Acórdão nº 01794/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução14 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1° Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A...., com sede na Av. ..., n° ...- ..., ... Vila Franca de Xira intentou contra o Estado acção de responsabilidade civil extracontratual pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 425 000 000$00, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento.

Por sentença do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, o Réu condenado ao pagamento de 51 409 800$00, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento (fls. 222 a 244).

Não se conformando com esta decisão, da mesma interpôs a recorrente-autora o presente recurso jurisdicional, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: "1) A sentença recorrida não condena o Estado Português no pagamento de juros moratórios sobre a indemnização calculada, devidos desde a data da citação até integral pagamento, conforme tinha sido peticionado; 2) Sendo a recorrente uma empresa comercial a taxa de juro anual aplicável deverá ser de 12%, nos termos do § 3° do art°102° do Código Comercial e da Portaria n° 262/99, de 12/4; 3) Deve entender-se o acórdão anulatório da secção do STA de 18/11/93 como um acto judicial recogniscitivo da ilegalidade do despacho de 11/5/90 do SEALOT; 4) De resto, ainda que assim não se entendesse, a decisão em causa foi ainda ilegal por outros motivos. Com efeito, e para resumir: a) o facto de o projecto da recorrente não se conformar com o PUCS não implicava necessariamente o respectivo embargo, pois o art°5° do DL. n°37 251 que o aprovou previa que a entidade governamental poderia autorizar derrogações às respectivas regras, expressa ou tacitamente; b) tendo a CM de Cascais enviado o projecto para a CCRLVT em 9/4/87, e não tendo esta respondido no prazo de 30 dias, mas só mais de 60 dias depois, o mesmo considerou-se tacitamente autorizado por aquele departamento governamental, nada impedindo o licenciamento camarário; c) na realidade, não se tratava de alterar o PUCS, sendo por conseguinte inaplicável o processo burocrático destinado a essa alteração, que é expressamente prevista não no art°5°, mas no § único do art°1° do citado DL.; d) é que um Plano, enquanto acto ou conjunto de actos normativos ou regulamentares, é insusceptível de alteração por quaisquer actos administrativos de licenciamento, ou pareceres ou autorizações que os preparem; e) essa confusão entre alteração do Plano e autorização para o não seguimento (pontual) das respectivas regras está na base do despacho recorrido que ordenou o embargo e inquina-o por erro de direito; f) erro este que se estende manifestamente ao pressuposto de não ter havido autorização tácita validamente prestada pela CCRLVT, no qual o mesmo acto se apoia; g) segundo o art°8° do DL. n°37251, a manutenção em vigor do PUCS para além do prazo inicial de 5 anos dependia de despacho expresso do Ministro das Obras Públicas, ouvido o Conselho Superior de Obras Públicas, despacho esse que nunca foi emitido; h) assim, e por obra do próprio juízo antecipadamente emitido pelo legislador, o mesmo PUCS acha-se desactualizado e caducado, não podendo ser aplicado, nem invocado o preceito do art°6° do diploma que o aprovou para nele se abrigar o embargo de obras realizado contra o PUCS; i) de resto, mesmo que não existisse aquele art°8°, sempre se estaria actualmente perante um instrumento urbanístico materialmente desactualizado, face aos mais de 40 anos decorridos desde a respectiva concepção, e à enorme transmutação física, ambiental, humana e funcional que entretanto sofreu a zona da linha do Estoril, convertida em zona maioritariamente de residência permanente; j) acresce que, para serem aplicadas, as disposições limitativas do Plano, as plantas de zonamento e as prescrições de onde decorreria a proibição (relativa) de no local se construir um edifício com as características do da recorrente teriam de estar publicadas; l) não o tendo sido, e ficando os administrados privados do acesso público às limitações incidentes sobre o seu direito de propriedade, o acto impugnado surge desapoiado de qualquer suporte legal habilitante (art° 122 n°2 da CRP), m) se por hipótese estivessem ainda em vigor, as disposições dos arts. 4°, 5° e 6° do citado DL. n°37 251 seriam materialmente inconstitucionais, na medida em que consagram uma forma de tutela correctiva a priori sobre as autarquias, com alcance e efeitos derrogatórios muito mais vastos do que a mera tutela de legalidade actualmente admissível; n) pressuposto do embargo previsto no DL. n° 37 252 é que a obra não possua virtualidade para ser legalizada; o) tal pressuposto não foi sequer equacionado pelo despacho recorrido, o que integra erro de direito; p) além disso, a opção entre a legalização da obra e o embargo sempre teria de ser feita em execução do princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que forçosamente imporia no caso da recorrente