Acórdão nº 0529/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) B..., id. a fls. 2 dos autos, interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do acto do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE POMBAL, de 31.11.2000, que, segundo a recorrente, indeferiu um seu requerimento em que pedia fosse ordenada a demolição da construção erigida pela recorrida particular A... LDA, no lote 11 do loteamento por si promovido, referente ao Proc. nº 7/91, e que deu origem ao alvará de loteamento nº 1/92, por alegada desconformidade com o loteamento aprovado e respectivo alvará, imputando ao acto recorrido vícios de violação de lei e de forma por preterição de audiência prévia.

Por despacho judicial de 18.03.2002 (fls. 113/114), foi determinada a suspensão da instância, nos termos dos arts. 4º, nº 2 do ETAF e 279º, nº 3 do CPCivil, até se mostrar decidida a acção ordinária nº 62/99 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal, intentada pela ora recorrente contra a ora recorrida particular.

Interposto recurso jurisdicional deste despacho, veio o mesmo a ser revogado, e ordenada a baixa do processo ao tribunal a quo para prosseguimento dos seus termos, por acórdão deste STA de 03.06.2003 (fls. 212 e segs. dos autos).

Após algumas vicissitudes processuais, e por despacho judicial de 19.12.2003 (fls. 301 a 312), foram julgadas improcedentes as questões prévias suscitadas pela autoridade recorrida (irrecorribilidade do acto) e pela recorrida particular (ilegitimidade activa da recorrente e ilegitimidade passiva do Presidente da C.M.Pombal).

Deste despacho vem interposto pela recorrida particular A... recurso jurisdicional para este STA, em cuja alegação (fls. 438 e segs.) a mesma formula as seguintes conclusões: A)Reza o artigo 38º nº 5 do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, que decretada a caducidade do título que materializa o acto de licenciamento, esta (a caducidade) opera os seus efeitos quanto aos lotes em que não tenham sido levadas a cabo edificações, previamente licenciadas nos termos gerais.

B)Resulta dos autos que foi declarada a caducidade do alvará de loteamento e a mesma averbada na respectiva descrição predial, bem como de que a única edificação existente, licenciada, e consequentemente, salvaguardada dos efeitos da caducidade, é a habitação colectiva erigida no lote 11. Assim, fica claro que o único lote existente, na acepção de lote enquanto realidade jurídica, é o lote 11.

C)Desde 1998, data em que foi averbada a caducidade do alvará de loteamento, todos os demais lotes deixaram de existir enquanto tal e passaram apenas a ter correspondência com o espaço físico onde antes estes existiram, e que encontram a sua tradução física num terreno do qual, recorrente e recorrida particular, são forçosamente donas, por culpa exclusiva da recorrida que deixou caducar o respectivo alvará por não levar a cabo as obras de loteamento que lhe competiam.

D)Ora "O interesse em que se funda a legitimidade para o recurso contencioso tem de ser actual e não pretérito em relação à data da interposição" - Ac. do STA em www.dgsi.pt. com o nº de processo 8386, e à data da entrada do requerimento, prolação do acto e interposição do recurso, a recorrente apenas era dona de uma parte indivisa de um prédio (em compropriedade com a recorrida particular) e não de qualquer lote, sendo mesmo descabido, juridicamente, falar-se de lote 13.

E) A isto acresce ponderar, ao contrário do que faz a decisão recorrida, que não é "óbvio, por manifesto, que esse acto licenciatório contende com o direito de propriedade da recorrente", porque o que vai dito no despacho deve ser interpretado de forma restritiva, uma vez que não se crê que o Tribunal a quo já se tenha pronunciado sobre o fundo da questão. E se já se tivesse pronunciado tal constituiria manifesta surpresa e que o tivesse feito, F) E não poderia sequer o Tribunal recorrido afirmar nesta fase processual que esse licenciamento colide com o direito de propriedade da recorrente, uma vez que apenas conhece a informação constante do técnico da mesma.

G)O que não significa que a mesma seja verdadeira, ou sequer que a mesma corresponda à realidade, até porque o Tribunal não levou a efeito qualquer diligência probatória para se pronunciar no sentido em que o fez, nomeadamente visando apurar se não é o desenho do projecto de loteamento que não tem correspondência com a realidade e se não foi a loteadora que a adulterou, e só assim foi permitido edificar onde o foi, e licenciar nos termos em que o foi.

H)E veja-se que assim será, tanto que o Tribunal Judicial de Pombal deu por provado na acção ordinária 62/99 que, tendo o loteamento incidido sobre o prédio 04251 descrito na C.R.Predial de Pombal, o elemento definidor dessa linha de estrema Norte (do prédio loteado) de acordo com a planta síntese era um muro com contra-fortes ou muro velho.

