Acórdão nº 0733/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1.A... (id. a fls. 1) interpôs no T.A. C. de Coimbra recurso contencioso da deliberação da Câmara Municipal de Santarém, de 24-9-98, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

1.2.Por sentença do T.A.C. de Coimbra proferida a fls.78 e segs foi negado provimento ao recurso contencioso.

1.3.Inconformado com a decisão referida em 1.2, interpôs o Recorrente recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo que, por acórdão de fls. 146 e segs., lhe negou provimento.

1.4.O Recorrente interpôs recurso para o Pleno da 1ª Secção do acórdão do T.C.A. referenciado em 1.3, com fundamento em oposição de julgados.

Indicou como acórdão fundamento o proferido em 8/5/03, pela 1ª Secção, 2ª Subsecção do T.C.A., cuja certidão, com indicação do respectivo trânsito em julgado, consta a fls. 194 e segs.

1.5.A fls. 222 e segs foi proferido acórdão, no Pleno da 1ª Secção, julgando verificada a invocada oposição de julgado e ordenando o prosseguimento do recurso.

1.6.O recorrente A... apresentou as alegações de fls. 235 e segs, que concluiu do seguinte modo: "A questão jurídica que importa conhecer e decidir no recurso prende-se em saber se nos recursos contenciosos que obedecem á tramitação do artigo 24.°, alínea a) da LPTA, concretamente no caso de terem sido interpostos de actos praticados por órgãos da administração local que imponham sanções disciplinares, é ou não obrigatória a elaboração de base instrutória (especificação e questionário) no caso de alegação de matéria de facto controvertida.

No sentido negativo se entendeu no acórdão recorrido, para tanto se ponderando que, em suma, "nos recursos interpostos da decisões disciplinares, o tribunal, em princípio, aprecia a decisão recorrido á luz do que consta do processo disciplinar, não havendo, por isso, que organizar especificação e questionário, pois os elementos a ter em atenção são apenas os já existentes no processo disciplinar".

Diversamente, com respaldo no acórdão fundamento, o recorrente vem defender a obrigatoriedade da elaboração de base instrutória sempre que exista matéria de facto controvertida no recurso contencioso, só assim sendo possível ao tribunal "proceder ao controlo da materialidade dos factos de modo a averiguar se ocorreram ou não os pressupostos de facto em que se baseou a punição", sob pena de se postergar o princípio da presunção da inocência e se deixar o recorrente sem tutela judicial efectiva.

Afigura-se-nos que neste dissídio jurisprudencial a razão está do lado do acórdão fundamento em que se acolheu o recorrente.

Com efeito, constitui jurisprudência firme deste Supremo Tribunal o entendimento segundo o qual, em face do artigo 24.°, alínea a) da LPTA, na observância da tramitação regulada no Código Administrativo, designadamente nos seus artigos 845.º e seguintes, há obrigatoriamente lugar à elaboração de especificação e questionário no despacho saneador com vista á preparação da sequentes fase de instrução, sempre que exista matéria de facto sujeita a controvérsia - confrontar acórdãos de 14-1-98, 26 -10 -95, 3-5-01, 2-3-00, 6-7-04, 13-1-04 e 20-4-04, nos recursos n.°s 38.479, 37.763, 47.162, 44.707,1147/03, 176 1/02 e 335/03, respectivamente.

Ora, a nosso ver, a situação "sub judice", em que no recurso contencioso se encontra impugnada a materialidade dos factos em que assentou a sanção disciplinar, não pode revestir excepção a essa obrigatoriedade da elaboração de um questionário de base instrutória tendente á fixação dos pontos de facto controvertidos cujo apuramento seja relevante para a resolução do recurso.

Bem, pelo contrário, no caso de sanções disciplinares a elaboração dessa base instrutória e sequente produção de prova apresenta-se com uma dimensão essencial a um eficaz e cabal exercício dos instrumentos garantísticos de defesa do recorrente e de tutela judicial efectiva, não sendo, deste modo, de acolher a tese adoptada no acórdão recorrido de que apenas a releva a prova produzida no processo disciplinar, tanto mais que daí parece resultar uma inibição de, ulteriormente e em qualquer caso, o tribunal poder determinar a realização de diligências probatórias.

Neste contexto, sendo certo que o apuramento da matéria de facto que vem controvertida se reveste de interesse relevante para a decisão da causa, a constatada omissão da elaboração da especificação e questionário de acordo com o disposto no artigo 845.° do CA configura a nulidade prevista no artigo 201.° do CPC (cf. acórdão de 12-12-96, no recurso n.° 40.962), daí decorrendo a nulidade, de todos os actos subsequentes a tal omissão.

Termos em que se é de parecer que o recurso merece obter provimento, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido." O Exmº Magistrado do Mº. Público junto deste S.T.A. emitiu o parecer de fls. 247 e 248, que se transcreve: "1ª Está assente que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento perfilharam igualmente soluções completamente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, porquanto, - o acórdão fundamento considerou que nos recursos de decisões disciplinares o juiz a quo estava obrigado, pelo referido art° 845° do Cód. Administrativo, a quesitar todos os factos controvertidos resultantes do procedimento disciplinar, pelo que não o tendo feito teria incorrido na prática da nulidade prevista no art° 201º do CPC; - o acórdão recorrido concluiu que o recurso contencioso não constitui uma renovação ou revisão do processo disciplinar, pelo que nos recursos interpostos das decisões disciplinares o Tribunal não tem que organizar a especificação e o questionário dos factos controvertidos, daí resultando que tenha entendido não haver lugar à aplicação do art° 845° do Cód. Administrativo, não tendo, por isso, o Tribunal a quo incorrido na nulidade prevista no art° 201° do CPC.

  1. Salvo o devido respeito, e sob pena de se continuar a fazer uma aplicação de normas já caducas por inconstitucionalidade superveniente, de se postergar o princípio da presunção da inocência e de se deixar o recorrente sem tutela judicial efectiva, a solução a dar ao conflito originado entre os acórdãos recorrido e fundamento não poderá deixar de passar pela adesão aos fundamentos deste último, reconhecendo-se a obrigatoriedade do Tribunal elaborar a base instrutória sempre que os factos constantes do procedimento disciplinar sejam questionados em juízo pelo recorrente Na verdade 3ª o acórdão recorrido tem subjacente a já há muito ultrapassada concepção do poder disciplinar como um poder totalmente discricionário e do recurso contencioso como um recurso hierárquico jurisdicionalizado ou, para quem preferir, a ideia que julgar a Administração ainda é administrar, assim se explicando que entenda...

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