Acórdão nº 0112/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução29 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A..., identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal da sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que, na ACÇÃO ORDINÁRIA intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS, julgou procedente a excepção peremptória da prescrição e, consequentemente absolveu o réu do pedido.

Formulou as seguintes conclusões: 1ª) O M. juiz só pode servir-se de factos alegados (o que não acontecia com a prescrição) pelo que, acrescentada tal questão, aliás após o trânsito do despacho saneador, violou o disposto no art. 664º do C.P.Civil; 2ª) A matéria aditada à base instrutória contradiz matéria já assente, daí a sua nulidade - art. 668º, 1 do C.P.Civil; 3ª) A prova sobre o despejo só pode ser provado por documento - art. 393º do C.Civil, daí a sua nulidade; 4ª) Só a lei 68/78 possibilitou o exercício dos direitos da autora, da aplicação do art. 31º da citada lei e o art. 306º do C.Civil; 5ª) As agressões físicas, o saneamento, o levantamento dos depósitos a venda livre às ordens do Colectivo e Estado são actos criminosos tipificados como ofensas corporais, coação, sequestro, abuso de confiança, burla e extorsão, logo o prazo de prescrição se outro não houvesse era o de 5 anos do art. 498º do C.Civil; 6ª A Lei 68/78 "repescou" prazos de prescrição eventualmente decorridos para o exercício dos direitos previstos naquela citada Lei, pelo que é inaplicável o regime do art. 498º do C. Civil, mas o da citada Lei (art. 40º) e art. 306º do C. Civil; 7ª) A causa de pedir da presente acção são os actos de gestão viciada e injustificada (só estes e após declaração na acção de reivindicação puderam ser exercidos) e obviamente o desaparecimento total da empresa (património), são meros tostões de uma empresa que continuasse a existir. O M.P. junto do tribunal recorrido contra alegou defendendo a manutenção da sentença recorrida, e formulando, por seu turno, as seguintes conclusões: 1ª) A douta decisão recorrida não violou os comandos legais indicados pela recorrente; 2ª) Antes, e de acordo com a factualidade emergente da acção e seus elementos fez correcta aplicação dos preceitos legais ao caso aplicáveis; 3ª) E porque, à data da propositura da pertinente acção, se encontrava esgotado o prazo previsto no art. 498º do C. Civil, ocorre inevitavelmente a excepção da prescrição; 4ª) Assim sendo, a douta decisão sob recurso deverá ser mantida na íntegra.

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto: 1) A autora A... é uma sociedade comercial por quotas, tendo a sua sede na Rua ..., n.º ..., armazéns ...- ..., Porto, e dedicava-se à indústria de malhas; 2) B..., C... e D... são os únicos sócios da autora face à cessão de quota de E... a favor da Autora, sendo o capital repartido pelas quotas de B... (55.000$00) de C... (15.000$00 + 15.000$00) e D...; 3) A gerência da autora pertencia, por imperativo do pacto social, à referida B..., tendo sido os sócios D... e o ex - sócio E..., gerentes por procuração; 4) Foi dado conhecimento da situação da autora ao Ministério do Trabalho, ao Comandante da Região Militar do Porto e ao Conselho da Revolução, em sucessivas comunicações até 15-10-97; 5) Ficaram sem resposta cartas da autora ao delegado do Ministério do Trabalho, ao Director Geral da Relação Colectiva de Trabalho, ao Comandante da Região Militar do Norte, ao ministério da Industria e ao ministério do Trabalho; 6) Em Janeiro de 1978 foi proposta acção de despejo contra a autora por falta de pagamento de rendas desde Outubro de 1977, tendo sido decretado o despejo do prédio sede da autora, em Maio de 1978; 7) Não foi feito o inventário a que se refere o art. 9º da Lei n.º 68/78; 8) A autora e B..., C... e D... propuseram acção de reivindicação nos termos da Lei 68/78, que foi julgada procedente, por via da qual foi declarada a autogestão litigiosa, viciada e injustificada, e que aqueles são donos e legítimos possuidores de A..., legítimos proprietários e possuidores do estabelecimento industrial de malhas e empresa A..., com todos os elementos que porventura ainda a constituam; 9) O teor dos documentos juntos aos autos; 10) Era F... funcionário da delegação do Ministério do Trabalho no Porto, tendo aí iniciado fruições em 8-7-75; 11) Em Maio de 1975 alguns trabalhadores da autora tentaram entrar em greve, reclamando actualização de salários; 12) Ocorreu o "saneamento" de B... e de C...; 13) Aquando do referido saneamento foi nomeada uma Comissão de Gestão para a autora; 14) Constituída pelos trabalhadores ..., ..., ..., ..., ..., ... e pelo referido D... e pelo ex-sócio E...; 15) Os trabalhadores subscritores da declaração junta por cópia a fls. 193 dos autos de comprometeram a produzir 1200 peças de confecção diária; 16) Os factos referidos em 12, 13 e 14 ficaram a constar de documento de igual teor à cópia de fls. 189-192 dos autos; 17) No documento referido em 16, F... apôs pelo seu punho os seguintes dizeres: "Esta fotocópia é da responsabilidade do Ministério do Trabalho"; 18) D... expôs a situação da empresa ao delegado do ministério do Trabalho no Porto em diferentes datas anteriores a 13-12-75; 19) Foi D... entretanto agredido, deixando de poder comparecer na sociedade; 20) E os sócios proibidos de entrar nas instalações; 21) Os trabalhadores tornaram-se únicos gestores da empresa devido ao referido saneamento, às agressões e à proibição de entrada dos sócios na mesma; 22) Tendo procedido ao levantamento de depósitos bancários que se encontravam em nome da sociedade; 23) Com credencial do Ministério do Trabalho; 24) Que confirmou com carta de 13-12-75; 25) Deixando de pagar as rendas do prédio da autora; 26) Aos fornecedores e os próprios trabalhadores; 27) Os trabalhadores dispuseram livremente de estoques de mercadorias, máquinas e apetrechos; 28) Entre Maio de 1975 e Outubro de 1975 havia reserva de matéria-prima que garantia a laboração da empresa durante, pelo menos, dois meses; 29) E havia máquinas no valor de milhares de contos; 30) Até Agosto de 1975 havia grandes quantidades de fio na empresa e de produtos em curso e fabricados; 31) E acessórios das máquinas; 32) Até Agosto de 1975 a Autora funcionava normalmente e com vida económica normal; 33) Aquando do saneamento referido em 12, a autora possuía depósitos à ordem, créditos sobre clientes, produtos acabados, produtos em curso de laboração, matéria primas, acessórios de confecções, acessórios de máquinas de tricot, oficina mecânica, instalações fabris, máquinas de tricot rectas, máquinas de tricot circulares, máquinas de confecções, outras máquinas, escritório e chave do estabelecimento, tudo em valores não apurados; 34) O colectivo de trabalhadores abandonou a gestão da empresa em meados de 1977 (resposta dada ao item 36º): 35) A sociedade autora encerrou as suas instalações em Outubro de 1978 (resposta dada ao item 37º); 36) A sociedade autora, tinha como únicas instalações a sede onde funcionava (resposta ao item 39º).