I) E este muro e sapatas estavam implantados fora dos limites do prédio loteado e próximo da linha de estrema deste, sendo tal facto do conhecimento da Autora, aqui recorrida - Ver requerimento e documento que deu entrada em 18.11.2003, de Fls 259 e seguintes e respostas aos quesitos 33 a) e 33 b). Adulterou ou não a recorrente B... o loteamento ao apresentar um projecto que foi aprovado e cujos limites dos lotes estão fora do seu prédio? Ê por demais evidente que sim.

J) Do exposto, e corroborado pela posição da recorrente, o acto que em sua tese lhe poderá afectar a sua esfera será sempre o acto de licenciamento e nunca o "acto" que lhe indefere a requerida demolição.

K)Mas porque é que a recorrente não recorre do acto de licenciamento? Porventura, porque a fls. 15 dos autos consta uma certidão da Câmara Municipal que também constata que "as estacas colocadas pelo topógrafo da loteadora que definem o lote 13 não ficam à distância prevista, no projecto do loteamento, ao eixo da estrada", ou seja, se nem o lote 11 ou o 13 constantes do projecto de loteamento têm correspondência precisa na realidade, não será então o projecto de loteamento apresentado que a "distorceu "? E em tal circunstância, de quem procede a culpa? Não será da loteadora? Pergunta-se.

L) A legitimidade das partes é o pressuposto processual através do qual a lei selecciona os sujeitos admitidos a participar em cada processo, e em concreto, a recorrente poderia interpor o presente recurso se tivesse um interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto, e este interesse resultaria caso da procedência do mesmo adviesse uma vantagem ou benefício para a recorrente e que se projectasse imediatamente na sua esfera jurídica.

M)A legitimidade terá de ser aferida pela titularidade da relação jurídica controvertida, tal como configurada pela recorrente, e, em consonância com o nº 4 do artigo 268º da C.R.P., terá de ser na lesão das suas posições subjectivas que o interessado deverá fazer radicar o título jurídico que o habilita a recorrer ao Tribunal - neste sentido vide Ac. do STA de 05.11.98 proferido no processo nº 35738 em que é relator Santos Botelho e disponível em www.dgsi.pt.

N)Apenas dos artigos 15.° e 16° da p.i. de recurso decorre um esboço da legitimidade activa pela qual a recorrente pugna, mas falecem de oportunidade a dedução de eventuais vicissitudes que se repercutam no lote 12 pois daí não deriva à recorrente ou interesse jurídico (artigo 15.°), nem que "tais reflexos estendem-se igualmente ao lote 13, na medida em que, ao delimitar o lote 12, o respectivo proprietário ocupou parte daquele".

O)É então este o âmago da questão: a recorrente recorre de um acto que na sua óptica lhe indefere a demolição no lote 11, mas o acto que a prejudica, afinal é a delimitação levada a cabo no lote 12. Resulta à evidência que se existe alguma obra que prejudica a recorrente, o que não se concede, será sempre e tão só essa obra de delimitação do lote 12, que, na sua perspectiva, lhe ocupa parte do lote 13. Nada mais contende com o seu direito.

P) Temos que daqui, face ao alegado, carece a recorrente de qualquer interesse directo na medida em que o beneficio resultante da peticionada anulação do acto não se repercute na esfera da recorrente.

Q)Do mesmo modo, e do que vai exposto, o interesse também não é pessoal, pois qualquer consequência da anulação do mesmo não se repercute ou projecta na esfera jurídica do interessado, que não está minimamente impedida de edificar, assim que "ressuscitar" o alvará de loteamento.

R)Ao que vai dito em termos de legitimidade, acresce considerar que a recorrente nem sequer é proprietária de qualquer lote, antes comproprietária (pelo menos com a recorrida particular) de uma parcela de terreno de um espaço físico onde tinham sido postos os lotes 12 e 13, e isto porque deixou caducar o respectivo alvará, enquanto que a recorrida particular, porque edificou uma obra licenciada no lote 11, é titular de uma parcela destacada, o que decorre ex lege da caducidade do alvará de loteamento.

S) Para aferir se um acto é contenciosamente recorrível passará por aquilatar se o acto é lesivo ou não dos interesses da recorrente, questão essa que já se encontra prejudicada pelo quanto supra se expôs relativamente à falta de legitimidade activa da recorrente, o que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

T) E o que leva a concluir que, carecendo a recorrente de interesse directo ou pessoal que lhe legitime e dai extraia consequências que se lhe reflictam na sua esfera jurídica decorrentes da anulação do acto, então este carece de lesividade externa.

U)Aliás, a ausência de lesividade externa e falta de legitimidade são referidas no próprio acto recorrido quando, a final, se afirma que uma "eventual incorrecção da implantação no lote 11 não se reflecte no lote, dado ser do nosso conhecimento que os lotes 11 e 12 são do mesmo proprietário", V)É o próprio acto recorrido que esclarece no sentido de que qualquer eventual e incorrecta implantação ocorrida no lote 11...

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