Acórdão nº 01662/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - A...

, id. a fls. 2, intentou no TAC de Lisboa contra o HOSPITAL DO ESPÍRITO SANTO e contra B..., médico cirurgião desse hospital, a presente acção onde, com fundamento em deficiente prestação de serviços médicos, acaba por pedir a condenação dos RR. no pagamento ao A. da "quantia de 7.500.000$00 por danos não patrimoniais e em quantia a liquidar em execução de sentença por danos patrimoniais".

2 - Na contestação o R. B..., ao abrigo do disposto no artº 331º do C. P. Civil, requereu a Intervenção Acessória da "...", actualmente "..."o que foi admitido por despacho de fls. 125v/126.

3 - Por sentença de 26.03.2003 (fls. 293/314) foi a acção julgada "parcialmente procedente por provada" e em conformidade condenados "os RR. a, solidariamente, pagarem ao Autor o montante de 20.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, bem como a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença correspondente ao vencimento que deixou de auferir durante o período de baixa iniciada em 15 de Janeiro de 1998, no mais se absolvendo os Réus do pedido".

4 - Não se conformando com tal decisão dela veio o R. B... bem como "..." a interpor recurso jurisdicional.

Na respectiva alegação (fls. 330/337) formulou a "..." as seguintes CONCLUSÕES: I - Resulta provado nos autos que o Dr. B... não violou qualquer regra da "leges artes" pelo que, não pode ser responsabilizado e em sequência também o não será a recorrente.

II - Não tendo havido negligência por parte do médico na realização do acto médico, nem culpa, não há facto pessoal donde possa emergir responsabilidade civil extracontratual.

III - A situação dos autos ocorre por manifesta falta de meios e pessoal do Hospital, não podendo ser o médico responsável pela omissão do Estado no providenciar de tais condições.

IV - O agravamento do risco da operação, já de si muito elevado pois destina-se a salvar "in limine" uma vida, não decorre de qualquer actuação menos correcta do médico.

V - Não é exigível ao médico que se substitua nessa omissão e, quando não consiga supri-la, por evidente sobrecarga de exigências que vão além da sua obrigação e ética de médico, não pode o mesmo ser responsável.

VI - A situação melhor descrita nos autos ocorre durante e por força de prestação de cuidados de saúde públicos, pelo que, o contrato de seguro não cobre tal situação - vide artº 3º das C. Gerais da Apólice.

VII - O contrato de seguro em causa só tem aplicação nas situações em que o médico exerce a sua actividade profissional na condição de independência de meios técnicos e conhecimento.

VIII - No caso dos autos o recorrido não é segurado para efeitos de contrato de seguro, pelo que, não é aquele contrato aplicável ao caso dos autos, mormente, por indirectamente estarem a serem seguras obrigações/omissões de outrem que não o tomador do seguro.

IX - Por outro lado, também o A. não pode ser considerado um terceiro em relação ao Hospital e ao próprio médico, pelo que, também não estamos perante o instituto de responsabilidade civil extracontratual.

X - Verifica-se a violação do disposto no artº 494º e 496º ambos do C. Civil e artº 3º das Condições Gerais da Apólice.

Termos em que a sentença recorrida deve ser revogada.

5 - Na respectiva alegação (fls. 338/350) formulou o R. B... as seguintes CONCLUSÕES: A - O recorrente, conforme se reconhece na sentença recorrida, não agiu contra as leges artis próprias das suas funções (actividade médico-cirúrgica).

B - Por via disso não violou o dever de cuidado próprio da sua profissão, já que observou todas as regras, técnicas e prudenciais, relativas à execução do acto cirúrgico que foi chamado a realizar e que não podia, de modo algum, deixar de realizar.

Na verdade, C - São tais regras, e só elas, que definem e limitam a medida do cuidado que lhe pode ser exigido.

D - Sucede que o recorrente, por referência ao acto cirúrgico de 10 de Outubro de 1993 e em razão de não ter podido contar, na sua equipa operatória, com um técnico instrumentista e um cirurgião-ajudante, não dispunha, de facto, de condições objectivas que lhe permitissem realizar a intervenção dentro de um quadro do que designaríamos de risco normal em intervenções daquela natureza, conforme se reconheceu na sentença recorrida.

E - A deficiente composição da equipa operatória originou, pois, um risco acrescido para a intervenção cirúrgica levada a cabo, conforme se reconheceu na sentença recorrida.

F - Cabia ao 1º Réu, HES, assegurar os meios humanos necessários à adequada composição da equipa operatória, conforme se reconheceu na sentença recorrida.

G - Por via disso e atento o disposto no artº 486º do C. Civil, não cabia ao recorrente, enquanto cirurgião e no decurso do acto cirúrgico em causa, suprir as faltas dos dois técnicos acima mencionados.

H - Nem suportar, em nenhuma medida, o referido risco acrescido.

I - O facto lesivo teve origem e causa na deficiente organização e funcionamento do Serviço de Urgência do 1º Réu, configurando um exemplo típico da chamada "faut du service", ínsita no princípio geral consagrado no artº 22º da CRP.

J - Tal violação do dever da boa administração originou, no caso em apreço, um risco acrescido e anormal, gerador de danos, por cujo ressarcimento é exclusivamente responsável o 1º R., nos termos do artº 8º do DL 48.059.

K - Tais danos circunscrevem-se, porém, às dores físicas, incómodos, mal estar e angústia sofridos pelo recorrido, em resultado da sua submissão à segunda intervenção cirúrgica, realizada a 8 de Janeiro de 1998 e destinada, exclusivamente, à remoção da "pinça de coração" alojada no interior da sua cavidade abdominal.

L - Não se provou a lesão de qualquer órgão reportável ao mencionado instrumento cirúrgico.

M - Nem que o mesmo tenha, directa ou indirectamente, causado ao recorrido quaisquer dores, mal estar ou incapacidade para o trabalho.

N - Nem, finalmente, qualquer relação com a baixa médica iniciada imediatamente após a alta hospitalar, na sequência da realização do citado acto cirúrgico de 8 de Janeiro de 1998.

Nestes termos deve conceder-se provimento ao recurso e absolver-se o R. de qualquer responsabilidade. 6 - Não foram apresentadas contra-alegações.

7 - O Ex.mo Magistrado do Mº Pº...

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