    2.2 Matéria de direito 2.2.1. Questões já decididas nos autos.

    A sentença recorrida julgou procedente a excepção peremptória da prescrição. Tal julgamento ocorreu depois deste Supremo Tribunal ter abordado essa questão e de ter concluído que a matéria de facto era insuficiente para o seu julgamento.

    Contudo, no acórdão de 7-5-2003 este Supremo Tribunal, apesar de ter ordenado a ampliação da matéria de facto, restringiu o âmbito da anulação da sentença, nos termos do art. 712º, 4 do C. P. Civil, à "ampliação da matéria de facto… para esclarecer quando cessou a situação de autogestão e qual era a situação patrimonial da empresa na momento da cessação … sem prejuízo das questões já decididas neste acórdão e no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 6-4-2000, que consta de fls. 463 a 473".

    Estão, assim, já decididas com força de caso julgado as seguintes questões: i) A absolvição dos réus F... e Dr. G..., por litispendência (cfr. sentença de fls. 397, mantida, nesta parte, pelo acórdão do STA de 6-4-2000 - fls. 473); ii) A ilegitimidade dos autores B... e marido C..., por o seu recurso, nesta parte, ter sido julgado deserto (cfr. fls. 467 do acórdão do STA de 6-4-2000); iii) A possibilidade de conhecimento da prescrição. Depois da autora ter defendido que já não poderia o Tribunal conhecer da prescrição, este Supremo Tribunal, no acórdão de 7-5-2003, entendeu que "na sentença tinha de ser apreciada a referida questão da prescrição (art. 660º, n.º 2 do C.P.Civil) pelo que o seu conhecimento não envolve excesso de pronúncia" (cfr. fls. 682/683 dos autos).

    iv) a possibilidade de conhecimento da prescrição não viola o caso julgado formado sobre o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 5-11-92, na acção que correu termos no 6º Juízo Cível do Porto (cfr. acórdão de 7-5-2003, a fls. 687/688 dos autos); v) o enquadramento jurídico aplicável à prescrição, no caso dos autos. Dado que sobre este ponto, o acórdão fez uma exaustiva análise das disposições legais aplicáveis equacionando os vários enquadramentos jurídicos plausíveis, julgamos adequado transcrever o que então se decidiu: "(…)Por último, a Autora/Recorrente coloca a questão da prescrição, manifestando concordância com o que sobre ela se decidiu no referido acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 5-11-92.

    Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça entendeu-se, relativamente à questão da prescrição, o seguinte: - que com a Lei n.º 68/78, de 16 de Outubro, começou a ser possível aos Autores intentarem acção de reivindicação tendo por objecto a empresa em autogestão; - julgada ela procedente ficou definida a situação do proprietário - alínea c) do art. 39.º da mesma Lei - tendo sido qualificada a autogestão de injustificada; - só existe direito de indemnização no caso de a autogestão ser qualificada de injustificada; - logo, só...

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