Acórdão nº 0935/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2005
Magistrado Responsável | EDMUNDO MOSCOSO |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1 - HOSPITAL DE SANTA MARIA, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que concedeu provimento parcial à acção declarativa de condenação para efectivação de responsabilidade civil por acto de gestão pública, interposta por A...
e B...
, ora recorridos, pedindo que o ora recorrente fosse condenado a pagar-lhes a quantia de 24.500.000$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, sobrevindos à morte de sua filha, ... , falecida no dia 15 de Setembro de 1984, no Hospital de Santa Maria, alegadamente devido a negligência dos serviços médicos.
Nas suas alegações formula as seguintes CONCLUSÕES: A - Quanto improcedência da acção pela não verificação dos pressupostos ilicitude e culpa 1 - Na análise da alegada ilicitude, o Distinto Tribunal "a quo" apegou-se maioritariamente a uma noção de obrigação de resultado como o tipo de obrigação que impede sobre os agentes médicos, no caso, o Hospital Réu.
2 - Pela matéria provada resulta clara a inexistência de qualquer animus nocendi nos comportamentos tidos pelos profissionais de saúde do Hospital Réu.
3 - As potencialidades da causa de pedir reconduzem-se a descobrir tal ilicitude num erro de diagnóstico.
4 - O qual terá sido propulsor do encadeamento factual que levou o Tribunal "a quo" a proferir a condenação que ditou e que foi o seguinte: a) os médicos assistentes da ... consideraram que em 10/09/94 a intoxicação estava debelada e o negativismo era consciente; b) que foi com base nesse entendimento que em 10/09/94 a médica psiquiátrica prescreveu Serenelfi; c) que foi olvidado o diagnóstico de Síndroma Maligno Por Neurolépticos (SMN); d) que a ... faleceu devido a uma síndroma Maligno Por Neurolépticos agravado pela toma de Serenelfi, fármaco cuja utilização o Distinto Tribunal a quo qualifica de desnecessária.
5 - No que o pivot de toda a resolução que propõe é a exigibilidade de um certo diagnóstico (o de SMN), o qual não foi seguido.
6 - No juízo sobre a ilicitude, a sentença a quo não deu relevo suficiente ao facto de a correcção de um tal diagnóstico só se ter ganho posteriormente ao falecimento da paciente e ser resultante das análises a posteriori feitas em condições que os médicos que a atenderam não tinham no contexto concreto em que actuaram.
7 - Além de tal juízo ser vastamente não corroborado por vários pareceres e elementos Técnicos do processo, incluindo as respostas dadas pelos peritos nomeados pelo Tribunal.
8 - Olvidou também a circunstância de que os diagnósticos aventados e seguidos foram considerados por tais especialistas como possíveis, correctos e adequados, conferindo com o conhecimento científico disponível.
9 - A noção de dificuldade intrínseca da legis artis médica e a margem de incerteza que ela acarreta nunca podem ser perdidas de vista na avaliação da potencial ilicitude de um comportamento médico.
10 - O diagnóstico traduz-se sempre num juízo de probabilidade, não de certeza, pois as técnicas mais perfeitas não são absolutamente isentas de falhas e assim, existe sempre uma margem de incerteza - (cada vez menos, é verdade, mas não deixa de existir, não obstante os avanços impressionantes dos meios auxiliares de diagnóstico) - que pode frustrar, em boa parte, o tratamento eleito, face aos dados obtidos.
11 - Atenta a necessária contextualização da actuação médica no concreto espaço e tempo em que ocorreu, face aos concretos sintomas em presença, não ficou nos autos demonstrado, antes pelo contrário, que o apontado diagnóstico falhado - o de SMN - era exigível aos médicos, e que estes tinham que o ter seguido em vez dos outros que aventaram e pelos quais nortearam a sua actuação.
12 - Tal contextualização impõe-se segundo qualquer das fórmulas usadas para retratar o erro médico, incluindo a de Schwall, transcrita na douta sentença recorrida.
13 - Resulta da matéria provada que entre a prescrição do Serenelfi, subsequentes tomas, agravamento e falecimento da paciente, decorreu um muito curto espaço de tempo, tendo-se tratado de uma evolução patológica absolutamente fulminante.
14 - Os médicos do Hospital Réu agiram sob cenário em que várias outras hipóteses de diagnóstico surgiam à cabeça, no que tinham de optar num curto espaço de tempo e em circunstâncias altamente críticas, por aquela que se lhes afigurava ser a mais correcta e adoptar tratamento correspondente.
