Acórdão nº 0321/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Maio de 2006

Data30 Maio 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença da Mma. Juíza do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedentes as questões prévias suscitadas, pela autoridade recorrida, de irrecorribilidade do indeferimento da reclamação e do subsequente recurso hierárquico do acto que ordenou a desocupação e demolição da construção nº37 do Bairro da Azinhaga dos Besouros e a ilegitimidade da autoridade recorrida, bem como a extemporaneidade do recurso contencioso relativamente a este último acto e rejeitou o recurso contencioso.

1) A decisão da Reclamação, proferida pela "Exma. Srª Vereadora" é uma decisão que a recorrida considerou a Decisão Final do processo e que fez renascer na esfera jurídica do ora agravante um prazo para desocupar a barraca que habita, sob pena de não a cumprindo no prazo concedido para o efeito, ser sancionado, não sendo um mero acto confirmativo de um acto administrativo definitivo e executório mas um acto com executoriedade própria e efeitos próprios.

2) Essa decisão da reclamação recusou conhecer de factos e de provas documentais e testemunhais que o reclamante nunca tinha, até então, apresentado perante qualquer órgão da Câmara Municipal da Amadora e pronunciou-se sobre outros factos e provas apresentadas pela 1ª vez pelo reclamante e que nunca haviam sido apreciadas no acto anterior, produzido pelo Presidente da Câmara, pelo que não se limitou a reiterar um acto administrativo.

3) Ou, o artº151º, nº3 e 4 do CPA declara "impugnáveis" os actos e operações de execução que excedam os limites do acto exequendo ou que contenham ilegalidades próprias.

4) O conceito de "acto administrativo" para efeitos de recurso contencioso, é um conceito material/funcional, englobando apenas (mas todas) as decisões materialmente administrativas de autoridade que visam a produção de efeitos externos numa situação individual e concreta, independentemente da forma sob que são emitidos e da qualidade administrativa do seu autor.

5) Esse conceito é determinado pela própria garantia constitucional de impugnação contenciosa contra quaisquer actos administrativos lesivos de (ou capazes de lesar) direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrada, artº268º, nº4 da CRP (na versão posterior a 1989), que impede que a apreciação material da causa seja preterida por razões meramente formais (como são as da qualidade do autor do acto).

6) Ainda que, até à publicação da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro e da L. 13/2002, de 19.02, esta garantia constitucional de recorribilidade, estivesse a ser interpretada restritivamente, a partir de então tornou-se clara qual a interpretação e aplicação que o legislador entende que devem ser feitas do disposto nos artº266º a 268º da CRP.

7) O Douto Tribunal a quo não está vinculado pelo disposto no L. 15/2002 e L.nº13/2002, nas quais é estipulado expressamente que o presente recurso contencioso é procedente, mas, como estas leis decorrem ou transpõem o disposto nos artº266º a 268º da CRP (vigente em 2002), a decisão do Douto Tribunal a quo é violadora destes preceitos constitucionais, da defesa dos direitos e interesses do agravante legalmente protegidos e da obrigação de assegurar a recorribilidade dos actos administrativos que lesem estes direitos e interesses, ainda que, com prejuízo de questões formais.

8) A definitividade e executoriedade de um acto não se pode aferir pelo resultado obtido com a apreciação da questão colocada à entidade administrativa em sede de reclamação (por ex.) ao invés de pela natureza do acto em si mesmo.

9) Essa decisão da reclamação, ao recusar conhecer vários factos alegados pelo ora agravante na Reclamação, não se pronunciando sobre eles violou, nomeadamente, o princípio da legalidade, o princípio da participação do particular na formação do acto administrativo, o princípio da igualdade, o princípio da informação, o direito de defesa do particular e, em consequência, (pela decisão que acabou por proferir, com violação dos anteriores princípios) do princípio da habitação, vertidos nos artº3º, 13º, 37º e 65º da CRP, contendo ilegalidades próprias e sendo, como tal, recorrível.

10) O ora agravante requereu à recorrida que fosse atribuído efeito suspensivo à reclamação, "desnecessário atribuir tal efeito, uma vez que esta Câmara Municipal não actuará sem antes esta (reclamação) ser apreciada e da sua decisão ser dado conhecimento ao ora reclamante, ficando pois o processo a aguardar no decurso da realização destas diligência"- ou seja, suspendendo os efeitos da decisão objecto de reclamação.

11) Se a recorrida afinal considerou que a reclamação não tinha efeito suspensivo (mas apenas no que diz respeito ao direito do agravante) essa decisão viola o princípio da boa fé.

12) Também a decisão proferida quanto ao recurso hierárquico é recorrível, dando-se aqui por reproduzido tudo o supra alegado quanto à decisão da reclamação hierárquica referindo-se apenas, sem prejuízo dos demais, que a recorrida não considerou o recurso hierárquico improcedente por o mesmo estar dirigido a órgão incompetente, mas por o considerar extemporâneo; com esse recurso hierárquico não se visava recorrer da decisão proferida pelo Presidente da Câmara e notificada ao ora agravante em 14.01.02, mas sim recorrer da decisão proferida pela Vereadora, em sede de reclamação, porque esta decisão inovou, conheceu para além da decisão anterior e ilegalmente, pelo que não há qualquer extemporaneidade na interposição do recurso hierárquico; a decisão que indeferiu o recurso hierárquico, também é uma decisão lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos do ora agravante, e que preferiu, de forma aceitável e inconstitucional, o conhecimento das questões e que preteriu, de fundo ou substantivos de tais violações, em virtude de meras questões de forma, e que, como tal, deve ser apreciada em sede de recurso contencioso, quanto às respectivas razões de fundo, seus fundamentos e licitude.

13) Quando o agravante reclamou da decisão proferida pelo Presidente da Câmara, foi a Vereadora quem decidiu essa Reclamação, induzindo, assim, o agravante no erro de que, afinal de contas, a decisão reclamada tinha sido proferida pela Exma. Vereadora, pelo que, a ilegitimidade, a existir, não deverá prevalecer a favor da recorrida e em desfavor do recorrente.

14) Até à entrada em vigor do actual do CPA, a legitimidade passiva, pertencia ao órgão que praticou o acto (e não à pessoa colectiva a que este pertence), transferindo-se para o órgão actualmente competente em caso de sucessão de competências, pois era conferida, como no processo civil, pela titularidade da relação jurídica (material ou substancial) controvertida.

15) Desde Fevereiro de 2002, é entendimento unânime da doutrina e do legislador, que o facto de se indicar como autor de um órgão duma entidade pública que não o praticou, é uma questão meramente formal, desprovida de interesse e que não deve prejudicar jamais, a apreciação material da causa e da validade do acto administrativo praticado e a defesa dos interesses e direitos dos cidadãos.

16) Não há extemporaneidade do recurso contencioso, pois não foi interposto apenas do acto do Presidente da Câmara, mas acima de tudo, da decisão da reclamação (a que a...

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