a primeira solução, dado o escassíssimo impacto da construção na zona, já pejada de prédios similares e a uma cota bastante superior à do prédio em causa, localizado numa zona baixa do declive do terreno; q) de qualquer modo, o despacho recorrido é omisso acerca dos motivos que teriam conduzido à opção pelo embargo em detrimento da legalização da obra, e por isso enferma de insuficiência de fundamentação; r) por tudo isto, o despacho recorrido viola o disposto nos seguintes preceitos legais e constitucionais: arts. 1° § único, 5º, 6° e 8° do DL. n°352/87, de 6/11, DL. n° 494/79, de 21/12, os arts. 46° e 47° do DL. n° 130/86, de 7/6, o Dec. Reg. n° 59/87, art°2°, o art°l° do DL. n° 256-A/77, os arts. 122° n° 2, 6° e 237° da CRP e os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade constantes do art°266° n°2 da mesma Constituição; Veja-se a este propósito, com mais desenvolvimento o doc. n° 9 da petição inicial para o qual se remete e que se considera aqui inteiramente reproduzido; 5) - Entendeu a douta sentença recorrida que se a CCRLVT tivesse remetido o projecto da obra à DGOT o desfecho teria sido diferente, visto que no caso de ser indeferido a recorrente não teria efectuado qualquer investimento na construção do edifício e por isso foi violado o dever de boa administração; 6) Considerou-se, no entanto, que a culpa do Estado neste acto ilícito é diminuída pela culpa da recorrente em apresentar uma pretensão de construção alegadamente ilegítima e que por isso, nos termos do art°570° n° 1 do CC, a indemnização deveria ser reduzida em 50%; 7) Sucede que o art°570° n°1 do CC não é aplicável neste caso já que a pretensão da recorrente não era ilegítima visto que, como se demonstrou, o PUCS era ilegal; 8) Mas, mesmo que assim não se entenda, não há razões para que o mesmo aplicando o art°570° n°1 do CC a indemnização não seja totalmente concedida, como esta disposição legal prevê ser possível, visto que entende a este propósito a melhor doutrina que: «É de manter toda a indemnização se a culpa do agente for de tal forma grave em confronto com a actuação do lesado que não justifique a redução», como manifestamente sucedeu neste caso; 9) Posto isto, haverá de se concluir que o mesmo aceitando o cálculo da indemnização feito na douta sentença recorrida o valor da indemnização nunca poderia ser inferior a 102 819 600$00, acrescido de juros à taxa legal devida para as dívidas comerciais (12% ao ano) desde a data da citação até integral pagamento; 10) Por outro lado, terá de se tomar em consideração que a sentença recorrida não contabiliza para efeitos de indemnização a diferença de valor entre o capital inicial e o capital reinvestido na 5ª obra que resultou precisamente do reinvestimento dos lucros gerados; 11) Assim, enquanto na primeira obra o capital existente para investir é de 120 000 000$00, na 5ª obra já é de 342 732 000$00 e é óbvio que também esta diferença (222 732 000$00) tem de ser indemnizada, pois este é um acréscimo de riqueza que em condições normais seria gerado pela utilização do capital inicial; 12) Assim, mesmo seguindo a lógica da sentença recorrida, a indemnização devida deverá ser correspondente à soma da quantia de 222 732 000$00 (diferença entre o capital da 1ª obra e da 5ª obra) e da quantia de 102 819 600$00 (lucro da 5ª obra), ou seja, a quantia de 325 551 600$00; 13) A não ser assim, o reinvestimento do lucro não compensaria pois bastaria à recorrente que tivesse sempre reinvestido o capital inicial de 120 000 000$00 e guardasse para si o lucro de cada obra de 36 000 000$00, sem o reinvestir, para ao fim de cinco obras ter um ganho de 180 000 000$00, bem superior aquele que a sentença recorrida entende ser o valor a indemnizar; 14) No entanto, entende a recorrente que o valor da indemnização deve ser o peticionado na sua acção de indemnização; 15) Assim, deve a recorrente ser compensada pelo prejuízo líquido de 25 000 contos que resulta da diferença de custos entre a obra na altura em que foi embargada e o momento actual; 16) Bem como do prejuízo decorrente da impossibilidade da recorrente de durante todos estes anos dispor do capital que auferiria pela venda dos andares em 1990/1991 que pode ser estimado em 400 000 contos; 17) Deve, por isso, ser o recorrido Estado Português condenado a pagar uma indemnização de 425 000 000$00, correspondente a 2 119 891,06 euros, acrescida de juros devidos para as dívidas comerciais (12% ao ano) desde a data de citação até integral pagamento".

Nas suas contra-alegações defende o recorrido que este tribunal deve negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença agravada o tribunal "a quo" deu como assentes os seguintes factos: a) Por escritura pública de 1989/4/10, a A. comprou ao anterior proprietário o lote n°6 que fazia parte do loteamento aprovado pela Câmara Municipal de Cascais e titulado pelo alvará n° 877/89, compreendendo um terreno para construção sito na Galiza...

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