Acórdão nº 0809/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução14 de Dezembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.

1.1 A..., S.A. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação da deliberação da Câmara Municipal de Celorico da Beira, que lhe foi notificada por carta de 20/01/2000, pela qual foi adjudicada a obra da "Variante a Celorico da Beira, Iluminação e Colector da Cintura (1ª Fase)" à recorrida particular B..., S.A..

1.2.Por sentença do T.A.C. de Coimbra, proferida a fls. 868 e segs, foi rejeitado o recurso contencioso com fundamento na extemporaneidade de respectiva interposição.

1.3.Inconformada com a decisão referida em 1.2, interpôs a Recorrente recurso jurisdicional para este S.T.A., cujas alegações, de fls. 908 e segs, conclui do seguinte modo: "1. A decisão recorrida deve ser revogada.

  1. O Tribunal "a quo" decidiu abster-se de conhecer do mérito concretamente decidindo do recurso contencioso de anulação interposto pela recorrente - tendo por objecto uma deliberação da Câmara de Celorico da Beira que adjudicou a obra da "Variante a Celorico da Beira, Iluminação e Colector da Cintura (lª Fase)" - julgando procedente questão prévia, por ele mesmo suscitada, de extemporaneidade/inidoneidade do meio processual utilizado.

  2. Assim porquanto, entendeu o julgador "a quo" que tendo a recorrente lançado mão das medidas provisórias previstas no art° 2° do DL 134/98 em 20/01/2000, deveria ter observado o prazo - de natureza imperativa, segundo o Tribunal - previsto no n° 2 do art° 3º do mesmo dispositivo legal, apresentando em 15 dias a sua PI de recurso.

  3. A recorrente apresentou a sua PI em 8/02/2000, o que fez, animada pela convicção, generalizada, de que o recurso contencioso de anulação desenhado pela LPTA - e também pelo Código Administrativo (CA), in casu - é a figura matricial do contencioso administrativo, e de utilização comum, no que tange à impugnação de actos, tanto assim, que o próprio art° 4º do DL 134/98 convoca a sua aplicação.

  4. Tanto assim foi, que o recurso, observando a tramitação comum, foi recebido em juízo, procedeu-se à citação dos recorridos, que apresentaram as suas contestações tendo, inclusive, a recorrente sido convidada pelo decisor "a quo" a corrigir a sua petição, dando lugar a novas contestações, pronunciando-se de igual modo o Ministério Público - note-se, pela improcedência das questões prévias até aí suscitadas - por Despacho Final.

  5. Pelo que, e atendendo a que o processo se iniciou em Fevereiro de 2000, e considerando que sob qualquer forma (quer por meio da prolação de despacho saneador, quer nos termos das disposições conjugadas dos art°s 54°, n° 3, al. b) da LPTA e art° 57°, § 4º do RSTA) se encontrava tendencialmente percorrido o tirocínio da lide, estabilizaram-se as (legítimas) expectativas processuais da recorrente, confiando esta na efectiva apreciação da questão de fundo, e no acolhimento da sua pretensão.

  6. A decisão recorrida contraria, nessa media, e desde logo, princípios fundamentais de direito administrativo - tanto processuais, como substantivos - sendo ela sim, extemporânea e inusitada, fazendo tábua rasa do princípio da tutela judicial efectiva, mostrando-se tributária de uma concepção formalista do contencioso administrativo.

  7. Ademais, não assiste razão ao julgador "a quo" no que diz respeito à questão prévia que assinala - a não impugnação de um acto inserido num procedimento contratual no prazo assinalado no art° 3°, n° 2, do DL 134/98 - porquanto a utilização desse mecanismo (tendencialmente) urgente, ou melhor, do respectivo prazo, é tão só facultativa, não constituindo um ónus ou encargo para o particular recorrente, que pode socorrer-se do mecanismo comum (e subsidiariamente aplicável), ou seja, pode impugnar o acto em questão no prazo previsto na alínea a), do n° 1 do art° 28° da LPTA (2 meses).

  8. A concepção do julgador "a quo", puramente alicerçada na aplicação matemática de julgados prévios (e ao arrepio das exigências do caso concreto) é equívoca, pois o regime previsto pelo DL 134/98 é animado, essencialmente, pela protecção dos interesses dos particulares que vêem a sua posição jurídica ilegalmente precludida em procedimentos concursais que podem, querendo, impugnar o respectivo acto em 15 dias, ou no prazo de 2 meses (sentido em que concorre também a Directiva n° 89/665/CE).

