Acórdão nº 0106/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução21 de Abril de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) 1.

O Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes veio interpor recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo que concedeu provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho, de 21.6.01, da entidade recorrente, de indeferimento do recurso hierárquico do despacho do Secretário Geral do Ministério da Defesa Nacional, que, por seu turno, indeferira pedido, formulado por A..., primeiro-sargento mecânico de material aéreo, no sentido de que o processo respeitante ao acidente de que este foi vítima, em 9.3.69, no Aeródromo de Manobra nº 61, em Vila Cabral, em Moçambique, fosse submetido à apreciação do Ministro da Defesa Nacional, com vista à qualificação do mesmo acidente como tendo decorrido em circunstâncias de risco agravado equiparável ao serviço de campanha, para efeitos de ser considerado o referido militar como deficiente das Forças Armadas (DFA).

Apresentou alegação, com as seguintes conclusões:

  1. Por acórdão de 9.10.2003, o Tribunal Central Administrativo, deu provimento ao recurso contencioso interposto pelo 1º Sargento A.., por considerar que o acidente sofrido pelo mesmo militar, durante a comissão de serviço que prestou em Moçambique - o qual foi atingido pela hélice de um avião quando procedia à sua inspecção -, ocorreu não só "em campanha", como "em circunstâncias de risco equiparável ao serviço de campanha", pelo que, consequentemente, anulou o acto impugnado, por considerar que o mesmo padecia de vícios de violação de lei, com referência aos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

  2. Para assim ter concluído, porém, a decisão recorrida desenvolveu um percurso de interpretação de factos e de aplicação do direito que, salvo o devido respeito, encerra vícios e contradições susceptíveis de gerar a sua nulidade.

  3. Desde logo, por entender, no que respeita à subsunção do acidente ao conceito de "campanha", que uma vez definido que seja o teatro de operações, a característica essencial do serviço de campanha, reside na existência de uma actividade de natureza operacional conexionada ou não com qualquer acção directa ou indirecta do inimigo.

  4. Chegando, assim, à fixação de um critério que não tem correspondência na lei, nem encontra acolhimento na doutrina e jurisprudência que, desde há largos anos, vêm apreciando os conceitos constantes dos artigos e do Decreto-Lei nº 43/76.

  5. Com efeito, atendendo às definições do que se seja "teatro de operações" e "actividade operacional", imediatamente resulta evidente que a intenção do legislador não foi a de reconduzir o "serviço de campanha" a tais conceitos.

  6. Na verdade, no "teatro de operações" podem coexistir tanto a actividade operacional "de combate", como toda a actividade operacional "logística" e "administrativa" com aquela relacionada.

  7. Pelo que, de acordo com o critério ora estabelecido no acórdão recorrido, um militar que sofra um acidente ou venha a contrair uma doença (ou esta sofra um agravamento) no decurso de qualquer uma dessas operações poderá, pois, ser qualificado como DFA, sendo totalmente irrelevante, para o efeito, averiguar as causas concretas do acidente ou da doença.

  8. Ora, tal critério, diga-se desde já, peca por excesso e por defeito, pois, I) Se, por um lado, permite considerar "em campanha" qualquer acidente ocorrido no decurso de uma actividade operacional, por causas que nada tenham a ver com uma especial perigosidade ou risco, sendo exemplos clássicos desta situação os mais diversos acidentes de viação ocorridos durante escoltas, patrulhamentos, etc., por causas como sejam o mau estado do piso da via, as deficientes condições de visibilidade e outras; 1) Por outro lado, deixará de fora do conceito "de campanha" acidentes como os que ocorreram com militares que, não se encontrando no desempenho de qualquer actividade de natureza operacional, foram, no entanto, vítimas de acções directas ou indirectas do inimigo, em virtude, por exemplo, de minas ou flagelações ao aquartelamento.

  9. Sendo certo que a intenção do legislador, no Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1, é claríssima no sentido de não prescindir das causas concretas dos acidentes e das doenças, sendo o respectivo apuramento indispensável para efeitos do seu enquadramento nas várias situações susceptíveis de levar à qualificação como DFA.

  10. Mais: tais causas não são neutras; ou seja, da leitura dos artigos 1º e 2º do referido diploma resulta, inequivocamente, que só as doenças ou acidentes decorrentes de certas situações, em que o risco a que os militares foram expostos excedeu o que é o risco comum às demais actividades castrenses, são tidos como relevantes e merecedoras de reconhecimento.

