Acórdão nº 0444/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução23 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A Digna Magistrada do Ministério Público - ao abrigo do disposto nos art.ºs 45.º, nº 3 da Lei 11/87, de 7/4, e 3.º, n.º 1, al. e) e 5.º, n.º 1, al. e) do Estatuto do Ministério Público, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 60/98, de 27/8 - intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 13.10.99, que ordenou a emissão do alvará n.º 5/99, bem como da deliberação da mesma Câmara, de 27/10/99, que o ratificou, alegando que os mesmos eram nulos e de nenhum efeito por violarem a legislação comunitária e nacional que protege o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e os instrumentos de ordenamento do território.

A Autoridade recorrida respondeu (fls. 138) para, no essencial, alegar que o identificado alvará foi emitido em execução de sentença e apenas por causa desta.

A recorrida particular, "..., Ld.ª", sustentou que a petição inicial era inepta - por falta de inteligibilidade da causa de pedir e do pedido - que a pretensão do MP violava os princípios da obrigatoriedade e prevalência de diversas decisões de tribunais administrativos - pois os actos impugnados eram meros actos de execução de decisões judiciais transitadas em julgado e, por isso, insusceptíveis de recurso contencioso - que os actos impugnados constituíam meros actos de execução ou confirmativos do acto de deferimento tácito do pedido de licenciamento do loteamento, pelo que a sua irrecorribilidade era inquestionável, e, por último, excepcionou a intempestividade da apresentação do recurso contencioso.

Notificada - nos termos e para os efeitos do artigo 54.º, n.º 1, da LPTA - a Recorrente pugnou pela improcedência das referidas questões prévias.

Por sentença de 7/3/03 (fls. 185/203) foi entendido que o recurso tinha sido tempestivamente apresentado, que a petição inicial não era inepta e que não ocorria a excepção do caso julgado, mas que os actos impugnados eram irrecorríveis o que determinou a rejeição do recurso.

Inconformado com o assim decidido a Ilustre Magistrada do M.P. agravou para este Tribunal, concluindo as suas alegações da seguinte forma: 1. Os actos sindicados no presente recurso são actos de execução.

  1. Os citados actos de execução encontram-se arguidos de ilegalidade própria, não consequente do acto executado.

  2. O acto exequendo é o primeiro Acórdão proferido em 23.06.1991, pelo STA em Tribunal Pleno.

  3. Quando foi proferido Ac. em 23.06.1991, pelo STA em Tribunal Pleno ainda não estava, em vigor qualquer instrumento de gestão territorial, que eventualmente colocasse em causa o dever de licenciar o citado loteamento.

  4. A sentença judicial em sede de execução de sentença tem natureza meramente declarativa, não se podendo dissociar da sentença anulatória que lhe antecede.

  5. O Tribunal não foi chamado a pronunciar-se sobre a conformidade do acto de licenciamento relativamente a quaisquer instrumentos de ordenamento do território ou a qualquer questão relacionada com a defesa do ambiente.

  6. Decorre do princípio do dispositivo que domina o processo civil, é às partes que incumbe delimitar o "thema decidendum", não tendo o juiz de saber se, porventura, o recurso se poderia fundar noutra causa "petendi".

  7. Em execução de sentença, o Tribunal apenas se pode pronunciar sobre eventuais causas de inexecução, arguidas pela Administração, não tendo que conhecer oficiosamente outras causas diversas de inexecução de julgado.

  8. As causas ora invocadas no presente recurso contencioso não foram invocadas pela Administração, mas apenas pelo Ministério Público, no presente recurso, em defesa da legalidade.

  9. No processo de execução de julgado, o que está em causa não é a ilegalidade do acto, pois essa é conhecida em sede de recurso contencioso, mas apenas o modo legal ou ilegal como os actos de execução são praticados no estrito cumprimento da decisão judicial que se visa executar.

  10. O processo de recurso contencioso que correu termos neste Tribunal sob o n.º 3.786, limitou-se, e bem, à apreciação do alegado vício de violação de lei por desrespeito do disposto no art. 20.º, n.º 1, do DL 289/73, já que não lhe era possível conhecer de novos vícios, que eventualmente inquinassem posteriormente a sentença anulatória, anteriormente proferida.

  11. Quando foi proferida em 15.10.92, em primeira instância, a sentença que declarou a inexistência de causa legitima de inexecução daquele Acórdão ou quando foram especificados os actos em que devia consistir a execução do citado Acórdão e, consequentemente, determinada a emissão do alvará de loteamento por sentença de 28.12.93, não se encontrava prevista para a zona do loteamento em causa, qualquer regime de protecção ambiental, pelo que, mesmo encontrando-se já em vigor a Lei de Bases do Ambiente, não existia ainda o quadro legal entretanto adoptado e aplicável àquela zona, que determinasse um regime de proibições para defesa dos valores ambientais ora invocados pelo M.P. e susceptível de ser apreciado nos processos supra referidos.

