Acórdão nº 0408/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelSANTOS BOTELHO
Data da Resolução27 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - RELATÓRIO 1.1 A…, recorre da sentença do TAF de Lisboa, de 20-11-04, que negou provimento ao recurso contencioso por si interposto de deliberação da CM de Lisboa, de 29-5-02, que revogou o deferimento tácito do seu pedido de licenciamento para a construção de duas torres no Edifício ….

Nas suas alegações formula as seguintes conclusões: "1º A sentença do TAC, de 30 de Janeiro de 2002, que ordenou a passagem do alvará permitindo a construção das duas torres no edifício …, como sentença de condenação, tem por objecto, na concepção minimalista sobre o objecto da sentença, três entidades jurídicas: o "jus aedificandi" corporizado no alvará, o direito a que seja passado o alvará de construção e a ordem para o passar; 2º - Tanto assim é que, no caso de não ser cumprida a ordem em que consiste a condenação, a certidão da sentença vale, funcionalmente, como se de um alvará se tratasse; 3º - O direito a construir fica tutelado e corporizado no respectivo alvará ou na certidão da sentença-alvará que o substitui; 4º - O trânsito em julgado da sentença-alvará torna o seu conteúdo indiscutível, a não ser que haja fundamentos para o recurso extraordinário de revisão, o que não se verifica na sentença "sub judice"; 5º - O próprio objecto da sentença e do julgado faz parte pelo, nexo necessário entre a licença e o alvará, o acto tácito ou expressão de deferimento do pedido de construção e a própria licença de construção; 6º - O facto de nos encontrarmos perante uma sentença transitada, perante um caso julgado, impede que se estabeleça um paralelismo entre as condições de revogabilidade do acto tácito de deferimento e as condições de modificação dos efeitos da sentença, que ordene a passagem do alvará transitada em julgado; 7º - O caso julgado da sentença que ordena a passagem do alvará poderá passar a ser inútil por os seus efeitos não serem aplicáveis em razão de factos posteriores à sentença, mas não poderá ser infirmado ou revogado com base em factos anteriores ao encerramento da discussão de causa; 8º - Com efeito, o processo de intimação à passagem de um alvará constitui um processo próprio e principal ou autónomo de condenação à prática de um acto devido e não um mero processo cautelar; 9º - O caso julgado, melhor os limites objectivos do caso julgado, cobrem o deduzido e o dedutível, o que inclui todas as excepções que o réu ou autoridade recorrida podia opor até ao encerramento da discussão da causa; 10º - As anulabilidades eventualmente invocadas nesse processo de condenação apresentam-se processualmente como excepções ou "contradireitos"; 11º - No caso "sub judice", o acto de revogação do acto tácito de deferimento, que se impugna, resulta do exercício de um poder exercido com fundamento na exigência de anulabilidades que se verificaram no procedimento de formação daquele acto tácito, logo antes do encerramento da discussão no processo de condenação à passagem do alvará; 12º - O acto revogatório ora impugnado viola assim frontalmente o julgado e é, por isso mesmo, absolutamente nulo, nos termos dos artigos 498º, 1, 668º, 1, d), 497º do Código do Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 1º da LPTA e do artigo 205º, 2 da Constituição; 13º - O acto revogatório do alvará viola também os princípios de justiça e de boa-fé pois significa um "venire contra factum suum" e ao aproveitar-se de uma situação ilegal para a qual a Câmara Municipal de Lisboa e o seu Presidente exclusivamente contribuíram: a falta de audição de entidades estranhas ao Município no processo gracioso de licenciamento; 14º - E nem se diga que há um conflito entre o princípio da legalidade e a boa-fé e a justiça, porque a boa-fé e a justiça fazem parte da legalidade no caso concreto, como princípios com consagração constitucional que são; constituem princípios de integração vertical de todas as fontes de direito que regulam o agir da Administração; 15º - A revogação do acto administrativo constitui mesmo, como exercício de um poder discricionário que é, um dos casos típicos da aplicação do princípio da boa-fé quando o valor da estabilidade e da confiança dos particulares deva prevalecer em virtude das circunstâncias sobre o interesse público necessário também prosseguido pela Administração; 16º - "Mutatis mutandis" o mesmo pode dizer-se da função integrativa do princípio da justiça, o qual é igualmente desrespeitado.

