Acórdão nº 0274/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução16 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA : A… intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho, de 7/10/99, do Sr. Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional, que rejeitara a sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas (doravante DFA), alegando que o mesmo era ilegal em resultado de vício de violação de lei - violação do disposto nos art.s 1.º e 2.º do DL 43/76, de 20/1 - de erro nos pressupostos de facto e de violação dos princípios constitucionais de justiça, imparcialidade e igualdade.

Tal recurso foi julgado improcedente, julgamento que foi revogado pelo Acórdão do TCA, de 13/11/2003, o que motivou recurso, por oposição de julgados, para este Tribunal, o qual, reconhecendo essa oposição, ordenou o seu prosseguimento.

O Recorrente apresentou a alegação a que se reporta o art. 767.º, n.º 2, do CPCivil, formulando as seguintes conclusões: A. Por acórdão de 13.11.2003, o Tribunal Central Administrativo concedeu provimento ao recurso contencioso jurisdicional interposto em 06.02.2002, pelo ex -1.º Cabo A…, da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação do acto do Secretário - Geral do Ministério da Defesa Nacional que indeferiu o pedido do referido militar para ser qualificado como DFA .

B. Perfilhando um entendimento diametralmente oposto quer à decisão anterior, proferida pelo TACL, quer ao acórdão de 18/11/98 do STA (Acórdão fundamento) e à jurisprudência constante do STA, nesta matéria e, bem assim, à doutrina da PGR por entender relativamente ao acidente de viação sofrido pelo recorrente, que «sempre que o acidente ocorra numa actividade operacional em teatro de operações o mesmo deve considerar-se em campanha».

C. Conforme se pode verificar pela análise destes dois Acórdãos, a divergente interpretação e aplicação da mesma norma jurídica levou a consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito o que coloca em causa a necessária certeza e segurança jurídicas.

D. Assim, após a interposição de recurso pelo Recorrente, o STA, no douto Acórdão de 24.11.04, entendeu verificada a oposição de julgados, porquanto existe uma identidade quanto à matéria de facto e sendo o mesmo normativo, a divergência de julgamento verificada nos Acórdãos recorrido e fundamento resultou de diferente interpretação jurídica.

E. Ora, o critério fixado no acórdão recorrido não tem correspondência na lei, nem encontra acolhimento na doutrina e jurisprudência que, desde há largos anos, vêm apreciando os conceitos constantes dos artigos 1.° e 2.° do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20.1.

F. Desde logo, por entender, no que respeita à subsunção do acidente ao conceito de "campanha", que uma vez definido que seja o teatro de operações, a característica essencial do serviço de campanha, reside na existência de uma actividade de natureza operacional conexionada ou não com qualquer acção directa ou indirecta do inimigo.

G. Com efeito, atendendo às definições do que se seja "teatro de operações" e "actividade operacional", imediatamente resulta evidente que a intenção do legislador não foi a de reconduzir o "serviço de campanha" a tais conceitos.

H. Na verdade, no "teatro de operações" podem coexistir tanto a actividade operacional "de combate", como toda a actividade operacional "logística" e "administrativa" com aquela relacionada.

I. Pelo que, de acordo com o critério estabelecido no Acórdão recorrido, um militar que sofra um acidente ou venha a contrair uma doença (ou esta sofra um agravamento) no decurso de qualquer uma dessas operações poderá, pois, ser qualificado como DFA, sendo totalmente irrelevante, para o efeito, averiguar as causas concretas do acidente ou da doença.

J. Ora, tal critério, diga-se desde já, peca por excesso e por defeito, pois, K. Se, por um lado, permite considerar "em campanha" qualquer acidente ocorrido no decurso de uma actividade operacional, por causas que nada tenham a ver com uma especial perigosidade ou risco, sendo exemplos clássicos desta situação os mais diversos acidentes de viação ocorridos durante escoltas, patrulhamentos, etc., por causas como sejam o mau estado do piso da via, as deficientes condições de visibilidade e outras; L. Por outro lado, deixará de fora do conceito "de campanha" acidentes como os que ocorreram com militares que, não se encontrando no desempenho de qualquer actividade de natureza operacional, foram, no entanto, vítimas de acções directas ou indirectas do inimigo, em virtude, por exemplo, de minas ou flagelações ao aquartelamento.

