Acórdão nº 01203/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução29 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1 - A... interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto recurso contencioso do despacho do Senhor Vereador do Pelouro da Habitação da Câmara Municipal do Porto que ordenou a entrega do fogo sito no Agrupamento Habitacional do Viso, livre de pessoas e bens, sob pena de despejo coercivo.

O 1.º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que sucedeu na competência daquele Tribunal, julgou improcedente o recurso.

Inconformada, a Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: I - Vem o presente recurso da douta sentença proferida em 30 de Abril de 2005, que decidiu julgar não provado e improcedente o recurso contencioso apresentado pela ora Recorrente, o que implica o despejo imediato e coercivo da Recorrente do fogo onde habita com o seu agregado familiar, constituído por marido e dois filhos menores.

II - Atenta a matéria de facto considerada como provada, entende a Recorrente que a decisão nunca poderia ser no sentido de julgar improcedente o recurso por si apresentado.

III - Notificada da decisão emanada pela autoridade administrativa, a Recorrente apresentou a devida defesa, tendo indicado testemunhas, sendo que apenas a Recorrente e o marido foram ouvidos, não tendo sido levada a efeito a inquirição das demais testemunhas.

IV - A inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente revestiria de enorme importância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, por conhecedoras de tudo alegado pela Recorrente, sendo certo que, se tal prova fosse reproduzida, o que se diz com o devido respeito, com certeza que o Digníssimo Tribunal recorrido não teceria algumas das considerações constantes da decisão recorrida, como seja caracterizar a versão dos factos apresentados pela Recorrente como "caricata", apelidar aquela de "gente simples e pouco evoluída", referir que a Recorrente "usa expedientes próprios dos que sabem viver, ocupando abusivamente o lugar que deve ser ocupado pelos cidadãos que cumprem a lei' e ainda referir que "a decisão recorrida contende com a sua vida que há anos se desenrolava afortunada pela sorte", antes tendo, pelo menos, chegado à conclusão que a Recorrente é de facto gente simples, do povo, mas muito séria e honesta, muito pouca culta, aliás, para possuir a habilidade que a douta sentença em apreço lhe imputa.

V - As diligências de prova requeridas pela Recorrente ter-se-iam revelado de enorme importância para a descoberta da verdade material, nomeadamente, para prova da não premeditação e ausência total de dolo, na sequência dos factos imputados à Recorrente.

VI - Não se compreende, assim, nem se pode aceitar, como pode perfilhar-se o entendimento de que não foram violados quaisquer princípios ou direitos, entendendo-se que a decisão da Administração de modo algum seria alterada face à prova eventualmente produzida, desconhecendo-se por completa em que consistiria tal prova.

VII - Numa decisão administrativa que possa, de algum modo, afectar os direitos ou interesses dos "administrados" (e neste caso afectou e afecta, e muito), seria de capital importância e essencial, que a Recorrente fosse ouvida e pudesse apresentar e exercer cabalmente a sua defesa.

VIII - As autoridades administrativas não podem pretender impor-se com base na sua autoridade, mas sim com base na razão subjacente às decisões tomadas ou a tomar, pelo que não é aceitável num Estado de Direito Democrático, como ainda parece que é aquele onde vivemos, que sejam tomadas decisões unilaterais, sem que seja dada a oportunidade ao comum cidadão, como é a Recorrente, de apresentar prova que sustentasse a sua versão dos factos, tanto mais que a recorrente se vê a braços com a possibilidade de ter que ir viver, com dois filhos menores e um bastante doente para "debaixo da ponte".

IX - A Recorrida - Câmara Municipal do Porto -, não levou a efeito as diligências de prova que a aqui Recorrente requereu, não tendo apresentado quaisquer argumentos ou motivos justificativos para a não inquirição, verificando-se, indubitavelmente, que não foi cumprido o disposto nos arts 8º, 100º, 101º e 104º do Código de Procedimento Administrativo, tendo, deste modo, ficado os direitos de defesa da Recorrente, fortemente abalados.

X - Em conformidade foi violado o disposto nos arts 8º, 100º, 101º e 104º do Código de Procedimento Administrativo, violação que inquinou irremediavelmente a decisão proferida pela autoridade administrativa, decisão que se tornou, também por força de tal vício, objectivamente anulável, pelo que deveria, em conformidade, o douto Tribunal "a quo" ter julgado procedente o invocado vício.

XI - A douta decisão em crise, procedeu, salvo o devido respeito por melhor opinião, a uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável ao caso sub judice, já que a decisão recorrida emanada pela Câmara Municipal do Porto é inválida, violando, nomeadamente o disposto nos arts 65º da C.R.P. e os arts 10º e 12º do Decreto 35106 de 06/11/1945, bem como dos arts 8º, 100º 101º e 104º do Código de Procedimento Administrativo.

