Acórdão nº 0714/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Março de 2005

Data17 Março 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência, na 1ª Secção do STA: B... intentou contra a CÂMARA MUNICIPAL DO FUNCHAL e o seu Presidente a presente acção de reconhecimento de direito, no sentido de ver declarado que as obras de ampliação da moradia pertença do demandado particular A..., sita na Rua ..., n.º..., na cidade do Funchal tituladas pela licença municipal 47/96 sofrem de ilegalidade, por violarem os arts. 12º do PDM/Funchal, 1360º do CCivil, 58º, 59º, 60º, 121º e 122º do RGEU.

Pede a condenação dos RR. no reconhecimento da ilegalidade das obras, em ser ordenada a respectiva demolição, sendo o Presidente intimado a dar execução à deliberação camarária tomada em conformidade com o que se pede.

A acção foi contestada por todos os demandados, seguiu os seus regulares e ulteriores termos, vindo, a final e por sentença de 22-10-02, a fls. 339 e ss. a ser julgada procedente, condenando-se o Presidente da Câmara a proceder à demolição das obras feitas pelo demandado particular, em execução do já antes deliberado pela câmara, na sua reunião de 7 de Agosto de 1997.

Desta sentença foi interposto recurso pelo demandado A... que, no termo da sua minuta, formula as seguintes conclusões: I) - Tendo o autor proposto a presente acção em ordem a que "terminem as constantes violações à propriedade privada", visto que, conforme diz, "a manutenção das obras ilegais no exacto estado em que se encontram violam direitos do A. à sua privacidade, sendo por conseguinte geradora de prejuízos", a problemática trazida ao galarim do Tribunal a quo não traduz matéria de contencioso administrativo ou de justiça administrativa.

II) - Ao invés, a pretensão do autor foi directamente assestada para a resolução de um conflito de índole privada, ou de direito privado das construções, ou mais propriamente de um conflito de vizinhança.

III) - Assim, o Tribunal a quo é materialmente incompetente para decidir o litígio entre vizinhos proprietários, quando o conflito é de direito privado.

IV) - A questão não foi formalmente suscitada no tribunal hierarquicamente inferior, mas porque configura matéria de direito e ainda porque é de conhecimento oficioso, pode e deve ser apreciada em grau de recurso jurisdicional.

V) - O Ministério Público junto do Tribunal recorrido emitiu parecer no sentido de que as partes deviam ser remetidas ao foro comum.

VI) - Não tendo sido notificado ao recorrente o mencionado parecer, nos termos do artigo 54º, nº 1, da LPTA, a irregularidade traduz uma nulidade processual atípica, nos termos dos artigos 201º e 205º do Código de Processo Civil, (com aplicação ao direito administrativo, ex vi do art. 1º da LPTA), o que só agora foi detectado, pelo que também, só nesta oportunidade se pode arguir, para os devidos e legais efeitos.

VII) - Tendo condenado o Presidente da Câmara Municipal do Funchal a executar a demolição constante do facto 19, sem que primeiramente tivesse declarado a existência do direito, e o reconhecimento do mesmo, a sentença não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, sendo, por isso, nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º da LPTA.

VIII) - De resto, se à data da deliberação, tomada na reunião ordinária de 7 de Agosto de 1997, o Presidente estava informado dos contornos da demolição e das consequências da mesma não só para a Administração, como também para o contra-interessado, além de que a demolição não podia ser efectuada pela entidade administrativa, por inexistência de alvará, então a ordem de demolição, qual falsa partida, não representa um acto administrativo definitivo e executório, que pudesse ser impugnado pelo administrado.

IX) - De notar é que não tendo sido exercido o contraditório, a deliberação em causa nem era passível de ser executada coercivamente.

x) - E bem vistas as coisas, não existindo uma verdadeira ordem de execução que tivesse sido desobedecida e incumprida pelo contra-interessado, a entidade administrativa nem podia dar início à execução coerciva da operação, por não possuir qualquer título ou salvo-conduto para o efeito.

XI) - Daí que, ao ter condenado o Presidente da Câmara do Funchal a executar uma deliberação que não podia nem pode ser ainda executada coercivamente, a sentença conduz a um non liquet.

XII) - Só assim não aconteceria, se o juiz tivesse concretizado e especificados os actos e as operações em que a prestação deveria consistir e o prazo em que as mesmas deveriam ter lugar, como forma de ultrapassar a indecisão, a letargia ou inércia camarária.

XIII) - A exposição que o autor fez chegar ao Presidente, em 18 de Maio de 1998, referindo estar de acordo em anular a reclamação e todo o processo, permitindo dessa forma a legalização das obras efectuadas junto à partilha, que passariam por algumas modificações, designadamente a elevação dos muros e a fixação de tapassóis do canto superior esquerdo, e pelo recebimento de uma indemnização de dois milhões de escudos, traduz a renúncia à posição jurídica, através da qual o interessado perde a legitimidade procedimental, conduzindo à extinção, por decisão administrativa, do mesmo.

XIV) - Com a renúncia, o interessado fica impedido de renovar a mesma pretensão noutro procedimento.

XV) - Tendo mais tarde, com data de 17 de Maio de 1999, informado o Presidente de que, face a um ofício que não satisfazia as exigências por ele anteriormente efectuadas, acabando por exigir de novo a demolição da construção, esta nova pretensão não poderá ser recebida, devido à anterior renúncia.

XVI - Representando a restituição in natura a indemnização por excelência, quando esta não é de molde a neutralizar o prejuízo do autor, quando a mesma pode representar um encargo elevadíssimo para a entidade administrativa, que terá de indemnizar o contra-interessado da inutilização da sua moradia, parece incontestável que a indemnização in natura deverá ser substituída pela indemnização em correspectivo, ou através da reparação por equivalente pecuniário, nos termos previstos no artigo 566º, nº 1, 1ª parte.

XVII) - É que, nesse caso, a indemnização in natura tornou-se impraticável, por impossibilidade, insuficiência, ou excessiva onerosidade, devendo, por isso, ser substituída e ressarcida através da reparação por equivalente pecuniário, nos termos do inciso normativo supra citado.

XVIII) - A entidade administrativa decidiu, em face da situação, dar por findo o procedimento, tendo a decisão que não foi impugnada contenciosamente, permanecido incólume.

XIX) - E não tendo impugnado a referida deliberação, o autor não podia ter intentado a presente acção.

XX) - E, se assim é, efectivamente, também não se podia ter condenado o Presidente a executar uma deliberação, quando a entidade administrativa, com a chancela do seu presidente, já havia dado por findo...

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