  12. Razão pela qual o aludido Acórdão do STA que constitui o acto exequendo, na tese defendida pelo Mmº Juiz, não padece de qualquer vício.

  13. Os vícios ora impugnados são vícios próprios do acto de execução, e como tal podem ser contenciosamente impugnados, porque recorríveis.

  14. O facto de nenhum vício vir imputado ao acto exequendo, não implica que não padeçam os actos que lhe dão execução de ilegalidades específicas que os inquinem e que determinem a sua impugnação autónoma.

  15. Situação que vem consagrada no art. 151.º, nº 4, do CPA, ao contrário do que foi entendido na decisão ora recorrida.

  16. O art. 151.º, n.º 4, consagra uma excepção ou desvio à regra da inimpugnabilidade contenciosa dos actos do procedimento de execução, estando aqui em causa o facto desse acto ser directamente desconforme com o regime legal instituído, originando uma ilegalidade própria.

  17. Os vícios invocados pelo MP, no âmbito do presente recurso contencioso são vícios próprios e autónomos, do acto exequendo, porque contrários ao ordenamento jurídico em vigor à data da sua prática e como tal determinantes da sua nulidade.

  18. O pedido de declaração de nulidade e ineficácia, não podia ser rejeitado com fundamento na irrecorribilidade de actos natureza meramente executória do acto exequendo, bem como não poderia deixar de se conhecer o articulado superveniente com o mesmo fundamento de ilegalidade da interposição do recurso contencioso.

  19. Mas ainda que se entenda, como fez o M.mº Juiz "a quo", que o acto exequendo, era o Acórdão proferido em 18.06.1998, e que era este que padecia dos vícios de nulidade resultantes da violação da legislação com vista à protecção do ordenamento do território e ambiente, então tal vício é do conhecimento oficioso independentemente do acto impugnado ser ou não recorrível.

  20. Ainda assim, os actos de execução impugnados são ilegais, pois tudo se passa como se não existisse titulo, ou seja, neste caso reconduz-se o vício do acto ou operação de execução, ao vício - "Nula executio sin titulo".

  21. Aos fundamentos supra referidos, acresce que a falta da qualidade de proprietário da requerente em relação à totalidade dos terrenos sobre os quais recai o pedido de loteamento não gera só por si, a nulidade do citado pedido de loteamento; 23.

    Diversamente do que se estatui no art.º 9.º do DL n.º 448/91, de 29/12, não se exigia no DL n.º 289/73 de 6/06, legislação aplicável à data do citado pedido de licenciamento de loteamento, que o requerente fosse proprietário do prédio ou que tivesse poderes bastantes para o representar.

  22. Pelo que o acto exequendo era válido, uma vez que foi praticado com recurso ao instituto jurídico da gestão de negócios, nos termos previstos no art. 471.º do Cod. Civ.

  23. Uma vez que face à lei então em vigor, o requerente podia ser dispensado de fazer prova da propriedade ou de que era titular de uma procuração com poderes para agir em nome de terceiros.

  24. Face a tal regime legal o acto exequendo era válido, mas ineficaz; 27.

    Porém, para que se procedesse à emissão do Alvará de Loteamento tornava-se necessário que o requerente que actuou na qualidade de gestor, fizesse prova ou que o negócio estava ratificado por quem para tal tinha legitimidade ou que havia adquirido a propriedade do citado terreno, encontrando-se o mesmo na sua esfera jurídica, conforme resulta dos preceitos combinados dos artigos 471º e 268º, ambos do Cod. Civil; 28.

    Estamos perante os actos de eficácia diferida p. no art. 129.º, b) e c), do CPA.

  25. Ao não ser exigida pela Administração, qualquer destas provas, para a emissão do Alvará, o presente acto de execução encontra-se ferido de vicio próprio, que origina a sua nulidade por execução de acto ineficaz.

  26. O Mmº Juiz "a quo", não fez uma correcta interpretação da lei ao não conhecer da nulidade dos actos de execução, não obstante os mesmos estarem feridos de vícios autónomos daqueles que se verificam em sede de acto exequendo.

  27. Ainda que se considere o acto exequendo como sendo o Ac. proferido pelo STA., em sede de execução de sentença, está em causa um conflito de interesses públicos constitucionalmente protegidos, a saber o desenvolvimento ecológico equilibrado e o cumprimento integral de sentença transitada em julgado, devendo aquele ter prevalência sobre este, no caso concreto.

  28. A violação de tal interesse, fere de nulidade o Acórdão de execução de sentença, sendo tal vício de conhecimento oficioso independentemente de afectar os actos recorridos ou os actos que lhes antecedem, e como tal deve ser declarada.

    A Câmara Municipal contra alegou, concluindo: a. Deve ser julgada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; b. Ser o presente recurso julgado improcedente por não provado, com o que se fará justiça.

    Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO.

    A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1.

    Com data de 12/11/75, a sociedade "..., L.dª"...

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