Acórdão nº 01127/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2006

Data25 Janeiro 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso dos despachos do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Mafra datados de 24-3-99, 23-12-99 e 18-1-2000, proferidos no âmbito do processo camarário n.º 01-630/98.

No despacho saneador (Foi proferido um outro despacho saneador, que consta de fls. 45-46, de que foi interposto recurso pela Recorrente (fls. 48), mas o processado posterior à resposta da Autoridade Recorrida foi considerado anulado pelo despacho de fls. 108, interpretado pelo despacho de fls. 153.), proferido pelo Meritíssimo Juiz do 1.º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que sucedeu na competência daquele T.A.C., foi decidido, além do mais, rejeitar o recurso contencioso por ilegitimidade da sua interposição, por ocorrer ilegitimidade activa quanto aos actos de 23-12-99 e 18-1-2000 e por irrecorribilidade quanto aos actos de 24-3-99 e 23-12-99.

Inconformada a Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1.ª Ao rejeitar o recurso entendendo que os actos contra os quais a recorrente pretende reagir (actos que legalizaram as obras) não são aqueles que se mostram identificados na petição mas sim o acto de 7.7.99, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 838° do Código Administrativo, 40° do DL 267/85 (LPTA) e 508° do CPC, normativos que no caso vertente sempre imporiam a apreciação do mérito do recurso, ainda que precedida de convite para corrigir a identificação do acto impugnado.

  1. As normas que estabelecem ónus ou requisitos processuais - o que é o caso, por exemplo, do ónus de identificação do acto recorrido (v. art. 36° /1/ c) da LPTA) - devem ser interpretadas à luz da garantia constitucional da tutela judicial efectiva (v. arts. 20° e 268°/4 da CRP), não podendo as mesmas excluir da via contenciosa a quem aí se apresente como titular de um interesse jurídico digno de tutela, o que é o caso da ora recorrente na situação dos autos.

  2. A exigência da interpretação das normas processuais em conformidade com a tutela judicial efectiva, entre outras consequências, "deve levar ao postergar de interpretações meramente ritualistas e formalistas do quadro normativo que sobre eles disponha", sendo certo que "os requisitos formais não são valores autónomos, que tenham substantividade própria, antes se reconduzindo a meros instrumentos para atingir uma finalidade legítima." (cfr., Acs. do STA de 05/13/2004, no Proc. n. ° 186/04, de 2/6/1999, Proc. 44.498 e de 9/4/2002, Proc. 48.200 in www.dgsi.pt).

  3. Permitindo a petição apreender com total clareza o sentido da vontade anulatória da recorrente como sendo o de anular o acto que o Tribunal identifica como tendo sido praticado em 7.7.99, deveria o Tribunal a quo conhecer do objecto do recurso, prefigurando oficiosamente como acto objecto do recurso esse acto que o Tribunal identificou na sentença recorrida como devendo ser "o acto recorrível", ou se assim não se entendesse, sempre estaria obrigado a convidar a recorrente a corrigir a petição nela indicando o despacho de 7.7.99 (v. arts. 838° do Cód. Adm. e 508° do CPC).

  4. Independentemente do que se acaba de concluir nas conclusões antecedentes, ao decidir pela irrecorribilidade dos actos de 24.3.1999 e de 23.12.1999 por considerar estes meros actos de aprovação de projectos de arquitectura e, por isso, preparatórios do acto final de licenciamento, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pois nem a apontada categoria de actos é irrecorrível (em face dos arts. 20° e 268° da Constituição), nem no caso vertente o objecto desses actos se esgota na aprovação de projectos de arquitectura (aprovam igualmente as telas finais), nem tão pouco foram praticados num processo de licenciamento (são praticados em processo de legalização).

  5. A consagração do direito de recurso contra quaisquer actos administrativos lesivos (art. 268 da CRP) compreende tanto a recorribilidade das actuações lesivas finais como a daquelas que foram praticadas no decurso de um procedimento administrativo, pelo que, ao contrário do pressuposto pela decisão recorrida, a aprovação do projecto de arquitectura tem natureza lesiva e é recorrível (cfr. ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA, Ob. Loc. cits, pág. 33).

