Acórdão nº 045884 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução02 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., SA, ..., SA, ..., SA, ..., ..., e ..., propuseram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção declarativa com processo ordinário contra o MUNICÍPIO DE CASCAIS pedindo a condenação deste a pagar: - à 1.ª Autora a quantia de Esc. 2.117.693$00, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; - à 2.ª Autora , a quantia de Esc. 1.588.270$00, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; - a cada uma das restantes Autoras a quantia de Esc. 529.423$99, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a acção procedente, condenando o Réu a pagar as quantias referidas, nos termos pedidos.

Inconformado, o Município de Cascais interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: I - O direito à indemnização por danos emergentes de actos de gestão pública depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um acto ilícito (positivo ou negativo), praticado no exercício de funções públicas e por causa delas; a sua imputação a um órgão ou agente do Estado ou de outra pessoa colectiva pública; um dano na esfera dos direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros; um nexo de causalidade entre aquele acto e este dano; II - A responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos regulada no Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1987, corresponde, no essencial, ao conceito civilista da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, que tem a sua base no nº 1 do art. 483º do C, Civil; III - Ora, um dos pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar é a culpa, pois se há obrigação de indemnizar independentemente da culpa nos casos especificados na lei, o que não é o caso, pois o art.. 2º do citado diploma legal refere expressamente, que os danos terão de resultar de actos ilícitos culposamente praticados.

IV - A causa de pedir numa acção de indemnização por factos ilícitos é o facto ou conjunto de factos alegados, de que o autor pretende fazer emergir o direito que invoca (cfr. art.. 498º do C. P. Civil) ; V - Incumbe ao autor fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado, conforme decorre aliás do princípio geral consagrado no art.. 342º, nº 1, do Código Civil. "Aquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado", salvo nos casos em que exista presunção legal de culpa.

VI - O Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1987, que regula a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, apenas prevê no seu art.. 2º a responsabilidade dos órgãos ou agentes administrativos quando os actos ilícitos forem culposamente praticados e essa culpa, de acordo com o disposto no seu art.. 4º, será apreciada nos termos do art.. 487º do C. C., "pela diligência de um Bom Pai de Família"; VII - Uma das situações que o diploma legal citado não contempla é a do art. 493º, nº 1, do C. Civil, pelo que sempre será ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão; VIII - Por isso, nas acções de responsabilidade civil extracontratual da administração por facto ilícito culposo não funciona a presunção legal de culpa do art.. 493º do Código Civil (cfr. acórdão da secção do contencioso administrativo de 16/05/1995, Rec. 36.463); IX - E no mesmo sentido, decidiu o STA. REC. 40.177, 96/09/26: "não se mostram preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpa quando os factos provados não permitem concluir que a produção do acidente se ficou a dever à falta ou Incúria dos serviços do recorrente em remover determinado obstáculo da via pública a seu cargo; X - Da matéria de facto dada como provada, não constam factos que demonstrem que o entupimento do colector de águas residuais do sistema de esgotos resultou de facto ilícito e culposo do Município: XI - Os A. A. não alegaram e consequentemente não demonstraram a existência de uma conduta omissiva por parte do recorrente, da matéria provada não resultam factos, com base nos quais se demonstre que o Município não observou as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em consideração no cumprimento do seu dever de vigiar e manter em bom estado de limpeza e de funcionamento a rede de esgotos; XII - Não se tendo provado a culpa e consequentemente a existência de acto ilícito, falta um dos pressupostos de que a lei faz depender o dever de indemnizar : XIII - De qualquer forma, ainda que assim se não entendesse, tem de considerar-se, que tendo sido dado como provado, que a R. procedia à limpeza e manutenção dos colectores duas vezes por ano, terá de concluir-se que essa conduta, é adequada ao cumprimento dos seus deveres funcionais; XIV - Por outro lado, o alegado direito de indemnização das A. A. encontra-se prescrito, pois no caso vertente, não assiste às A. A. o direito de regresso, uma vez que não existe solidariedade entre elas e o R.; XV - No presente caso, o que aconteceu foi que as seguradoras ficaram sub-rogadas nos direitos da segurada, conforme resulta, aliás, do documento escrito junto a fls. 31 dos autos; XVI - " A A. seguradora, que indemnizou o seu segurado, proprietário de um dos veículos intervenientes no acidente, pode pedir a condenação do proprietário do outro veiculo e da sua seguradora, no pagamento que desembolsou, imputando a culpa do sinistro ao motorista desse último veiculo.

