Acórdão nº 0230/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução17 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) 1.

A..., casado, gerente comercial, residente na Rua .... Porto, intentou, no Tribunal Administrativo do Circulo (TAC) do Porto, acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 4.000.000$00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação, com fundamento em responsabilidade civil do Estado, decorrente de actos de gestão pública.

Para sustentar o pedido, o autor enunciou diversos factos, todos relacionados com procedimentos criminais e exercício da acção penal em processos em que foi arguido.

Por despacho proferido a fls. 106 a 108, dos autos, foi julgado o TAC materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado, absolvendo-se o réu da instância, com base em que os invocados actos danosos foram praticados no âmbito de um processo de inquérito, estando, por isso, a apreciação das acções ou recursos que sobre eles versem excluídos do âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos do art. 4, nº 1, al. d) do ETAF.

Esse despacho foi, porém, revogado por acórdão deste Supremo Tribunal, proferido a fls. 126 a fls. 133, dos autos, considerando que aquela acção de condenação foi proposta ao abrigo do art. 51, nº 1, al. h) do ETAF contra o Estado Português, por alegadamente ser responsável pelos prejuízos que o autor, ora recorrente, teve com as referidas condutas, que levaram ao atraso incomportável na decisão definitiva dos processos-crime em que foi arguido. Pelo que considerou o TAC do Porto o competente para conhecer da mesma acção.

Esta veio a ser julgada improcedente, sendo absolvido o réu Estado do pedido formulado, por sentença proferida a fls. 233 a 245, dos autos.

Inconformado com tal decisão, o autor veio interpor o presente recurso, tendo apresentado alegação, com as seguintes conclusões: a) - Viola o artigo 659°, nº 3, IIª parte, do C.P.C., como os artigos 349° e 351° do C.C., a decisão em sede de sentença que, face a uma resposta em matéria de facto, que não dá relevo a duas possíveis causas - item 7° da base instrutória - se permite concluir que uma delas é a essencial ".

  1. - Dar como assente que o A. experimentou, ao longo de quase 5 anos, grande esforço psicológico e até físico, de que lhe advieram grandes transtornos psicológicos e físicos, traduzidos em perda de humor, apatia e sintomas de úlcera, a que acresce ter sofrido o drama de, Pai extremoso que era, ver perder o convívio com os Filhos, então de menor idade, e que não podia acompanhar no seu desenvolvimento, em fase de puberdade ou quase adolescência., e desconsiderar tal como dano não patrimonial merecedor de tutela é violar o regime do artigo 496°, nº 1 do C.C.

c.5) - um inquérito iniciado em 1989 - ou seja, mais de DEZ (!!) ANOS sobre o início do processo de inquérito 2405, onde o mesmo denunciante ..., fora ouvido inicialmente, só vem a ter despacho em 08.05.

98, proferido no Pº 115/98 da 2ª Vara Criminal do Porto (doc. nº 10 junto com a p.i.); c.6) - entre o interrogatório de validação, em condições de exiguidade temporal, e a data em que foi ouvido pela 1ª vez, decorre um longo lapso de 51 (!!) dias, em que nunca pôde ter conhecimento das imputações que contra ele se iam recolhendo - cfr. Pº 2405 dos Serviços do Ministério Público; c.7) - Embora em reclusão, por virtude de sucessivas faltas de testemunhas, acumulação de serviço nos Tribunais e adiamentos sucessivos, factos que se devem a insuficiência de resposta do Estado, através do seu órgão de soberania e dos colaboradores que recruta, o aqui A. teve que suportar, em 4 anos de reclusão, 427 (!!) deslocações a Tribunais documento não impugnado junto como doc. nº 4 - o que favorece a exposição à avidez da comunicação; c.8) - suportar nova situação de prisão preventiva, na proximidade da concessão de liberdade condicional, porque, apesar de a pronúncia ser por crime cuja moldura penal não excede os TRÊS anos !!!, pelo que, nos termos do artigo 202° do C.P. P., ou seja, num caso de legal admissibilidade da mesma, tal se decidiu, e se manteve, apesar da reacção pronta do seu Mandatário (docs. nºs 18 e 19) e de tal ter sido objecto de posterior reconhecimento do agravo cometido, não é violar a regra do processo "célere" e do "due process ", é fazer errónea aplicação e interpretação do regime dos artigos - artigos 20°, 32°, nºs 1 e 2 e 26°, nº 1 da Const. Rep., 6°, nºs 1 e 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 8° e 11 ° da Dec. Un. D. H., artigos 105°, nº 2, 276°, 306° e 312°, nº 1 do C.P.P., 219°, nº 2, 222°, nº 2 da C. Rep., ao tempo, e 109°, nº 5, d) e 6, como 105°, nºs 1 e 2 do C.P.P., na redacção vigente ao tempo dos factos, bem como os artigos 2° e 6° do Dec-Lei 48.051 de 21.11.67.

Condenar o Estado Português, numa situação destas, que "Kafka" não anteveria, em montantes de 20.000 Euros, quanto aos danos não patrimoniais e 20.000 Euros quanto ao dano por violação do "direito ao acesso ao direito" e ao "due process", é prestigiando a justiça e os Tribunais, que não podem pactuar com omissões ou desinteresse funcional,fazer JUSTIÇAO Ministério Público, em representação do Estado, apresentou contra-alegação, na qual defende que deve ser confirmada a sentença recorrida. Refere, em síntese, que - face à matéria de facto provada, a acção foi julgada improcedente, porque se ter concluído, em face da matéria de facto provada, que a situação prisional do autor não foi agravada por causa dos atrasos na administração da justiça, mas antes pelo respectivo envolvimento, como arguido e como queixoso, em inúmeros processos-crime, de tramitação complexa e morosa, pela natureza dos crimes em causa. O que acarretou ou exigiu prazos mais dilatados, quer para a tramitação processual quer para a realização dos julgamentos.

- os prazos processuais são meramente ordenadores e o respectivo incumprimento não constitui, por si só, facto ilícito, devendo ser cumpridos pelos operadores judiciários dentro do que é razoável exigir-se-lhes, no circunstancialismo concreto de cada caso.

- na situação do autor, face ao número de processos em que, por culpa sua, se viu envolvido, à complexidade da investigação decorrente do tipo de crimes em investigação e ao adiamento de diligências que a própria lei prevê ou impõe, não pode concluir-se que esse prazo razoável foi inadmissível e injustificadamente ultrapassado, por forma a ter-se por negligente ou culposa a actuação dos "operadores judiciários" envolvidos.

- a situação física e psíquica invocada pelo autor como fundamento da acção proposta, sendo própria das circunstâncias em que se encontrava, ficou a dever-se ao tempo que esteve preso e, essencialmente, à ampla divulgação feita pela comunicação social, a que o réu Estado Português é, naturalmente, alheio.

- assim, não ocorrem, no caso concreto em apreço, os pressupostos da responsabilidade extracontratual, nomeadamente o facto ilícito e a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e os...

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