  6. Não é correcto o pressuposto afirmado na sentença recorrida de que o despacho de 24.3.1999, se reduza a aprovar um projecto de arquitectura, preparatório de uma decisão final de licenciamento, pois o que se observa do teor desse despacho, é que o mesmo defere "o projecto de arquitectura das alterações, bem como as telas finais" (cfr. fls. 119 do Processo instrutor), aprovando desse modo alterações que foram introduzidas ao projecto no decurso da execução da obra e nada tendo que ver, portanto, com um acto meramente preparatório da decisão final de licenciamento.

  7. Ao contrário do pressuposto pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, os actos recorridos não são actos típicos inseridos num processo de licenciamento de obra particular mas sim actos praticados no âmbito de um processo de legalização de obras construídas, e por isso sujeitos a um regime jurídico diferente, sendo o acto impugnado de 24.3.1999 uma declaração de vontade constitutiva - legalizando a obra - produzindo efeitos jurídicos imediatos numa situação jurídica substantiva e concreta, e sendo estruturalmente idóneo para, a título autónomo, produzir efeitos, directa e imediatamente lesivos da esfera jurídica da recorrente.

  8. Ao decidir que a recorrente não dispõe de legitimidade activa para impugnar os actos de 23.12.99 e de 18.1.2000, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 821° do Código Administrativo e 200/1 e 268°/4 da Constituição da República, pois atenta a causa de pedir e todo o alegado na p.r., assiste legitimidade à recorrente para a impugnação dos actos recorridos, designadamente os despachos impugnados de 23.12.99 e 18.1.2000.

  9. No caso concreto, o acto de 18.01.2000 que a sentença recorrida considera não poder ser impugnado pela recorrente por não ser lesivo de direitos e interesses desta, é o acto final da complexa sucessão de actos praticados no procedimento pelo qual foi legalizada a obra sub judice, resultando dessa anulação um benefício com imediata repercussão para a sua esfera jurídica.

  10. Mesmo que o recurso contencioso interposto pela recorrente devesse ser rejeitado - o que aqui apenas se equaciona por mera hipótese académica - a decisão sub judice não poderia ser mantida por, enfermar mesmo nessa hipótese, de erro de julgamento, ao decidir que a ora recorrente poderia impugnar o despacho de 7.7.99 num novo e autónomo processo a instaurar, "quanto aos vícios de nulidade de que o mesmo se encontre inquinado, já que a nulidade é invocável a todo o tempo" - cfr. sentença recorrida - pois, nunca se poderia aceitar que em caso de rejeição do recurso a nova acção a interpor pela recorrente para a impugnação do acto de 7.7.99 ficasse restrita aos vícios de nulidade que afectam esse acto, premiando desse modo a Administração que "ocultou esse acto" e até, muito para além disso, apresentou à recorrente outro acto como sendo aquele outro.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida com as legais consequências.

A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

  1. A sentença recorrida não enferma de erro de julgamento e não viola o disposto nos arts. 838.º do Código Administrativo, 40.º da L.P.T.A. e 508.º do C. P. Civil.

  2. Com efeito, essas normas não permitiam que fosse proferido despacho de aperfeiçoamento da petição, com vista a que fosse indicado que o recurso abrangia ainda outro acto administrativo.

  3. A recorrente consultou o processo administrativo onde foram proferidos os actos impugnados e onde se encontrava também exarado o despacho de 7.07. 1999, pelo que, se não impugnou este despacho, a si o deve.

  4. Os despachos de 24.03. 1999 e 23. 12. 1999 são meramente preparatórios das decisões finais representadas pelo licenciamento das obras, pelo que são irrecorríveis.

  5. A recorrente não detém legitimidade para impugnar os despachos de 23.12.1999 e 18.05.2000.

  6. Na verdade, estes últimos despachos respeitam a uma obra que consiste na eliminação de uma janela inicialmente prevista.

  7. Essa eliminação não...

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