  11. Assim é, na verdade, uma vez que a qualificação como deficiente das Forças Armadas, tal como prevista, no Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1, não opera para todos aqueles que, chamados a cumprir o serviço militar obrigatório nas ex-Províncias Ultramarinas, se deficientaram, contraíram e/ou agravaram doenças em virtude do serviço prestado, os quais, desde logo, se encontram abrangidos pelo regime jurídico relativo à protecção dos acidentes em serviço ou doenças profissionais, mas apenas para aqueles em que tais deficiências ou doenças foram adquiridas ou contraídas em circunstâncias particularmente penosas e/ ou traumatizantes.

  12. Ou seja, como se refere em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8.2.1994 (Processo nº 31398): "não é espírito do Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1, premiar aquilo que é tão só o exercício regular da função. O seu desiderato é o reconhecimento de situações verdadeiramente excepcionais de perigo".

  13. A mesma ideia consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1, onde pode ler-se: "o Estado Português considera justo o reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade (...)".

  14. Pretende-se, pois, abarcar "certas" situações, e não "todas" as situações em que ocorreram acidentes ou foram contraídas doenças durante o cumprimento do serviço militar.

  15. Daí a preocupação de, no articulado do diploma, se individualizar e concretizar tais situações.

  16. E, no que respeita ao conceito de "campanha", é clara a identificação do referido perigo com as situações de contacto ou possível contacto com as forças inimigas.

  17. Pois, se a intenção do legislador fosse a de considerar que um acidente "em campanha" é o que ocorre, conforme entendido pelo douto acórdão recorrido, numa "operação militar" em "teatro de operações", bastante diferente teria certamente resultado a redacção do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1.

  18. E, nesse contexto, não faria qualquer sentido aludir, na norma em causa, a "operações de guerra, de guerrilha ou contraguerrilha", como totalmente desnecessárias seriam as referências, na mesma disposição legal, a "acções directas do inimigo" ou a "eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo".

  19. Assim, a interpretação do Tribunal a quo, ao considerar que uma vez definido que seja o teatro de operações, a característica essencial do serviço de campanha, reside na existência de uma actividade de natureza operacional conexionada ou não com qualquer acção directa ou indirecta do inimigo (negrito nosso), pura e simplesmente ignorou, esvaziando-a de conteúdo, a primeira parte do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1.

  20. E nem tal entendimento tem sustentação na parte final do nº 2 do referido artigo 2º, por ali se aludir, de um modo mais genérico, a "eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade (...) de natureza operacional", já que a mesma não pode ser interpretada como separada da primeira parte da norma, nem sem atender às restantes disposições do diploma.

  21. De facto, o significado desta parte da norma não é o de que naquelas situações se abandonou a exigência de verificação de um perigo como o que decorre das situações relacionadas com a actuação do inimigo a que a primeira parte da norma alude, de tal modo, que se queira abranger todo e qualquer acidente.

  22. Uma vez que tal entendimento entraria em profunda contradição o nº 3 do mesmo artigo 2º, e deixaria sem termo de comparação o nº 4 da mesma disposição legal, o qual tem como pressuposto que em todas as outras situações previstas no Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1 se verifique um risco "agravado".

  23. Ou seja, os "eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade (...) de natureza operacional" só poderão ser considerados se relacionados com as actividades do inimigo, qualquer que seja a sua forma, seja actividade directa ou indirecta, seja a ameaça de ataque das forças inimigas, ou com a perigosidade da missão atendendo a tais circunstâncias, em conformidade, aliás, com a definição de "serviço de campanha" constante do artigo 2º do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que precedeu e inspirou o Decreto-Lei nº 43/76, de 20.1, nesta matéria.

  24. Este é, com efeito, o espírito do Decreto-Lei nº 43/76, o qual não visa, como já atrás se assinalou "premiar aquilo que é tão só o exercício regular da função", pois o seu "desiderato é o reconhecimento de situações verdadeiramente excepcionais de perigo".

    A

  25. Este é, igualmente, o ponto unificador do diploma, a partir do qual deve ser estabelecido o critério de apreciação de todos os casos susceptíveis de nele serem integrados.

    AB) Afastando-se de esta perspectiva, o douto acórdão recorrido, não respeitou nem a letra nem o espírito da lei, restando ainda assinalar que se desviou igualmente de doutrina consolidada do Conselho Consultivo da PGR, bem como da jurisprudência pacífica dos Tribunais Administrativos, em particular, do Supremo Tribunal Administrativo.

    AC) Com efeito, e no que respeita à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, verifica-se ser unânime e constante o entendimento de que a causa dos acidentes...

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