Acórdão nº 0434/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução17 de Novembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A...

, trabalhador consular, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA), de 9.12.04, que negou provimento ao recurso contencioso do despacho, de 28.6.98, do Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), pelo qual foi aplicada ao recorrente a pena disciplinar de inactividade por dois anos.

Apresentou alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: A - O Acórdão recorrido deu como provados factos que o acto punitivo contenciosamente impugnado deu como não provados e que, portanto, não fundamentaram a pena de inactividade aplicada ao Recorrente.

B - Tal discrepância viola o princípio do dispositivo e, portanto, as normas constantes dos artigos 264º, nº 2 e 664º, do CPC.

C - E, tendo em conta que o mesmo Acórdão deu igualmente como provado o teor do Parecer emitido pelo DAJ do MNE, a sua fundamentação padece de contradição insanável, uma vez que os mesmos factos não podem, em simultâneo, ser dados como provados e não provados.

D - Ao contrário do sufragado pelo Acórdão Recorrido, os actos disciplinares punitivos podem ser contenciosamente impugnados por desvio de poder.

E - E, ao contrário do entendimento expresso pelo TCA, o Recorrente, ao longo da Petição e Alegações do Recurso Contencioso, alegou e demonstrou a existência de uma cadela ordenada de actos, anteriores, contemporâneos e posteriores ao procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, fortemente indiciador do fim puramente persecutório prosseguido, ao arrepio do fim previsto pelo legislador para o exercício do poder disciplinar pela Administração.

F - O juízo critico do Recorrente - no sentido de que a prova produzida, se analisada globalmente e de harmonia com os princípios da justiça, da Igualdade de armas e da imparcialidade, não permite concluir, com a necessária segurança e certeza, pela verificação das (duas) infracções que sustentaram o acto punitivo - não foi expendido de modo genérico, como se afirma no Acórdão recorrido, já que o Recorrente concretizou os meios de prova, e a prova, de sinal contrário à produzida pela Administração.

G - Só que o TCA limitou-se a aderir, sem mais, à fundamentação de facto que presidiu - não ao acto punitivo, mas ao Relatório Final do Instrutor - ignorando, em absoluto, toda a prova de sinal contrário constante dos autos, recusando, assim, o exame critico a que estava obrigado.

H - Tal omissão viola os artigos 205°, nº 1, da CRP e 158º, nº 2, 653°, nº 2 e 659º, nº 3, do CPC.

Nestes termos, E nos demais de Direito, sempre do douto suprimento desse Supremo Tribunal, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso Jurisdicional, com as legais consequências, como é de inteira JUSTIÇA.

O MNE contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. Refere que o acto punitivo impugnado, por ter sido praticado no exercício de um poder vinculado, não pode ser atacado por vício de desvio de poder. E que, ainda que esse acto decorresse do exercício de um poder discricionário, não poderia concluir-se pela existência de desvio de poder, por não ter o recorrente feito prova, como lhe competia, de que o autor desse acto agiu na prossecução de fins diversos daquele para que lhe foi conferido o poder discricionário. Acrescenta que o acto punitivo teve como pressuposto os factos provados e descritos nos primeiro e segundo parágrafo do ponto 4.1 do parecer nº 6/DIN/98 do Departamento dos Assuntos Jurídicos do MNE, sem que o recorrente tenha logrado abalar a consistência da prova da verificação desses factos.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte PARECER Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que o recurso jurisdicional merece provimento.

O acto punitivo fundou-se no parecer n° 6/DIN/98 do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que apenas deu como provados os factos constantes do seu ponto 4.1, não os factos constantes dos itens 1 a 6 e 9 a 14 da acusação (cfr fls 203 a 111 do processo principal); e em conformidade, a Administração, ao propugnar a manutenção do acto punitivo, em sede de recurso contencioso, em momento algum defendeu a demonstração desta última factualidade.

Contudo, o acórdão recorrido deu estes factos como provados e neles se fundou para julgar improcedente o vício de violação de lei que era imputado ao acto punitivo.

Parece-nos, assim, ter violado o art.º 664° do CPC, tal como é invocado pelo recorrente.

Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que o recurso jurisdicional merece ser provido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. O acórdão recorrido considerou provados e relevantes para decisão que proferiu os seguintes factos: 1)- No dia 19-02-1997, encontrando-se o arguido no Gabinete do Embaixador, B..., envolveu-se em discussão com este num tom demasiado alto e exaltado, que foi ouvido nos gabinetes situados no mesmo piso, em que se encontravam os restantes elementos do pessoal da Embaixada, Dr. C..., D. D..., motorista E..., à excepção dos afectos à Secção Consular.

    2)- Tal discussão foi motivada pelo facto de o Embaixador, B..., estar, então, a elaborar um telegrama para o MNE, dando conhecimento da situação irregular constatada na Secção Consular da permanência e desenvolvimento de actividades por parte de duas cidadãs búlgaras, as senhoras ... e ..., que não tinham qualquer vínculo laboral ou de prestação de serviços com a Embaixada ou outra instituição do Estado Português.

    3)- O arguido tentou impedir o envio desse telegrama, ameaçando com a denúncia de alegadas irregularidades que imputou ao Embaixador B....

    4)- No decorrer da referida discussão entraram depois no gabinete, instados uns pelo Embaixador B... outros pelo arguido, o Conselheiro da Embaixada Dr. C..., a Primeira Oficial D..., o Leitor de Português na Universidade de Sófia, Dr. ..., o Sr. E..., motorista da Embaixada, e o Sr. ..., contínuo na mesma Embaixada.

    5)- O Embaixador A... chamou ao seu gabinete a Srª ..., tradutora intérprete na Embaixada, e o arguido tentou opor-se à sua presença, dizendo-lhe para sair do gabinete, contrariando, assim, a ordem expressa do Embaixador, B....

    6)- Na 1 a quinzena do mês de Fevereiro de 1997, o arguido por mais de uma vez manteve discussões com o Embaixador B..., relativamente à constituição do Júri para admissão de um Secretário de 3ª, na Secção Consular da Embaixada, contestando em voz alta e em tom desabrido e audível, e ouvido pelos restantes elementos do pessoal da Embaixada, as decisões do Chefe da Missão.

    7)- Em Março ou Abril do corrente ano, pp, - 1997 - as assalariadas locais, Srªs ..., ... e ..., encontrando-se a trabalhar na mesma sala em que estava o Chanceler, no edifício da antiga Chancelaria, frequentemente se apercebiam de que o Chanceler tinha colocado nos ouvidos uns auscultadores.

    8)- Através de tal dispositivo o Chanceler escutava frequentemente as conversas do Embaixador B..., quando este se encontrava isolado no seu gabinete, que era paredes meias com o Gabinete do Chanceler, em condições que permitiam às pessoas que com este compartilhavam o mesmo gabinete distinguir a voz do Embaixador B....

    9)- No dia 09-08-1996 ao regressar a Lisboa o Embaixador B... foi informado pelo motorista da Embaixada Sr. E..., de que no dia 19-07-96, a empregada de limpeza da Missão, Srª ..., encontrara no Gabinete do Embaixador um dispositivo de recolha de sons acoplado a fios que se prolongavam até ao gabinete do Chanceler A..., evidenciados nas fotografias que constituem o anexo n° 1, obtidas naquela data pelo Embaixador B... e entregues ao Instrutor.

    10)- O arguido utilizou em actividades estranhas ao funcionamento da Chancelaria Consular, nas suas instalações e durante o horário de expediente, os serviços de duas cidadãs búlgaras, ... e ..., que não tinham qualquer vínculo laboral ou de prestação de serviços com o Estado ou com outra instituição pública portuguesa, nos períodos compreendidos entre Fevereiro de 1997 e até à chegada do actual Instrutor deste Processo, pelo menos no caso da Srª ..., e desde o mesmo mês e ano até à chegada do Instrutor Embaixador, ..., no que respeita à Srª ....

    11)- O arguido utilizou os serviços dessas cidadãs búlgaras na prossecução de interesses pessoais e particulares, e sob a sua direcção.

    12)- O desempenho das tarefas executadas, na Chancelaria Consular, pelas referidas duas cidadãs búlgaras foi feito com a utilização de recursos do Estado e patrocinado pelo arguido.

    13)- A presença das cidadãs búlgaras, ... e ..., na Chancelaria Consular, potenciou, dessa forma, o eventual acesso a informação não destinada a terceiros.

    14)- O arguido revelou resistência em aceitar as instruções do Embaixador traduzi das na colocação, na Chancelaria Consular, de uma outra cidadã búlgara, assalariada local, Srª ..., em Fevereiro passado.

    15)- O arguido tentou abrir uma mala diplomática portuguesa, no aeroporto de Sófia, dirigida ao MNE, em Lisboa, no dia...

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