II - Trata-se do exercício do seu direito de sub-rogação e não de regresso", XVII - A sub-rogação é uma transmissão legal de créditos. o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que esse continha (cfr. art.. 593º, nº 1 do Cod. Civil), o sub-rogado fica, por consequência investido na posição até aí atribuída ao credor da relação obrigacional ; XVIII - No caso vertente, havendo sub-rogação, as seguradoras ficaram investidas na posição jurídica da segurada, com todas as garantias e demais acessórios decorrentes da obrigação; XIX - O prazo de prescrição conta-se também para o sub-rogado da data em que ocorreu o facto do qual emerge o direito de indemnização, ou da data em que o lesado teve conhecimento (art.. 498º. nº 1 C. C.) : XX - "O prazo de prescrição do direito indemnizatório é, para o sub-rogado, o mesmo que opera em relação ao primeiro credor".

XXI - A douta decisão recorrida, decidindo como decidiu violou o disposto nos artigos 2º e 4º do Dec.-Lei nº 48.051. de 21 de Novembro, e ainda os artigos 487º, 498º, 342º. 528º. 589º e 593º todos do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, revogando-se a decisão recorrida, com o que se fará JUSTIÇA.

As Autoras contra-alegaram, sem apresentarem conclusões, defendendo a improcedência do recurso jurisdicional.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: A nosso ver, improcede a alegação do município recorrente.

Como bem salienta a sentença recorrida, corresponde à jurisprudência hoje largamente dominante, neste Supremo Tribunal, o entendimento - seguido no Pleno da 1.ª Secção (vd. ac. de 7.04.97) - de que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais, por acto ilícito de gestão pública, a presunção de culpa estabelecida no art. 493 1 CCivil.

E, acompanhando a alegação das recorridas, afigura-se-nos também acertado o entendimento seguido na sentença recorrida no sentido de que na data da citação do R (13.05.98), não tinha decorrido o prazo de prescrição da respectiva obrigação de indemnizar, por isso que o mesmo se iniciou apenas na data (16.05.95) em que as AA ora recorridas cumpriram a obrigação de indemnização a que estavam vinculadas pelos contratos de seguro e a partir da qual passaram a puder exercer o respectivo direito perante o R recorrente (art. 306/1 CCivil).

A sentença fez em suma adequada apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, devendo ser confirmada.

Somos pois de parecer que o recurso não merece provimento.

2 - Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto: - As AA. celebraram com ...l, SA três acordos denominados contratos de seguro, titulados pelas apólices nºs ..., ... e ... (docs. de fls. 6 a 20), todos do ramo Incêndio e Elementos da Natureza, pelos quais assumiram a transferência para si de diversos riscos que pudessem ocorrer ao edifício e recheio do Hotel ... (apólice nº ...), do Casino ... (apólice nº ...) e às demais instalações da sociedade (apólice nº ...) - (A) ; - Tais acordos foram celebrados pelas ora AA. em regime de co-seguro, assumindo a 1ª A. uma percentagem de 40% das responsabilidades, a 2ª A. uma percentagem de 30% das responsabilidades e cada uma das 3ª, 4ª e 5ª AA. uma quota-parte de 10% das responsabilidades (quadro de fls. 10) - (B); Entre os riscos transferidos encontra-se o de danos por águas, nos termos expressamente previstos nas respectivas apólices (C); - Nos diversos acordos estão previstas franquias para este risco de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de Esc. 100.000$00 (D); - No dia 30.12.1994, o colector de águas residuais do sistema de esgotos, pertença do R., e instalado no cruzamento entre a Rua dos Selões e a Rua das Fisgas, em Alcoitão, entupiu (E); - Por documento escrito com cópia a fls. 29, subscrito por um seu representante e datado de 16.5.1995, ..., SA declarou ter recebido da A., como indemnização pelo sinistro ocorrido em 30.12.1994, por...

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