Acórdão nº 0420/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Março de 2006

Data21 Março 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO PLENO DA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - A..., recorre do Acórdão da Secção, de 24-02.05 (fls. 155/171) que, negando provimento ao recurso contencioso de anulação, manteve o despacho de 02.12.02 do SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL, que lhe indeferiu o pedido de reversão apresentado em 18.12.00.

Indicou como co-recorrida a Câmara Municipal de Évora.

Em alegações formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - No processo n.º 41.736, a Recorrente indicou como causa de pedir que o bem não tinha sido aplicado ao fim que determinou a expropriação no prazo legal, por entender que o prédio expropriado não tinha sido afecto à construção do empreendimento habitacional, na medida em que nem as suas fundações tinham sido iniciadas.

II - no presente recurso a Recorrente invoca uma causa de pedir diferente, nova e autónoma que consiste na interrupção ou na suspensão dos trabalhos por prazo superior a dois anos (como nos confirma, entre outros, o oficio 07898, de 9 de Abril de 2001), não obstante, em última análise, as razões agora invocadas configurarem também uma situação de não afectação do bem expropriado ao fim que determinou o acto expropriativo.

III - No caso dos autos não há, pois, excepção de caso julgado, dado que estamos perante duas causas de pedir diferentes e autónomas: a causa de pedir do actual pedido de reversão não é a mesma que esteve na base do pedido de reversão anteriormente decidido por esse Venerando Tribunal (proc. 41736).

A recorrente à data do primeiro pedido de reversão não sabia nem podia saber que as obras levadas a efeito pela CME no ano de 1995 iam ser interrompidas mais tarde por um período superior ou igual a dois anos, como a própria confessa.

IV - A teleologia do nº 9 do artº 5º do C. E. É a de equiparar a suspensão por dois anos à não afectação do prédio à finalidade expropriatória dentro de dois anos, "mesmo no caso de obras contínuas".

V - Quer o oficio n.º 07898 de 9 de Abril de 2001) , quer a Informação Técnica n.º 176/DSJ, de 8 de Novembro de 2002, quer, ainda, uma série de outros ofícios trocados ao longo do processo instrutor (ver informação técnica 130/2003) são claros e inequívocos quanto ao facto de que, pelo menos, desde 1995 até à data presente nenhuma obra foi realizada no terreno expropriado e objecto do pedido de reversão.

VI - O artigo 5° do C.E. tem subjacente o princípio de que os bens expropriados têm de ser afectos ao fim que determinou a expropriação, no prazo de dois anos, quer esse fim se traduza na execução de uma obra contínua ou numa obra descontínua.

VII - A Informação Técnica n° 130/AJ/2003, elaborada a propósito do presente recurso, defende que "por uma lógica de coerência com o principio geral previsto na alínea c) do n° 1 do artº. 5, que estipula que os bens expropriados têm de ser afectos ao fim da expropriação no prazo de dois anos, o n° 9 do mesmo preceito vem fazer a ressalva de que as mencionadas obras que fazem parte do dito projecto articulado, global e coerente não podem ser interrompidas nem suspensas em qualquer dos bens expropriados por prazo superior a dois anos - sob pena de legitimar o pedido de reversão". O sublinhado é nosso.

VIII - Aquela Informação Técnica refere ainda que "Em nenhum caso (...), seja pela via da afectação do bem expropriado, seja pela interrupção ou suspensão dos trabalhos, o legislador, terá querido que o fim da expropriação, por uma ou outra via, não seja prosseguido por período superior a 2 anos (...) por respeito e coerência com o princípio da proporcionalidade que deve estar subjacente a qualquer acto expropriativo". O sublinhado é nosso.

IX - O Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa invoca em defesa da tese da recorrente o argumento "a fortiori", ou seja, "por maioria de razão, não pode deixar de ser no caso de não haver obra contínua, e em que a suspensão de trabalhos em determinado prédio ou parcela dura há mais de dois anos". O sublinhado é nosso.

X - O Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa avança ainda com um outro argumento "Se a lei pune a suspensão em situação que quer ser mais generosa para a Administração Pública, por maioria de razão pune em situações em que essa generosidade menos se justifica", até por, acrescentamos nós, obediência ao princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18° nº 2 da C.R.P. O sublinhado é nosso.