XII - O douto Tribunal "a quo" limita-se a fazer meras suposições, quando afirma que a Recorrente "não ignorava nem podia ignorar que no momento em que lhe foi atribuída a casa já não residia na cidade do Porto, e muito menos na casa habitada pela sua mãe. Como já tinha adquirido uma habitação social, não é crível, mesmo que se trate de um cidadão muito pouco evoluído que não soubesse que a sua condição social e a sua carência de habitação e a sua qualidade de residente na autarquia eram condições indispensáveis para obter uma habitação social construída pelo município".

XIII - A Recorrente é uma cidadã muito pouco evoluída, e ignorava, como continua a ignorar as circunstâncias e requisitos exigíveis para a atribuição de uma habitação pela Câmara Municipal do Porto, tanto mais que nem tinha que os conhecer, já que não compete aos cidadãos, com base num simples critério de normalidade, estarem a par dos requisitos camarários para concessão de habitações sociais.

XIV - Ninguém, em momento algum, lhe comunicou quais os requisitos necessários para a atribuição de uma habitação, sendo certo que ninguém a questionou sobre quaisquer circunstâncias, por forma a aferir se preenchia ou não os alegados requisitos, pelo que jamais a Recorrente faltou à verdade.

XV - Tal obrigação, competia à Câmara Municipal do Porto, e a ninguém mais.

XVI - Jamais a Recorrente tomou qualquer iniciativa de solicitar à Câmara Municipal o que quer que fosse, do mesmo modo que jamais prestou quaisquer falsas declarações, sendo certo que tal facto resulta inequívoco da análise dos elementos constantes dos presentes autos, resultando dos autos que em início/meados de Julho de 2002, foi a Recorrente que foi contactada pelos serviços de habitação e acção social da Câmara do Porto e não o inverso.

XVII - Incumbia à Câmara Municipal do Porto averiguar quaisquer circunstâncias que entendesse relevantes para a decisão de atribuição do fogo em apreço, desconhecendo a Recorrente totalmente quais os elementos a considerar pela Câmara Municipal do Porto para a concessão da habitação, que jamais, aliás lhe foram explicados ou sequer expostos.

XVIII - É certo que há uns anos atrás a Recorrente havia adquirido uma habitação social, no chamado Bairro das ..., tendo-o feito a um preço manifestamente inferior ao praticado no mercado, sendo certo que, precisamente por ser uma pessoa fortemente carenciada teve necessidade de vender tal habitação, pois não conseguia suportar as despesas à mesma inerentes, desde logo a prestação bancária respeitante ao empréstimo contraído para o efeito, que, há muito, estava em atraso, tendo a Câmara Municipal do Porto dado a devida e necessária autorização a tal venda.

XIX - Jamais ocorreu sequer à Recorrente ocultar que havia adquirido uma habitação social no Bairro das ..., que posteriormente vendeu, tanto mais que foi a própria Câmara Municipal do Porto que vendeu uma casa à Recorrente, tendo a Recorrente deixado de viver com a sua mãe para ir viver para tal habitação.

XX - A Recorrente, seu marido e dois filhos menores, foram então viver para uma casa arrendada em Ermesinde, por ser o único local onde encontrou uma habitação com uma renda, ainda que elevada, minimamente suportável com as possibilidades do agregado familiar.

XXI - A Recorrente é, na verdade, fortemente carenciada, sendo que a manter-se a decisão em crise, irá ela própria juntamente com a sua família "engrossar o número dos sem abrigo que dormem pelas ruas da cidade".

XXII - Conforme melhor consta da douta sentença proferida no processo de suspensão de eficácia do acto a este apenso, a Recorrente não possui qualquer outra casa para viver com a sua família, vivendo unicamente o seu agregado familiar, constituído pela Recorrente, marido e dois filhos menores, do salário do marido da Recorrente no valor de 6 600,00 mensais.

XXIII - A Recorrente não fez qualquer uso inadequado da habitação em apreço.

XXIV - A Recorrente ocupa a habitação em apreço legitimamente, sendo detentora de um alvará que legaliza tal ocupação, emitido pela Câmara Municipal do Porto, tendo sempre pago a correspondente e exigida prestação por tal ocupação, até à data de hoje, ininterruptamente, conforme resultou provado.

XXV - Não era exigível à Recorrente que tivesse qualquer conhecimento acerca dos critérios subjacentes à atribuição da casa camarária em apreço nos autos; bem ao invés, à Recorrida, Câmara Municipal, incumbia, no mínimo indagar sobre o assunto, se o mesmo importasse para a atribuição em questão; e tudo ficaria a saber, por possuir todos os elementos da vida habitacional da Recorrente.

XXVI - Dos factos considerados como provados, não resulta, ainda que minimamente indiciado, a existência de dolo ou premeditação por parte da Recorrente.

XXVII - Não violou, assim, a Recorrente o disposto nos arts 10º e 12º do Decreto 35106, de 06 de Novembro de...

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