter universal e são comuns a todos os Estados.

    XXXII.

    O acto de emissão e cancelamento de licença desportiva internacional decorre da aplicação de um regulamento de natureza técnica e desportiva de natureza privada, praticado ao abrigo do disposto numa lei de jogo - O Código Desportivo Internacional.

    XXXIII.

    O poder ou competência para emissão de licenças desportivas é atribuído pelo artigo 110° do Código Desportivo Internacional, pelo que não é nem pode nunca ser considerado um poder público.

  17. O acto de suspensão preventiva, decorre da aplicação do Regulamento Disciplinar de natureza privada e justifica-se pela prática de uma infracção disciplinar considerada muito grave tipificada na alínea d) do artigo 29° do regulamento disciplinar, e que é totalmente alheia e independente das questões disciplinares de carácter publico - a dopagem, a corrupção e a violência no desporto.

    XXXV.

    O artigo 3° do Regime Disciplinar das Federações - Lei 112/99 de 03 de Agosto, esclarece o âmbito do poder disciplinar das federações de utilidade pública, sendo que o n° 1 e n° 2 do Artigo 1° da mencionada Lei, restringe o seu âmbito de aplicação apenas às normas de defesa da ética desportiva que visem sancionar a violência, a dopagem ou a corrupção e estabelece a obrigatoriedade das federações com utilidade pública desportiva transporem para os seus regulamentos disciplinares (privados) os princípios gerais estabelecidos nesse diploma legal.

  18. O Tribunal a quo não efectuou a correcta e necessária conjugação das Leis que regulam o fenómeno desportivo porque ignorou, e nessa medida violou, a separação de poderes (públicos e privados) que a Lei 112/99 de 03 de Agosto implementou no que se refere ao regime disciplinar das federações.

    XXXVII.

    A inovação da actual Lei de Bases Lei 30/2004 de 21.07 - consiste em definir o conceito legal de questões estritamente desportivas, definindo-as e delimitando-as enquanto questões de facto ou direito, emergentes da aplicação das leis de jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.

  19. Ao estabelecer este conceito legal, o Legislador ditou o fim de uma longa discussão doutrinária e...

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