15 - Havendo concordância expressa nos autos dos peritos e especialistas que depuseram com suporte na matéria de facto provada, em que: (
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Foram correctas a avaliação clínica, as hipóteses de diagnóstico formuladas e a assistência efectuada no serviço de urgência; (b) pesou muito, como sucede sempre em situações idênticas de grave compromisso do estado de consciência, a informação dos pais. A ingestão de quantidades excessivas de neurolépticos e benzodiazepinas, podia explicar o coma apresentado pela doente; (c) foram eliminados à partida os principais diagnósticos alternativos; (d) havia extrema dificuldade de diagnóstico no caso concreto; (e) tratava-se de uma situação de muito difícil apreciação; (f) a situação do ponto de vista clínico era muito complexa; (g) o entendimento estava condicionado pelo diagnóstico adicional de intoxicação medicamentosa, que pode cursar na sua evolução sob distintas formas e obriga a admitir patologia psiquiátrica subjacente; (h) a Síndroma Maligna Por Neurolépticos é uma complicação rara, idiossincrática e, assim, imprevisível.
reforça-se a noção de que, de um ponto de vista de obrigação de actuação médica, foram correctos os diagnósticos seguidos e não era exigível a opção pelo diagnóstico de SMN, ou pelo menos, esta omissão não corresponde a uma patologia obrigacional do prestador de serviços médicos.
16 - Tal inexigibilidade no caso concreto sai reforçada pelas dúvidas que muitos especialistas, incluindo de forma concludente os peritos nomeados pelo Tribunal, expressaram relativas ao facto de o SMN ter sido a causa da morte da ... (sendo certo que o Tribunal formou convicção contrária) 17 - Tal convicção contrária não obsta a que, na análise do pressuposto da ilicitude e mesmo da culpa, essas dúvidas relevem e de forma assinalável para se perceber o quão complexa e de fluidos contornos científicos era a questão com que os médicos se deparavam, aspecto que, em honestidade com o princípio da obrigação de meios, tem no caso concreto de significar a elisão daqueles pressupostos.
18 - Doutro modo, a responsabilidade médica ter-se-á como uma claríssima obrigação de resultado, em antítese com os cânones pacificamente aceites nesta matéria 19 - Não é correcta a conclusão de que foi desnecessária a utilização do fármaco Serenelfi, quer pelo peso das conclusões que antecederam quer porque, na opinião dos peritos, ela se justificava por três ordens de razões: 1.ª na avaliação Psiquiátrica ter sido colocada a hipótese de 1° surto de esquizofrenia; 2.º haver necessidade de controlar sistomática e farmacologicamente o quadro de agitação; 3° não haver evidência clínica prévia para contra-indicação de Serenelfi apesar deste fármaco pertencer ao mesmo grupo terapêutico de Torécan.
20 - Padece razão ao entendimento de que houve omissão geradora de ilicitude e culpa por não ter sido efectuado o doseamento CPK, que comprovaria a SMN e corrigiria o diagnóstico inicial.
21 - A opção médica por um certo diagnóstico e pelos exames que o permitem decifrar, segue uma lógica de maioria de probabilidade atentos aquilo que vulgarmente se designa por diagnósticos à cabeça, sendo tarefa de opção com carácter alternativo e não cumulativo.
22 - A legitimidade das opções de diagnóstico tomadas foi secundada pelos especialistas que se pronunciaram.
23 - A não orientação dos médicos para a hipótese de SMN está, no presente caso, amplamente justificada pelo que dissemos acima, sendo ela a causa da não realização de tal doseamento.
24 - Por outro lado, contra o entendimento a quo, é nossa opinião a de não existe sequer provada a plena aptidão concreta do teste de CPK para a questão em análise pois da matéria factual provada apenas se retira um mero bom indicador com assumida limitação científica e em necessária complementaridade com um outro teste - tomografia cerebral computorizada - para o qual, provavelmente o hospital não estava na época apetrechado.
25 - Carecem os autos de factos de que se possa concluir por tal essencialidade, nomeadamente se seria possível de efectuar? Em quanto tempo? Qual dos seus resultados significaria o abandonar do tratamento a ser seguido e a sua direcção exclusiva para uma terapêutica apropriada ao síndroma de SMN? Teria validade sozinha? Que outros testes se poderiam fazer? Era legítimo colocá-lo à frente dos outros exames que se foram efectuando, e outros.
26 - Pelo acima exposto, verificamos que, radicadas exclusivamente num erro de diagnóstico, a ilicitude e a culpa dos profissionais de saúde do Hospital Réu, não se verificam, tendo estes actuado de acordo com a legis artis médica ao aventarem outros diagnósticos possíveis com os correspondentes correctos tratamentos 26 - Ademais, retira-se da matéria provada que: (
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Houve sempre pronta e atempada assistência médica fornecida à ...; (b) com mobilização coordenada e electiva das especialidades médicas que se impunham face aos sintomas que iam surgindo; (c) com intervenções da psiquiatria presente em todo o processo as quais intervenções se fizeram de forma diligente e que consistiram no aventar e pesquisar de vários diagnósticos possíveis face aos sintomas que se iam apresentando - cfr. "Histeria?" "1° surto esquizomorfo ou psicótico?"; "Contracção de tipo Jacksoneano" "Encefalite"; "Encefalite a vírus" "Síndroma de privação de tóxico"; "Encefalite, presumindo que de origem toráxica; (d) que comportaram a realização de testes e exames vários destinados a confirmar os mesmos - só a título de exemplo: realização de uma punção lombar e realização de...
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