Acórdão nº 0137/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em subsecção, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A... e mulher B..., com os sinais dos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, contra o Hospital Distrital de Famalicão, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 20 100 537$00, acrescida de juros de mora, desde a citação.

Fundamentaram a sua pretensão em responsabilidade civil, por actos ilícitos culposos no âmbito de actos de gestão pública, decorrentes da falta de assistência médica ou medicamentosa à menor, sua filha C..., que deu entrada no Serviço de Urgência daquele Hospital, pelas 02H do dia 27.MAI.94, vindo a falecer pelas 11H30 do mesmo dia, no Hospital de S. João, no Porto.

1.2.

Por sentença de fls. 197/214, a acção foi julgada improcedente, por não se ter provado a existência de nexo causal entre a conduta omissiva e culposa do Réu (que se julgou ter havido) e a morte da vítima.

1.3.

Interposto recurso para este STA, o Acórdão de 20.2.2002, de fls. 264/282 anulou a sentença, por considerar indispensável ampliar a matéria de facto. Determinou aquele Acórdão que se apurasse o seguinte: "Se a menor tivesse sido sujeita a vigilância e observação médica efectivas no hospital Réu, entre as 4H00 e as 8H00, teria sido possível diagnosticar a doença e tratá-la, evitando a morte?" 1.4.

Repetindo o julgamento, o TAC do Porto veio a proferir a sentença de fls. 382-400, na qual voltou a julgar a acção improcedente, novamente por falta de demonstração de nexo de causalidade entre a conduta do Réu e a morte da vítima.

1.5.

Inconformados, os autores deduzem o presente recurso, concluindo nas respectivas alegações: "1 - Porque dos autos (fls. 314 a 317 e 331 e seguintes) constam todos os elementos que levaram à resposta "não provado" dada ao quesito n.º 66-A; 2- E porque tal resposta "não provado" não está conforme a realidade fáctica decorrente do relatório de fls. 314 a 317 e esclarecimentos de fls. 331 e seguintes, deve a resposta "não provado" ser alterada e em sua substituição, de acordo com o texto desta alegação, 3- E à pergunta constante do quesito n.º 66-A da base instrutória "se a menor tivesse sido sujeita a vigilância e observações médicas efectivas no Hospital Réu, entre as 4h-00 e as 8h-00, teria sido possível diagnosticar a doença e tratá-la, evitando a morte?".

4- Deverá ser dada a resposta: "Se atempadamente diagnosticada, e podia tê-lo sido (a manutenção de altas temperaturas; as manchas cor de sangue ao longo do corpo - às 03 horas; lesões difusas tipo manchas azuladas com formas e contornos irregulares ao longo do corpo da doente - às 05 horas são indícios evidentes) e se seguida dos cuidados (punção lombar, hemoculturas) e terapêutica adequada, em princípio é possível evitar a morte".

5- Doente, a C..., foi entregue aos cuidados dos Serviços de Urgência do Hospital R., especificadamente aos cuidados e responsabilidade da Dr.ª ...; 6- Pela referida Dr.ª ..., não foi diagnosticada a doença, que medicou uma meningococemia fulminante, como se tratasse uma simples constipação; 7- Para além de não diagnosticar a doença (não obstante o quadro já evidente à hora da chegada, às 02h-00m de 27/5/94 e explosivo às 05h-00m) entendeu internar a doente para observações; 8- Mas manteve a doente até às 08h-00m da manhã votada ao mais completo abandono, sem qualquer espécie de assistência médica ou medicamentosa; 9- Todo o comportamento da Dr.ª ... aponta para um crime de homicídio por negligência; 10- Não obstante a partir das 08h-00m outro médico do Hospital R. ter iniciado as diligências que se impunha a fim de tentar salvar a doente, não o conseguiu; 11- As diligências concretizadas já o não foram atempadamente; 12- A terem sido atempadamente concretizadas a C... estaria ainda hoje entre nós; 13- E não está. Não está por culpa da Dr.ª ... que por omissão levou a tal resultado; 14- Há efectivamente nexo de causalidade entre o comportamento da Dr.ª ..., médica do R., e a morte da C... (dano correspondente), tivesse a Dr.ª ... sido diligente, cuidadosa e interessada e teria actuado de acordo com as boas artes médicas e a C... estaria viva; 15- Pelo que deve o R. ser condenado no pagamento aos AA. da indemnização de 20.100.537$00 peticionada, bem como nos respectivos juros a contar da data da citação, 16- A, aliás douta, sentença recorrida, violou o disposto nos art. 514.° do Cód. Proc. Civil e art.° 483.°, 486°, 487.°, 495.°, 496.°, 501.° e 562.° todos do Cód. Civil.

Nestes termos e nos mais de direito aplicável deve: a) a resposta ao quesito n.º 66-A da base instrutória ser alterada nos termos propostos nos n.º 1, 2, 3 e 4 das conclusões; b) a, aliás douta, sentença recorrida ser revogada e substituída por, aliás douto, acórdão que, contemplando as conclusões enumeradas, condene o R. no pedido formulado".

1.6.