M. Sendo certo que a intenção do legislador, no DL 43/76, de 20.1, é claríssima no sentido de não prescindir das causas concretas dos acidentes e das doenças, sendo o respectivo apuramento indispensável para efeitos do seu enquadramento nas várias situações susceptíveis de levar à qualificação como DFA.

N. Mais: tais causas não são neutras; ou seja, da leitura dos artigos 1.° e 2.° do referido diploma resulta, inequivocamente, que só as doenças ou acidentes decorrentes de certas situações, em que o risco a que os militares foram expostos excedeu o que é o risco comum às demais actividades castrenses, são tidos como relevantes e merecedoras de reconhecimento.

O. Assim é, na verdade, uma vez que a qualificação como DFA, tal como prevista, no DL 43/76, não opera para todos aqueles que, chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas ex-Províncias Ultramarinas, se deficientaram, contraíram e/ou agravaram doenças em virtude do serviço prestado, os quais, desde logo, se encontram abrangidos pelo regime jurídico relativo à protecção dos acidentes em serviço ou doenças profissionais, mas apenas para aqueles em que tais deficiências ou doenças foram adquiridas ou contraídas em circunstâncias particularmente penosas e/ ou traumatizantes.

P. Ou seja, como se refere em Acórdão do STA de 8.2.1994 (rec. n.º 31.398): "não é espírito do DL n.º 43/76, de 20.1, premiar aquilo que é tão só o exercício regular da função. O seu desiderato é o reconhecimento de situações verdadeiramente excepcionais de perigo", Q. A mesma ideia consta do preâmbulo do DL 43/76, onde pode ler-se: "o Estado Português considera justo o reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigos idade (...)".

R. Pretende-se, pois, abarcar "certas" situações, e não "todas" as situações em que ocorreram acidentes ou foram contraídas doenças durante o cumprimento do serviço militar.

S. Daí a preocupação de, no articulado do diploma, se individualizar e concretizar tais situações.

T. E, no que respeita ao conceito de "campanha", é clara a identificação do referido perigo com as situações de contacto ou possível contacto com as forças inimigas.

U. Pois, se a intenção do legislador fosse a de considerar que um acidente "em campanha" é o que ocorre, conforme entendido pelo douto acórdão recorrido, numa "operação militar" em "teatro de operações", bastante diferente teria certamente resultado a redacção do n.º 2 do art.º 2.º do DL n.º 43/76, de 20.1.

V. E, nesse contexto, não faria qualquer sentido aludir, na norma em causa, a "operações de guerra, de guerrilha ou contraguerrilha", como totalmente desnecessárias seriam as referências, na mesma disposição legal, a "acções directas do inimigo" ou a "eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo".

W. Assim, a interpretação do Tribunal a quo, ao considerar que uma vez definido que seja o teatro de operações, a característica essencial do serviço de campanha, reside na existência de uma actividade de natureza operacional conexionada ou não com qualquer acção directa ou indirecta do inimigo (negrito nosso), pura e simplesmente ignorou, esvaziando-a de conteúdo e utilidade, a primeira parte do n.º 2 do art.º 2.° do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20.1.

X. E nem tal entendimento tem sustentação na parte final do n.º 2 do referido art.º 2.°, por ali se aludir, de um modo mais genérico, a "eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade (...) de natureza operacional", já que a mesma não pode ser interpretada como separada da primeira parte da norma, nem sem atender às restantes disposições do diploma.

Y. De facto, o significado desta parte da norma não é o de que naquelas situações se abandonou a exigência de verificação de um perigo como o que decorre das situações relacionadas com a actuação do inimigo a que a primeira parte da norma alude, de tal modo, que se queira abranger todo e qualquer acidente.

Z. Uma vez que tal entendimento entraria em profunda contradição o n.º 3 do mesmo art.º 2.°, e deixaria sem termo de comparação o n.º 4 da mesma disposição legal, o qual tem como pressuposto que em todas as outras situações previstas no DL 43/76, de 20.1 se verifique um risco "agravado".

AA. Ou seja, os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT