Acórdão nº 01230/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelPIRES ESTEVES
Data da Resolução29 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A..., casado, reformado, residente na Rua Dr. ..., nº..., 1 500 Lisboa, propôs no TAC de Lisboa, acção com processo ordinário, contra o Hospital de Santa Maria, em Lisboa para efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos de gestão pública, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 10.000.000$00 acrescida de juros de mora.

Por sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 8 de Novembro de 2002, foi a acção julgada parcialmente procedente por provada e condenado o réu a pagar ao autor o valor de 15.000 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora.

Não se conformando com esta decisão o ora recorrente Hospital de Santa Maria interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: "1º Na «Fundamentação» da sentença, mais precisamente no nº 44, diz-se que: ‘No Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o número de infecções hospitalares' Mas, 2º Essa mesma sentença condena o R. porque «cabia ao Hospital Réu demonstrar ter tomado todas as medidas conhecidas no actual estado da ciência e ao seu alcance para erradicar das suas instalações,...a ‘serratia'».

  1. Mesmo a parte decisória da sentença confirma que o Hospital de Santa Maria tomou essas medidas, dizendo que: «O Hospital Réu, por seu turno tem tomado medidas para reduzir o risco de infecções hospitalares,...»; 4º Na própria «Fundamentação» há contradições: o nº 34 refere-se aos tratamentos anteriores a 18.11, mais precisamente aos tratamentos ministrados a 13 e 15.11 (nºs 23, 26 e 27 da «Fundamentação»"); 5º Ora, se naquelas datas (13 e 15.11) a endoftalmite por «serratia» ainda não estava diagnosticada não podiam ao A ser ministrados os tratamentos destinados a combatê-la.

  2. A sentença não tem em conta o PARECER relativo à Doença Oftalmológica do Sr. A... (apresentado no início da audiência de julgamento), o qual esclarece que a endoftalmite pode apresentar-se, inicialmente, como um quadro de uveíte.

  3. Os fundamentos da sentença estão, portanto, em oposição com a decisão - al.c) do nº 1 do artº 668º do CPC.

  4. A relação do utente com o Hospital de Santa Maria tem natureza extracontratual (Dr. B... in Responsabilidade da Administração Hospitalar, pág.41).

  5. Na responsabilidade extracontratual, a obrigação de indemnizar nasce, em regra, da violação de uma disposição legal, ou de um direito absoluto que é inteiramente distinto dela (A. Varela, Das Obrigações em Geral - vol. I, pg.399).

  6. Tendo a natureza de uma relação com um Serviço Público, a vinculação em que o Hospital Público se encontra, tem, necessariamente natureza extracontratual a responsabilidade em que incorre - por todos o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 7/5/74 in BM J 237º pág. 196.

  7. Os serviços dos Hospitais Públicos revestem a natureza de actos de gestão pública, pelo que os respectivos actos (os praticados pelos Hospitais Públicos) e a responsabilidade deles derivada têm que ser apreciados à face do DL nº 48.051 de 21/11/1967 - Responsabilidade da Administração por actos de gestão pública.

  8. Exclui-se assim, à partida, a aplicação ao caso «sub judice» do regime de apreciação da responsabilidade das pessoas colectivas públicas (e do Estado em geral) previsto no artº501º do CC.

  9. Assim a eventual responsabilidade do Hospital de Santa Maria (do Estado, ou qualquer outro ente público) aprecia-se à luz do já citado DL nº 48.051 de 21/11/1967, o qual admite a responsabilidade da Administração Pública em duas vertentes: A responsabilidade por actos ilícitos ou culposos nos artºs 2º e 3º, A responsabilidade por actos casuais (risco) no artº8º 14º A primeira está logo excluída pela própria sentença.

  10. À partida, pelo menos no que diz respeito aos próprios assistidos, a responsabilidade pelo risco da Administração Pública, inexiste porque o DL nº 48.051 de 21/11/1967 condiciona o risco à existência de prejuízos que resultem de «serviços administrativos excepcionalmente perigosos, ou de coisas e actividades da mesma natureza (o que não é obviamente o caso ‘sub judice') salvo se, nos termos gerais se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas...»; 16º O Hospital de Santa Maria tinha prevenido o risco das infecções hospitalares conforme a sentença recorrida o admite, na respectiva «Fundamentação»: «No Hospital Réu são tomadas medidas para reduzir o número de infecções hospitalares» (nº 44); 17º O factor decisivo que afasta qualquer responsabilidade do ora Réu encontra-se no nº 30 dessa «Fundamentação» o qual refere que: «Em doentes submetidos a intervenções cirúrgicas, como o A ., verifica-se uma maior predisposição para os processos infecciosos, com consequente maior gravidade clínica». Ou seja, é nas características intrínsecas ao próprio A. que se encontra a explicação para infecção de que foi vítima, facto que, no entanto, a sentença recorrida esquece completamente".

Igualmente inconformado com a decisão interpôs o recorrente A... recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: "1. O recorrido Hospital de Santa Maria sabia que na sua unidade hospitalar, onde o recorrente estava internado, em consequência de uma intervenção cirúrgica, existia a probabilidade séria da presença de uma bactéria perigosa, a «serratia».

  1. Esta bactéria é facilmente detectável em exame laboratorial.

  2. Essa bactéria é responsável por lesões oculares graves, destruindo os tecidos.

  3. O recorrente manifestou, em 13 de Novembro de 1993, graves perturbações num olho, com inchaço, dilatação de pálpebra e projecção do globo ocular.

  4. Só em 17 de Novembro seguinte o recorrido ordenou a colheita de tecido para detectar a bactéria «serratia».

  5. Só em 18 de Novembro lhe detectaram a «serratia».

  6. Só em 19 de Novembro o recorrente foi medicado para combater a «serratia», sendo tardia a medicação.

  7. A medicação foi desadequada.

  8. Em consequência da conduta do recorrido Hospital, o recorrente perdeu o olho esquerdo.

  9. E ainda padeceu fortes dores, manteve-se internado por mais de um mês; continuou a ir frequentemente ao Hospital por mais de um ano e ficou fortemente perturbado emocionalmente, triste e abatido.

  10. Os danos morais deverão ser computados em 50.000 euros.

  11. A douta sentença violou o disposto nos artºs 6º do D.L 48.051 e 496º do Código Civil".

Não houve respostas.

Emitiu douto parecer o Ex.mº Magistrado do Ministério Público, no qual se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso principal. Quanto ao recurso subordinado entendeu que a sentença não merecia reparo excepto, quanto ao montante indemnizatório que, no seu entendimento devia ser superior ao fixado, mas não atingir o valor do pedido, sendo mais adequado o montante de 25.000 euros.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos: 1 - O autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica cardíaca a um aneurisma, na noite de 31.10 para 1.11.1993.

2 - Após o que transitou para a Unidade de Cuidados Intensivos, onde permaneceu durante 8 dias.

3 - Seguidamente, foi transferido para uma enfermaria do Hospital Réu, em 8.11.1993.

4 - Durante o seu internamento no Hospital Réu o Autor ficou cego do olho esquerdo.

5 - E perdeu cerca de 10 quilos de peso.

6 - Após ter obtido alta, o Autor manteve-se em tratamento durante um ano (até ao fim de 1994).

7 - Por força desse tratamento o Autor tinha de se deslocar ao Hospital de 15 em 15 dias.

8 - O Autor usava óculos possuindo, em ambos os olhos, acuidade visual (corrigida) de 10.10.

9 - As bactérias do género "serratia" são responsáveis por infecções oculares graves destruindo os tecidos sobre os quais actuam.

10 - Por estar debilitado por uma operação cardíaca, o Autor estava sujeito em pleno ambiente hospitalar, à probabilidade muito elevada da ocorrência da "serratia".

11 - A infecção que provocou a perda do olho esquerdo do Autor deveu-se a uma bactéria, denominada "serratia", que existe nas unidades de cuidados intensivos.

12 - Por força da cegueira no olho esquerdo, o Autor sofreu perturbações no andar e equilíbrio acarretando-lhe grande desgosto e perturbação emocional.

13 - Em consequência da contracção da endoftalmite padeceu de fortes dores 14 - O Autor é cobrador reformado da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, recebendo de pensão de reforma 117.840$00 mensais.

15 - Era uma pessoa alegre e bem disposta, cuidadosa com a saúde e totalmente independente para reger a sua vida.

16 - Gostando de ler, ver televisão e ir ao cinema, entre outras actividades de laser.

17 - Sofreu incómodos por via das deslocações ao Hospital, mencionadas em 6 e 7.

18 - Ainda hoje se sente traumatizado por todo o ocorrido...

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