Acórdão nº 0246/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução10 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A…, B… e …, com os sinais dos autos, interpõem recurso da sentença do Mm. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, que julgou improcedente a presente acção declarativa ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, que os autores propuseram contra o Município de Matosinhos e onde pedem a condenação deste a pagar-lhes a quantia de 433.789.500$00.

Terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

a) A acção foi fundamentada por um lado, na responsabilidade civil extracontratual do recorrido por factos ilícitos, por violação quer do princípio da boa fé, quer do princípio da tutela da confiança e, também, na responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos (artº70º a 75º da petição inicial).

b) A douta sentença recorrida omite totalmente a apreciação sobre a responsabilidade do Réu por actuação lícita, limitando-se a declarar a sua inexistência.

c) E, igualmente, não se pronuncia sobre a alegada violação de dois dos princípios da actuação da Administração Pública; o princípio da boa fé e o princípio da tutela da confiança.

d) Omissões de pronúncia essas que constituem causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea d) do nº1 do artº668º do CPC. Por outro lado, e) A mesma decisão não se encontra devidamente fundamentada, seja de facto, seja de direito, f) Com efeito, o ali invocado como pretensa fundamentação é manifestamente insuficiente e incongruente.

g) Insuficiente porque se baseia em meras hipóteses, ilações e construções mentais abstractas, h) Incongruente, porque parte do único facto que a sustenta para dele concluir, sem qualquer sustentação ou mesmo explicitação lógica que, em face disso, "não poderiam" ter sido tais condicionantes a demover o antecessor dos recorrentes de levar para a frente tal projectado empreendimento.

i) Tal ausência de fundamentação constitui, nos termos do disposto na alínea b) do nº1 do artº668º do CPC, causa de nulidade da sentença recorrida.

j) A douta sentença limitou-se a julgar a acção improcedente com base numa construção lógico-abstracta, despida de qualquer fundamento sustentado, seja de facto, seja de direito.

k) A sentença recorrida enferma, pois, de erro de julgamento, pois que parte de uma conclusão para dela extrair a premissa, quando deveria fazer exactamente o caminho inverso, qual seja o de partir das premissas para delas extrair a conclusão.

l) A matéria factual apurada nos autos é por si suficiente para se concluir exactamente o contrário daquilo que foi concluído na douta sentença recorrida.

m) As condicionantes impostas pelo Município de Matosinhos foram de tal modo inviabilizadoras da economia esperada do empreendimento proposto que determinaram o valor máximo oferecido pelo antecessor dos recorrentes na hasta pública para a venda do prédio aqui em causa.

n) Foram violados os preceitos legais supra indicados e ainda os artº659º e 660º do CPC.

Contra-alegou o recorrido, CONCLUINDO assim: 1ª O regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, por actos de gestão pública, na lei ordinária, encontra-se regulado pelo DL 42051, de 21.11.67, e pela Lei das Autarquias Locais, materializada no DL 100/84, de 29.03, entretanto substituída pela Lei 169/99, de 18.09.

  1. "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", nos termos do artº342º, nº1 do CC.

  2. Por isso, impendia sobre os recorrentes o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu invocado direito à indemnização.

  3. Esta prova tinha natureza cumulativa, porquanto se havia de reportar a todos os elementos constitutivos.

  4. Os recorrentes não lograram fazer essa prova.

  5. Por outro lado, não ocorrem as nulidades das alíneas b) e d) do nº1 do artº688º do CPC.

  6. E isto porque a decisão está devidamente fundamentada, quer em termos de facto, quer em termos de direito; e ainda porque o Mmo. Juiz a quo apreciou todas as questões que tinha de conhecer.

  7. A sentença sob censura faz uma correcta apreciação e aplicação das normas aplicáveis aos factos provados.

O Mmo. Juiz a quo sustentou a decisão, considerando inexistir a arguida nulidade.

O Digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer: «Consta da sentença recorrida que: As condicionantes que foram impostas pela Câmara Municipal de Matosinhos já permitiam ao recorrente construir a volumetria do pedido de viabilidade (fls.206 e 207).