O Réu contra-alegou, concluindo: "a)- este recurso sobe tão só porque não foi considerado provado o quesito 66º A.

b)- Não há ofensa de direito nem está suscitada qualquer violação de Lei ou aplicação errada ou defeituosa de qualquer dispositivo legal substantivo e tão só disposição adjectiva sobre prova, pois, c)- o que se pretende é que a prova pericial tivesse proferido esta expressão ao quesito 66º A -"em princípio sim." Mas o que se lê na resposta dos peritos "NÃO". "Em princípio não".

"Não sendo possível afirmar que a todos os doentes com meningococcemia que ali (no Hospital S. João - Porto) acorrem é possível evitar a morte".

d)- Ora o Alto Tribunal não deve ser sujeito a rever a prova pericial nem a impor aos peritos resposta contrária à proferida e recolhida pelo Colectivo dos Senhores juízes de Direito.

e)- Pelo respeito à dor aos representantes da menor limita-se, pois, a solicitar de Vs.,Exas. que: 1- não seja revogada a resposta dos Peritos proporcionada por estes à pergunta que lhe foi apresentada e, consequentemente, 2- a não ser alterada a resposta do Colectivo ao quesito 66º A; 3- a não ser concedido provimento ao recurso e, 4- ser confirmada a douta sentença recorrida".

1.7.

O EMMP emitiu parecer em que, depois de indicar os elementos em que assentou a resposta de não provado dada pelo tribunal colectivo ao quesito 66.º A, considera que deve ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

  1. 2.1.

    A sentença considerou provada a seguinte factualidade "C... faleceu em 27.MAI.94, pelas 11h30, com sete anos de idade, vítima de meningococemia fulminante no Hospital de S. João do Porto e era filha dos AA.; Quando a menor foi transportada ao Hospital de V. N. Famalicão, foi recebida no respectivo Serviço de Urgência pela Dra ..., cerca das 02H00 do dia 27.MAI.94, a qual a mandou despir e indagou junto da A. mulher, sua mãe, pelo seu estado; Como a filha dos AA. C... sentisse dores na perna esquerda, apresentasse uma temperatura situada entre os 39,5° e os 41° e tivesse umas manchas vermelhas no abdómen e no pescoço, os AA., após as 02H00 do dia 27.MAI.94, transportaram-na ao Hospital de V. N. de Famalicão; Durante a viagem, a menor vomitou; Quando a menor foi transportada ao Hospital de V. N. Famalicão, foi recebida no respectivo Serviço de Urgência pela Drª ... , cerca das 03H00 do dia 27.MAI.94, a qual a mandou despir e indagou junto da A. mulher, sua mãe, pelo seu estado; Na ocasião, mediante solicitação da Drª ..., a A. mulher narrou tudo o que ocorrera com a menor na véspera; Nessa altura, a Drª ... introduziu um supositório marca "Benuron 500mg" na menor; Nesse momento, a A. mulher chamou a atenção da Drª ... para a circunstância da menor apresentar manchas de cor de "sangue" ao longo do corpo; Mais esclareceu que tinha esfregado a menor com "Nifloril" questionando se a existência das manchas se deveria a tal circunstância; Perante essas dúvidas, a Dra ... elucidou a A. mulher no sentido das manchas se deverem a "sarna" ou a qualquer outra alergia; De seguida a Dra ... observou os ouvidos, a boca e a garganta da menor, tendo constatado que a criança apresentava a garganta com coloração avermelhada; Mais determinou que esperassem durante meia hora a fim de se aguardar pela descida da temperatura da menor; Nesse momento a A. mulher interpelou aquela médica quanto a saber que tipo de exames e de análises iriam fazer à sua filha, tendo a Dra ... respondido que somente pela manhã se iria indagar pela necessidade de tal; Na ocasião, eram cerca de 03H30, tendo-se a médica ausentado; Ao fim de meia hora, a Dra ... constatou que a temperatura da menor continuava elevada; Em virtude da menor continuar a apresentar temperatura elevada, a Dra ... informou os AA. que seria conveniente que a criança permanecesse no Hospital durante a noite, ao que estes anuíram; Após, a A. mulher e a menor foram recolhidas num compartimento das instalações em que funcionava o SU do Hospital Distrital de Famalicão, onde permaneceram durante a noite; Entretanto, a médica recomendou à A. mulher que, dentro de meia hora, voltasse a tirar a temperatura à sua filha e que, caso a mesma se mantivesse elevada, lhe desse uma dose de "Brufen", o que aconteceu por volta das 04H30, após a A. mulher ter verificado que a temperatura da sua filha se situava na ordem dos 40°; A criança tomou o medicamento com dificuldade e rejeitou-o de seguida, cuspindo-o, após o que lhe foi administrada nova dose; Cerca das 08H00 chegou a Dra ..., tendo a mãe da menor posto a médica ao corrente da situação, informando-a de que a sua filha não se encontrava melhor e que tinha muitas manchas na barriga, que lhe mostrou; Então a Dra ... informou a A. mulher que ia chamar um médico; Algum tempo após, a Dra ... regressou acompanhada de um médico, altura em que a menor já apresentava manchas no rosto; Nesse momento, o referido médico informou que suspeitava da gravidade do estado da menor, pelo que esta iria fazer análises, tendo sido conduzida numa maca para o Serviço de Pediatria; Em...

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