No caso concreto, pela atitude tomada pela Recorrida e seu Presidente e pela falta de atenção dos interesses da Recorrente que puseram em causa e gravemente prejudicaram; 17º - O acto de revogação está assim ferido, também por este motivo, de violação da lei por desrespeito pela boa-fé e pela justiça - no artigo 266º, 2 da Constituição e 6º e 6º A do CPA; 18º - O acto revogatório ora impugnado está igualmente ferido de incompetência pois que a limitação temporal de poder de revogação até à extinção do prazo do recurso contencioso ou até à reposta da autoridade recorrida no processo - artigo 141º do C.P.A. - deve entender-se extensiva aos processos em que se aprecia a legalidade do acto revogado, ou este é abrangido nos limites objecto do caso julgado como acontece no processo de intimação de passagem de alvará; 19º - É que o preceito do CPA, no seu segundo terminus "ad quem", a resposta da autoridade recorrida, visa proteger a estabilidade da instância e do caso julgado que se forma sobre acto impugnado; 20ª - Por último, ao revogar o acto tácito de deferimento sem lhe substituir uma regulamentação material - nem sequer a anteriormente existente - limitando-se a remeter para o prosseguimento do procedimento administrativo, a Recorrida prolongou "contra legem" o período para decidir, infringindo o seu dever de decidir, o que se representa uma violação da lei, ou outra violação dos limites temporários da sua competência, consoante o entendimento que se perfilhar.

21º - Em consequência do acima exposto, a aliás douta, sentença do 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 20 de Novembro de 2004, ao não considerar ou desatender os vícios invocados pela Recorrente e existentes no acto da Câmara Municipal de Lisboa de 24 de Maio de 2002, violou a lei substantiva e também a lei processual que lhe cabia aplicar, devendo assim ser anulada.

Pelo exposto deve a aliás douta sentença "a quo" agora impugnada ser revogada e o presente recurso ser considerado procedente, sendo o acto revogatório impugnado declarado nulo por violação do julgado ou, quando assim se não entender, anulado por violação da lei, ao ofender os princípios da boa-fé, da justiça e ainda por ter violado os limites temporais postos ao exercício da competência revogatória por parte da Câmara Municipal ou ainda, por último, por violação do dever de decidir no tempo imposto por lei." - cfr. fls. 252-257.

1.2 Por sua vez, a Entidade Recorrida, tendo contra-alegado, apresenta as seguintes conclusões: "a) Como ficou demonstrado nos nºs 3 a 16 destas alegações de recurso jurisdicional, não há na douto sentença recorrida erro de julgamento por se ter ali entendido que o acto revogatório da CML, de 29.05.2002 não viola os limites objectivos do julgado da sentença de 30 de Janeiro de 2002; b) é que, como ficou demonstrado, o juízo positivo do tribunal da intimação sobre o preenchimento dos pressupostos de formação do acto tácito de deferimento (constantes das leis procedimentais e substantivas) não tem qualquer valor no que toca à conformidade material ou substancial desse acto com as regras e princípios jurídicos que lhe sejam aplicáveis; c) pode assim dar-se o caso de existirem deferimentos tácitos reconhecidos judicialmente que padeçam, ab origine, e continuem a padecer, de um vício gerador da sua nulidade ou anulabilidade; d) não se extingue assim, por efeito da sentença intimatória, o poder da Administração revogar deferimentos tácitos ilegais, como igualmente se não extingue o poder de um tribunal...

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