Facto a partir do qual naquela se conclui que não ocorreu qualquer alteração posterior de circunstâncias que afastassem os direitos construtivos daquele, tal como ele os idealizara (fls.207).

Daquele facto, a decisão recorrida extrai também as restantes ilações, acabando por concluir pela inexistência de acto gerador de responsabilidade.

Ora, de acordo com o documento de fls.60 e 61, constituído pela Informação dos Serviços Técnicos da Câmara, ponto 2.2, se o recorrente pretendesse construir a galeria comercial esta deveria ser reformulada na íntegra. Quanto à volumetria, o seu deferimento é proposto apenas quanto ao conjunto.

Constituindo esta informação suporte da deliberação da Câmara de 06.09.89, mantida a 30.12.92, não pode o documento de fls.64, com data de Maio de 1989, fundamentar a conclusão sobre o hipotético montante dos lucros líquidos da construção com as limitações impostas (como se verifica com o facto constante do nº11 da matéria provada) nem as conclusões que desta decorrem.

Face ao exposto e acompanhando quanto ao mais, a argumentação expendida pelos recorrentes, somos de parecer que o recurso deverá merecer provimento.» Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II- OS FACTOS: A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: Por acordo das partes e por documentos juntos aos autos:

A) A aqui A foi casada com … em primeiras e únicas núpcias de ambos.

B) Este … faleceu no dia 29 de Junho de 1998, no estado de casado com a A, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

C) Tendo deixado como únicos herdeiros, além daquela A, os dois filhos de ambos, os aqui AA, tudo como consta da escritura de habilitação de herdeiros no 1º Cartório Notarial de Guimarães.

D) O falecido … era comproprietário do seguinte prédio: Prédio urbano, sito nas Ruas de …, nº… e de …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Matosinhos, sob o artº986º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº00048/230185.

E) Pela 4ª Secção do 2º Juízo (processo nº74/91) e, mais tarde, pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos sob o nº95/94 correu termos uma acção de divisão de coisa comum que tina por objecto aquele prédio.

F) Porque o imóvel se situava em pleno centro da cidade de Matosinhos, e mesmo, inquestionavelmente, no seu ponto mais central e de mais intenso comércio de tipo tradicional o A, após ter consultado na Câmara Municipal de Matosinhos (CMM) os elementos que para esse efeito lhe disponibilizaram, encarregou um arquitecto de lhe elaborar, para esse prédio, um projecto de construção de uma galeria comercial, escritórios e aparcamentos.

G) Em 24 de Maio de 1989, apresentou à CMM um pedido de viabilidade de construção dos aludidos galeria, escritórios e aparcamento, pedido esse que deu origem naquela CMM ao processo de viabilidade de construção nº91/89.

H) Instruindo esse pedido nos termos legais, com um projecto de viabilidade de construção.

I) Pedido esse que foi deferido pela deliberação da CMM de 6 de Setembro de 1989, mas que impôs várias condicionantes à construção considerando que se tratava de imóvel inventariado como valor cultural construído, designadamente e em resumo: a) a manutenção integral das suas fachadas; b) a manutenção da cobertura do telhado, beirais e tipo de telha; c) a manutenção do muro confinante com a rua …; d) a manutenção da escadaria de acesso ao rés-do-chão elevado; e) a manutenção dos níveis dos pavimentos existentes; f) a manutenção de todos os panos de azulejos das fachadas; g) a manutenção das esquadrias dos vãos das fachadas.

J) O entendimento da CMM de que o prédio em questão se tratava de imóvel inventariado como valor cultural construído foi mais tarde confirmado em deliberação do Executivo Camarário de 30 de Dezembro de 1992.

K) Na dita acção de divisão de coisa comum foi declarada a indivisibilidade do prédio, e porque se não logrou obter acordo entre os comproprietários quanto à sua adjudicação, foi ordenada a sua venda em hasta pública e na sequência disso, o prédio foi arrematado em hasta pública pela …, com sede no Centro Comercial …, … Piso, Oliveira de Azeméis, pelo preço de 32.100.000$00.

L) Por volta do ano de 1997 a CMM adquiriu o dito prédio àquela … por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT