Acórdão nº 01414/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2005

Data10 Novembro 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA: I - Relatório.

O Presidente da Assembleia da Republica Inconformado com o Acórdão da Subsecção de 12 de Outubro de 2004, que anulou o acto de atribuição da subvenção da campanha eleitoral autárquica de 2002, dele interpôs recurso para esta formação.

Era recorrente no recurso contencioso o "Bloco de Esquerda", partido político registado no Tribunal Constitucional.

Na alegação o órgão recorrente formula as seguintes conclusões:

  1. Da incompetência material 1) Sendo o acto em apreço nos presentes autos praticado no âmbito do contencioso eleitoral político, em sentido amplo (contencioso dos actos administrativos dos órgãos da administração eleitoral em matérias conexas com o processo eleitoral), e actuando aqui o Presidente da Assembleia da República como órgão da administração eleitoral, há-de caber ao Tribunal Constitucional a decisão, em última instância, sobre a sua regularidade e validade, nos termos dos arts. 223° n° 2 c) da CRP e 8° d) e f) da Lei 28/82, de 15/11.

    2) Deve, pois, ser declarada a incompetência material dos tribunais administrativos para conhecer do pedido impugnatório formulado nos presentes autos - questão de ordem pública, de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 4º n° 1 g) do ETAF e 3° da LPTA.

  2. Da ilegitimidade passiva 1) O eventual provimento do presente recurso contencioso levará a uma redistribuição, por forma diferente, mas pelas mesmas candidaturas subvencionadas da mesma quantia total estabelecida legalmente pelo n° 6 do art. 29° da Lei 56/98 (4.996.140,50 €, no caso).

    2) Deste modo, e conforme resulta do Mapa que anexamos, há várias candidaturas, designadamente de grupos de cidadãos eleitores e de coligações, que, não tendo sido chamadas aos autos, serão efectivamente prejudicadas com o eventual provimento deste recurso contencioso, de modo pessoal, directo e imediato, por terem recebido maior quantia do que a que terão, nesse caso, direito, pelo que têm um óbvio e legítimo interesse na manutenção do acto impugnado.

    3) Além de que, mantendo-se o mesmo o total a distribuir, a pretensão do recorrente BE resultante da redistribuição que advoga (recebimento de mais 8.809,04 €) depende de correspectiva devolução das candidaturas que alegadamente receberam indevidamente a mais (nomeadamente, das candidaturas de grupos de cidadãos não citadas, especialmente Grupo II, cfr. Mapa anexo).

    4) Tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, não decidida ainda nos autos, haverá, assim, que mandar chamar aos autos os referidos contra-interessados, sendo certo que impendia, e impende, sobre o impugnante BE o ónus processual da sua indicação e identificação (art. 36° n° 1 b) da LPTA).

  3. Do mérito 1) Perante uma expressão legal unanimemente reconhecida como dúbia em abstracto - como é aquela utilizada pelo n° 7 do art. 29° da Lei 56/98, de 8/8, na redacção da Lei Orgânica 1/2001, ao mandar atender, para efeitos de distribuição de 75% da subvenção estatal às campanhas eleitorais autárquicas, aos "resultados eleitorais obtidos para a assembleia municipal" - deve-se dar preferência, na aplicação concreta da norma, pelo sentido mais rigoroso, do ponto de vista jurídico e prático, que tal expressão albergue.

    2) Ora, num exercício eleitoral autárquico, o voto é instrumental e a eleição dos representantes (dos partidos, coligações ou grupos de cidadãos) é a finalidade, sendo que no nosso sistema eleitoral a representatividade proporcional opera não nos votos mas na conversão destes em mandatos (art. 113º nº 5 da CRP) e a representatividade mede-se pelo número de mandatos, e não de votos, alcançados.

    3) Assim, àquela expressão "resultados eleitorais obtidos para a assembleia municipal" deve dar-se o sentido de representantes eleitos (isto é, mandatos obtidos), e não de votação conseguida, pois, na dúvida, não se deve privilegiar o sentido da obtenção do instrumental e acessório (os votos) em detrimento do sentido da obtenção do essencial (os mandatos representativos).

    4) O Acórdão ora sob impugnação admite a possibilidade de ambas as interpretações, isto é, de os "resultados eleitorais obtidos para a assembleia municipal" se poderem referir a mandatos ou a votos obtidos (cfr. fls. 20 do Acórdão, 125 dos autos).

    5) Mas opta, quanto a nós erradamente (salvo o devido respeito), pela interpretação de "votos obtidos", alinhando 4 argumentos que nos permitimos contestar.

    6) Fá-lo, em primeiro lugar, por comparação com os arts. 128° e 136° da Lei Orgânica 1/2001 que falam, respectivamente, de "resultados obtidos" e de "resultados da eleição" querendo aí significar (sem sombra de dúvida, pela natureza das coisas) número de votos. Porém, nestas normas, o contexto é absolutamente diferente, estando em causa estádios intermédios do apuramento eleitoral, onde não se colocam dúvidas que o resultado eleitoral aí em questão é a votação obtida (v.g., nas diversas mesas das assembleias de voto) - a expressão "resultados" não significa o mesmo em todas as etapas.

    7) Também não nos parece vingar o argumento avançado de que seria a interpretação que melhor acolheria o "princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas" e evitaria uma "segunda via de inutilização de votos" em resultado da aplicação do método de Hondt. Por um lado, parece-nos que é um argumento que pretende indevidamente substituir-se à opção do próprio legislador na conformação legal do aludido princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das candidaturas - não vemos por que excluir a opção do legislador pelos mandatos obtidos para manter respeitado aquele princípio. Por outro lado, e quanto à aplicação do método de Hondt no apuramento dos mandatos, parece-nos incongruente aceitar que o legislador eleitoral tenha sacrificado ou inutilizado votos para efeitos do que é essencial às candidaturas (a eleição dos seus representantes) e já não aceitar que o mesmo legislador tenha agido de forma idêntica e paralela quanto à questão àquela subordinada, acessória, e relativamente menor, ainda que importante, da distribuição da subvenção estatal. 8) De igual modo, nos parece de não aceitar o argumento de que se deve atender ao número de votos obtidos por «estar a "ratio legis" no propósito de atribuir aos concorrentes uma compensação monetária pelas despesas efectuadas», concluindo que um maior número de votos traz implícita uma maior despesa. Um maior número de mandatos igualmente traz implícita uma maior despesa, pelo que o argumento é reversível. Além de que o objectivo da compensação das despesas não é por lei aplicado de modo cego e absoluto, sendo temperado, v. g., com a efectiva representatividade eleitoral - se não, todas as candidaturas teriam de ter acesso à subvenção, independentemente dos resultados, pois que todas tiveram despesas, e não é esta a solução legal (cfr. n° 3 do art. 29°), que impõe, por outro lado, um tecto subvencionário (cfr. n°4 do art. 29°).

    9) Parecendo-nos, assim, de afastar os argumentos que levaram o Acórdão sob impugnação a optar, entre as que alinhou como possíveis, pela interpretação da expressão em causa como "votos", em vez de "mandatos", obtidos, entendemos haver argumentos decisivos que nos obrigam a optar em sentido contrário, ou seja, pela consideração dos representantes eleitos, e a rejeitar a interpretação do Acórdão.

    10) Em primeiro lugar, como já afirmámos, a dificuldade e o desconforto de se optar por relevar como "resultados eleitorais" o que é instrumental (os votos), desprezando aquilo que, em rigor jurídico, e também na...

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