Acórdão nº 0623/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução01 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo A Câmara Municipal da Nazaré recorre da sentença de 13-12-2004, do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que, julgando procedente a acção de responsabilidade civil extracontratual proposta por "A…", identificada nos autos, a condenou a pagar à A. a quantia de 68.834€, acrescida de 1.496,39€ mensais, desde 08-10-2001 até Janeiro de 2003, acrescidas de juros desde a citação - 05-12-2001 - até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia que vier a ser liquidada em sede de execução de sentença quanto aos prejuízos na actividade comercial da A., em termos de capacidade produtiva, desde Setembro de 1998 até Janeiro de 2003, ainda não apurados.

I. A recorrente formula as seguintes conclusões : 1. - A construção da A8 é facto público e notório; 2. - Consta do site www.aeatlantico.pt que o lanço da A8 entre Caldas da Rainha (Tornada) e Marinha Grande Este foi aberto ao tráfego em 9-10-2001, cerca de dois meses antes da entrada da petição em juízo (29-11-2001); 3. - No documento n.° 10 junto com a contestação, datado de 30-3-1999, e que não foi impugnado, o arruamento em causa iria ser efectivamente interrompido com a construção da auto-estrada; 4. - Está dado como assente na alínea Q) da Especificação que o Município R. foi informado que seria realizado pela JAE um acesso aos armazéns da A. durante o primeiro trimestre de 2001; 5. - A A., Recorrida, passou a ter acesso público alternativo ao seu armazém, a partir de Janeiro de 2003 no âmbito da construção da A8 (in resposta ao quesito 5.° da BI); 6. - Não era, pois, razoável exigir ao Recorrente que construísse qualquer caminho público alternativo para uso da Recorrida; 7. - Aliás, a Recorrida constituiu uma servidão legal de passagem para o seu armazém, por conjugação com a vontade do dono do prédio serviente, o que constitui título bastante para o efeito; 8. - Pelo que a exigência formulada pela Recorrida, de construção, pelo Recorrente, de um caminho público alternativo, para acesso ao seu, dela, Recorrida, armazém, não só não é razoável, como configura manifesto abuso de direito; 9. - Isto porque é total a desproporção entre o direito de a A. transitar por um caminho público alternativo, e a imposição ao Município de lançamento de uma obra pública para o efeito; 10. - É que esta redundaria, no limite, em puro desperdício para os contribuintes que todos somos por se tornar inútil em razão da sua substituição pelo caminho a construir no âmbito da A8; 11. - E tal pretensão excederia manifestamente os limites da boa fé, dos bons costumes, e do fim económico e social de qualquer direito que a A. se arrogasse, e mesmo que tal direito existisse na sua esfera jurídica, o que se admite sem conceder; 12. - Era, pois, à concessionária, ou ao ICOR que estaria cometido o dever legal de, por meio de caminho público desencravar o prédio da A.; 13. - Não houve, portanto, quaisquer comportamentos omissivos, do Recorrente, e muito menos comportamentos omissivos causais de prejuízos à Recorrida, como também entendeu o digno Magistrado do Ministério Público; 14. - Decidindo, como decidiu, a douta sentença recorrida violou, designadamente, o artigo 2.°, n.° 1, e 6.° do Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967, o artigo 4.°, n.° 1, dos Estatutos do ICOR anexos ao Decreto-Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, e os artigos 334.° e 1550.° do Código Civil.

Contra alegou a recorrida formulando as conclusões seguintes : A- Em primeiro lugar, a Ré alega contra uma sentença transitada em julgado, que julgou parte ilegítima o ICERR, ao pretender ser deste instituto a responsabilidade pelo corte da estrada; B- Razão mais do que suficiente para não poder ser aceite essa imputação; C- Em segundo lugar, a alegação de factos públicos e notórios, dentre os quais o tal corte por via da construção de auto-estrada, é, ela também, ilegal; D- Efectivamente, utilizar um site da Internet como elemento que preenche o conceito de público e notório não é admissível; E- E menos admissível, ainda, é pressupor que o Tribunal deveria ter conhecimento desse "facto"; F- Razões suficientes para indeferir, também, essa alegação; O- Em terceiro lugar, colocar em questão a propriedade privada, do vizinho, apenas para se ilibar da sua responsabilidade, é, mesmo para a Ré, clara má-fé; H- Ou seja, sendo a Ré uma entidade pública, que prestava um serviço público - a manutenção da via -, tendo cortado a mesma e não tendo criado alternativa, durante anos, afirmar que a A. deveria accionar o vizinho, é litigância de má-fé; I- Por último, e como tem sido a posição da Jurisprudência, a relevância negativa da causa virtual não é de aceitar; J- Em especial, quando a causa virtual se colocou no tempo anos depois do facto causador, que, aliás, era contínuo.

O Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se nos seguintes termos : "Não se crê que assista razão ao recorrente, já que na sentença, a meu ver, se fez uma correcta apreciação da matéria de facto dada por assente e acertada se mostra também em termos de direito aplicado.

Vejamos.

Como primeira nota, importará salientar que a questão relativa ao abuso de direito não foi objecto de conhecimento na sentença recorrida.

Ora, sabendo-se, como se sabe, que os recursos jurisdicionais visam sindicar as decisões recorridas e não conhecer de matéria nova, salvo a que seja de conhecimento oficioso, será de indagar se existe algum obstáculo legal ao conhecimento da questão relativa ao abuso de direito que apenas veio a ser suscitada pelo recorrente em sede de recurso jurisdicional.

Afigura-se-me que nada impede o conhecimento dessa questão.

Com efeito, o abuso do direito por contender directamente com o conhecimento dos limites internos do direito que se invoca configura uma cláusula exceptiva a demandar...

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