XI - Em síntese, podemos afirmar que o disposto no artº 5º, nº 5 e 9 do C. E. aplica-se de igual modo, quer se trate de obra contínua ou não contínua, desde que a suspensão ou interrupção dos trabalhos dure há mais de dois anos e o pedido de reversão seja apresentado dentro dos prazos legais, como sucedeu no presente caso.

XII - A C. M. E. altera a sua posição sobre o conceito de obras contínuas e descontínuas, conforme aquilo que mais lhe interessa ou lhe é mais conveniente. Isto mesmo resulta do ofício nº 1069, datado de 20.06.2002 (Matéria 10 dos factos), onde se diz expressamente que "a construção destas vias constitui uma obra contínua, tendo uma configuração linear (...) inserindo-se num projecto articulado, global e coerente de requalificação urbana".

XIII - O entendimento seguido pelo acórdão recorrido não pode colher, por todas as conclusões supra e, ainda, por em última análise, conduzir a situações em que as obras podiam ficar suspensas perpetuamente ou "ad eternum", bastava para isso que estivéssemos perante uma obra única, no sentido de descontínua.

XIV - O legislador não quis, seguramente, consagrar com força de lei o princípio da suspensão perpétua para os casos de obras descontínuas, como erroneamente defende a tese do acórdão recorrido, sob pena de na prática o direito de reversão deixar de ter aplicação em casos como o dos autos.

XV - O Acórdão recorrido ao decidir como decidiu fez uma errada interpretação e aplicação da lei, designadamente do artigo 5° nº 5 e 9 do C.E. e dos artº 13º, 18 nº 2 e 62º nº 1 da C.R.P. que consagram os princípios da imparcialidade, da igualdade e da propriedade privada.

Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido e deferido o peticionado direito de reversão sobre a parcela de terreno expropriada.

2 - Em contra-alegações a entidade recorrida (fls. 199-206) e a CME (fls. 207-214), bem como o Mº Pº no parecer que emitiu, sustentam a improcedência do recurso.

+ Cumpre decidir.

+ 3 - MATÉRIA DE FACTO: O Acórdão recorrido, deu como demonstrada a seguinte matéria de facto: I - Por despacho proferido em 03.12.81 o Ministro da Justiça declarou de utilidade pública a expropriação urgente da parcela de terreno com a área de 17.750 m2, sita na Freguesia da Sé, concelho de Évora com destino à construção de um empreendimento habitacional, em que era requerente a aqui Recorrida Câmara Municipal de Évora (doc. n.º 3 da recorrente).

II - No âmbito do processo de expropriação n.º 3188, que correu seus termos no 2° juízo, 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Évora foi adjudicada à Recorrida, Câmara Municipal de Évora, no dia 27 de Fevereiro de 1989, a propriedade e posse do prédio sito na Quinta das ... com a área de 14.118 m2, a confinar do norte e Nascente com a Quinta da ..., sul com a Quinta do ... e poente com o caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º 17.123, fls. 74 do Livro B- 45, actualmente ficha n.º 00015 (doc. n.º 4).

III - A Recorrente, por requerimento, com data de 5.2.96, solicitou a reversão do mencionado prédio invocando em sua defesa que o prédio expropriado não foi afecto, no prazo legal, à construção do empreendimento habitacional, fim a que se destinava, face ao teor do despacho de sua Excelência o Ministro da Justiça, datado de 03.12.81.

IV - Sobre o referido requerimento não foi proferido qualquer acto expresso, pelo que se formou na ordem jurídica um acto tácito de indeferimento.

V - A Recorrente no dia 6.2.97 interpôs recurso daquele acto tácito de indeferimento, que correu seus termos pela 2.ª secção, 2.ª subsecção deste Supremo Tribunal Administrativo sob o n.º 41.736.

VI - No âmbito daquele recurso foi proferido por este Tribunal acórdão, datado de 6.10.98, que indeferiu a pretensão da Recorrente, confirmado por um outro proferido pelo Pleno da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal Administrativo, datado de 30 de Junho de 2000, onde se deram como provados os seguintes factos:

A) Por despacho de 3.12.81 do Senhor Ministro da Justiça foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela de terreno denominada Quinta das ..., com a área de 17 750 m2, situada na freguesia da Sé, concelho de Évora com destino a um empreendimento habitacional, em que era requerente a Câmara Municipal de Évora.

B) Por decisão Judicial de 27 de Fevereiro de 1989 foi adjudicada à CME a propriedade e posse do prédio sito na Quinta das ... com a área de...

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