Acórdão nº 0649/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2005
Magistrado Responsável | MADEIRA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 13 de Outubro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: Pela sentença de fls. 262 e ss. destes autos, o 1.º Juízo Liquidatário do TAF de Lisboa julgou parcialmente provada e procedente a acção que o Dr. A..., identificado nos autos, movera contra o Estado Português por, em 1975, ter sido prematuramente destituído do cargo de Presidente do Conselho de Administração da ..., SARL (mais tarde ..., S A), tendo a mesma sentença condenado o réu «a pagar ao autor o contravalor em euros da quantia de 2.053.800$00, devidamente corrigido nos termos da Portaria n.º 376/2004, de 14/4, deduzida das quantias que aquele recebeu enquanto trabalhador da ..., no Brasil, desde finais de 1975 até Março de 1978, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral cumprimento».
O Estado, representado pelo MºPº, interpôs recurso da referida sentença, tendo culminado a respectiva alegação com o oferecimento das conclusões seguintes: 1 - As conclusões alcançadas na sentença recorrida são contrárias aos fundamentos aduzidos.
2 - A sentença conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
3 - A questionada sentença padece de nulidade, sendo de nenhum efeito - art. 668º, n.º 1, al. c), do CPC. Acresce que 4 - A caracterização da relação jurídica, entre o Estado e o autor, feita no acórdão proferido nos autos, apenas se enforma de caso julgado formal.
5 - O poder de nomeação do Estado do autor era administrativo, que fazia nascer uma relação administrativa - ac. do STA de 21/11/95, rec. n.º 16.640; nota ao de 1/10/97.
6 - A relação estabelecida entre o Estado e o autor é jurídico-administrativa, regida pelo direito público.
7 - A cessação das funções do autor, em resultado de acto legislativo do Estado, não acarretou que o Estado deixasse de retribuir o autor.
8 - O mandato, ainda que existisse, não era oneroso para o Estado.
9 - Relativamente ao Estado, não se verificam sequer os pressupostos da obrigação de indemnização, previstos nas normas do contrato civil (art. 1172º do C. Civil).
10 - À luz do direito administrativo, a relação administrativa do Estado com o autor não dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
11 - A sentença aplicou indevidamente ao caso concreto as normas do contrato civil.
12 - Ao Estado, de acordo com o regime legal vigente na data do facto, apenas poderia ter oportunamente sido assacada responsabilidade civil extracontratual pela prática de actos (i)lícitos, que o autor não usou.
13 - O autor não prova o pressuposto de «falta de justa causa».
14 - A acção teria assim de improceder.
15 - Violou o disposto nos arts. 66º, n.º 2, 2.ª parte; 668º e 673º do CPC; 1170º, n.º 2, e 1172º, al. c), do C. Civil; DL n.º 40.833, de 29/10/56; art. 851º do C. Administrativo; os princípios gerais do contrato administrativo, à data da prática do facto, e o próprio Estatuto do Gestor, esta «a contrario».
16 - A mesma não andou conforme ao direito administrativo, que regulava a relação de cariz administrativo entre o Estado e o autor.
O autor da acção contra-alegou, formulando nessa sua peça as conclusões seguintes:
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A decisão proferida encontra-se em perfeita sintonia com os fundamentos invocados, no caso, a aplicabilidade subsidiária ao caso dos autos do regime do contrato de mandato estabelecido no Código Civil, em particular da obrigação de indemnizar estabelecida para os casos de cessação antecipada e sem justa causa do mandato oneroso, conferido por certo tempo, promovida pelo mandante, pelo que não enferma da nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. c), do CPC.
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O autor sempre qualificou a relação resultante da sua nomeação para Presidente do Conselho de Administração da ... como de mandato, com a consequente aplicação do regime legal estabelecido para tal tipo contratual, pelo que a sentença não se afasta da causa de pedir, nem tão pouco enferma da nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. a), do CPC.
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Os institutos do direito privado que regulam situações análogas - como é claramente o caso das regras do contrato de mandato estabelecidas no Código Civil em relação ao vínculo que se estabelece entre o Estado e os administradores por ele nomeados para os órgãos executivos de sociedades de que seja accionista - são subsidiariamente aplicáveis nesta como em qualquer relação de cariz administrativo.
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Não estando a situação de revogação do mandato antes do prazo estabelecido e sem causa justificativa especificamente regulada nos Decretos-Leis ns.º 40.833 e 139/70, deve fazer-se apelo às normas estabelecidas no Código Civil para o instituto do mandato, que consagram de forma inequívoca o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos em situações como a que ora nos ocupa.
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Ainda que assim não fosse, a verdade é que o direito à indemnização por rescisão unilateral de um contrato administrativo promovido pelo Estado, sem invocação de justa causa, não deve merecer contestação, resultando dos princípios gerais de direito que enformam o nosso sistema jurídico.
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Se aos particulares é exigido que, no cumprimento das obrigações, assim como no exercício do direito correspondente, procedam de boa fé, por maioria de razão deve tal comportamento ser assacado ao Estado.
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Estando demonstrado que a nomeação do autor, promovida pelo Estado, para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da ..., deu origem a um vínculo de carácter contratual entre ambos, ainda que de caris administrativo, com as características do mandato oneroso conferido por certo lapso de tempo, deve a respectiva revogação antecipada, sem invocação de justa causa, dar origem à obrigação de indemnização quando, como é o caso dos autos, daí resultem danos patrimoniais e não patrimoniais para o mandatário.
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A pretensão indemnizatória do autor nunca foi objecto de um acto administrativo passível de recurso contencioso, pelo que também nesta parte as alegações a que ora respondemos carecem em absoluto de fundamento.
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O tribunal fez correcta interpretação e aplicação da lei aos factos provados, não violando qualquer das disposições legais invocadas pelo agravante, nem padecendo de qualquer das nulidades apontadas.
O autor interpôs recurso subordinado da sentença, tendo enunciado na sua alegação as conclusões seguintes: a) À situação dos autos são aplicáveis as regras do mandato estabelecidas nos artigos 1157º e ss. do Código Civil, de entre as quais avulta a da livre revogabilidade do mandato (art. 1170º), sem prejuízo do dever de indemnizar quando, como é o caso que ora nos ocupa, estamos perante um mandato oneroso, conferido por certo tempo...
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