  9. É essa também a concepção que resulta da interpretação actualista desse diploma (à luz do novo modelo de Justiça Administrativa inserido pela reforma do contencioso, com o CPTA) e das exigências de tutela jurisdicional efectiva que, a pensar-se de forma diversa, ficam irremediavelmente comprometidas (como no caso concreto...), e em homenagem ao princípio do "favor libertatis", como bem destaca a doutrina mais autorizada entre nós.

  10. Se o particular não impugnar contenciosamente o acto no prazo (facultativo) de 15 dias (ou se não se conformar com o "modelo impugnatório" vagamente descrito no DL 134/98), pode sim ver a sua pretensão restringir-se aos limites da reconstituição específica, por não ter sido diligente, não fica é, todavia, como seria intolerável, impedido de reagir judicialmente.

  11. A não se entender assim, não tem sentido afirmar que o DL 134/98 se inscreve no âmbito do reforço das garantias do particular no domínio da contratação publica, antes se traduzindo num retrocesso, pelo que é tempestiva a propositura do recurso contencioso de anulação, devendo conhecer-se do mérito do mesmo, ponderado as exigências do caso concreto.

  12. Neste sentido concorre também o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n° P000952002, de 2002, que viabiliza a utilização do recurso contencioso de anulação, nos termos gerais da LPTA, por parte do Ministério Público que desse modo, e debalde as (aparentes) considerações de segurança e estabilidade do concurso (e celeridade) que confortam a concepção do julgador a propósito do DL 134/98, pode, no prazo de 1 ano (!) pôr em crise o acto praticado no concurso.

  13. Pelo que, ou se extrai daí que também o particular o pode fazer no prazo de 2 meses (ou, porque não, suscitar, junto do Ministério Público, a invalidade do acto, promovendo "oficiosa e mediatamente" o processo), ou então tal perspectiva enferma de inconstitucionalidade (que se invoca) por violação do princípio, da igualdade, art° 13° da CRP.

  14. Sem prescindir ou conceder, a verdade é que a decisão recorrida se mostra também frontalmente contrária aos princípios da confiança, da protecção das expectativas e da boa-fé dos administrados - desconsiderando também as exigências do caso concreto - pois faz tábua rasa do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da teoria geral da "sanação dos defeitos processuais", pois, pelo decurso do prazo (malgrado as garantias de celeridade e eficácia), a recorrente cultivou fundadas expectativas de ver proferida uma decisão de mérito, e não uma pura decisão ritualista, que merece ser revogada.

  15. Em todo o caso, o que não se concede, em se admitindo a natureza imperativa do disposto no DL 134/98 (e não puramente facultativa) a verdade é que o conteúdo e alcance do respectivo diploma têm vivido sombra a sombra das dúvidas e incertezas, que não podem contribuir para diminuir as garantias de protecção dos administrados.

  16. Dúvidas que, em 2000, se mostravam (ainda mais) pertinentes, justificando que a recorrente fizesse uso do meio impugnatório geral (do recurso contencioso de anulação), previsto na LPTA, devendo concluir-se, "mutatis mutandis", e em homenagem ao princípio "pro actione" e "in dubio pro habilitate instantie" - bem assim como o da adequação formal - que deve dar-se por convalidado o vício (a existir), prosseguindo o processo os seus ulteriores termos, aproveitando-se todo o processado útil.

  17. Concepção que é, de resto, a única compatível com a interpretação dos comandos legais conforme à Constituição e às exigências de tutela jurisdicional efectiva, e única que presta homenagem às exigências de protecção do caso concreto, e às expectativas fundadas da recorrente, in casu, postergadas." 1.4.Não houve contra-alegações e, neste S.T.A., o Exmº Magistrado do Mº. Pº. emitiu o parecer seguinte: "A... recorre da decisão proferida pelo TAC de Coimbra por si interposto da deliberação da Câmara Municipal de Celorico da Beira, de 22.12.99, que adjudicou a empreitada da construção da "Variante a Celorico da Beira, Iluminação e Colector da Cintura - 1ª Fase", à recorrida particular B..., SA".

    A única questão suscitada pela Recorrente, nas conclusões das suas alegações, é a de saber se o prazo para a interposição do recurso contencioso, no caso em apreço, é de 15 dias. Conforme decidiu a douta sentença recorrida, ou o de 2 meses, como defende a Recorrente.

    A douta sentença recorrida louva-se, para entender que esse prazo é o de 15 dias pelo facto de à adjudicação da empreitada, no caso, ser aplicável a disciplina estatuída pelo Dec.-Lei n.° 134/98, de 15 ,de Maio, e na Jurisprudência deste Supremo Tribunal e do TCA.

    A Recorrente não questiona que ao recurso contencioso, em apreço, é aplicável aquele Dec.-Lei n.° 134/98, pondo em causa, tão só, o prazo para a sua interposição.

    E diz a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT