Acórdão nº 01116/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Janeiro de 2005

Data25 Janeiro 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A... e mulher, B..., identificados nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do TAC de Coimbra que julgou improcedente a acção por eles movida contra a CM Murtosa (que a sentença interpretou como designado o Município da Murtosa) com vista a obter a condenação do réu no pagamento de uma indemnização pelos danos materiais e morais que ele lhes causou por haver demolido uma moradia pertencente aos autores.

Os recorrentes terminaram a sua alegação de recurso, formulando as conclusões seguintes: 1 - Os recorrentes alegaram nos artigos 10º, 11º, 12º, 13º, 14º «in fine», 16º e 23º da petição inicial factos que são essenciais para o conhecimento do mérito da acção.

2 - E, para prova dos mesmos, juntaram documentos com a petição inicial: dois contratos-promessa e ofício da ré de 12/4/83.

3 - Tais documentos não foram impugnados de falsos e o tribunal serviu-se deles para formar a sua convicção na resposta a factos da base instrutória e na fixação de outros na matéria assente.

4 - Se assim é, tais factos tinham de ser dados como assentes pelo tribunal, o que não aconteceu, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto, em violação do que dispõe o art. 653º, ns.º 1 e 2, do CPC.

5 - Por outro lado, o tribunal recorrido deu como assente a factualidade alegada no art. 14º da petição inicial, servindo-se como meio de prova do contrato-promessa, junto com a petição inicial, celebrado pelos recorrentes, mas não deu como assente a parte final desse artigo onde se alegava que pagaram integralmente o preço de 3.894.000$00.

6 - Ora, se do referido contrato (cláusulas V e VI) consta o pagamento da totalidade do preço, devia o tribunal dar como provado esse pagamento, não constando da fundamentação da matéria de facto as razões pelas quais o dito contrato não serviu de meio de prova.

7 - E, a entender-se que o contrato-promessa não servia como meio de prova e tratando-se de um facto essencial (a douta sentença refere que os autores não provaram que pagaram aquela quantia), impunha-se a ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 264º, n.º 1, e 650º, n.º 2, al. f), e n.º 3, ambos do CPC.

8 - O mesmo se diga em relação aos factos alegados nos artigos 10º, 11º, 12º, 13º, 16º e 23º da petição inicial, pois sempre o tribunal devia, nos termos das disposições citadas, proceder à ampliação da base instrutória. Sem precindir, 9 - Os factos dados como provados pelo tribunal recorrido e praticados e/ou imputados à ré, nomeadamente os constantes das deliberações e contrato-promessa celebrado com o Árabe, exposição da maqueta do empreendimento turístico, inauguração das casas pelo Governador Civil, atendimento dos autores pelo Presidente da Câmara, são ilícitos e culposos e foram idóneos a causar danos aos autores.

10 - Estão verificados todos os pressupostos do dever de indemnizar por parte da ré: os factos voluntários praticados pela ré; a ilicitude da deliberação de 16/6/81 e das que se lhe seguiram, traduzida na violação da lei dos loteamentos em vigor naquela data (DL 289/73, de 6/6); a culpa, traduzida na vontade que a ré manifestou de aprovar o loteamento contra a informação do seu funcionário que dizia ser obrigatório parecer, cuja falta seria sancionada com a nulidade; na vontade da ré em construir e desenvolver um projecto turístico que sabia ser ilegal; na vontade da ré em querer que as pessoas conhecessem o empreendimento, permitindo a sua exposição no seu edifício; na inauguração das casas pelo Governador Civil; o dano, que corresponde ao valor da casa no momento da demolição; o nexo de causalidade, que corresponde à imputação dos danos à conduta da ré, os quais, sem esta, não se teriam verificado.

11 - Nenhum facto pode ser imputado aos autores por terem ficado sem a casa, na medida em que, mesmo se tivesse sido concedida licença, a mesma seria nula e de nenhum efeito em consequência da nulidade da deliberação que aprovou o loteamento.

12 - Não podia a ré ignorar as consequências da nulidade da deliberação de 16/6/81, que aprovou o loteamento ao Árabe, nomeadamente a impossibilidade de efectuar a venda das casas edificadas nos lotes, como foi o caso da dos autores.

13 - Como não podia a ré ignorar que, mesmo emitindo as licenças de obras depois daquela deliberação, as casas edificadas eram ilegais.

14 - Competia à ré provar que a moradia dos autores seria sempre demolida independentemente da nulidade da deliberação de 16/6/81 e da sentença de 1990, que a declarou.

15 - A ré estava obrigada, antes de proceder à demolição, a declarar que as construções não eram susceptíveis de ser legalizadas, em obediência aos princípios da proporcionalidade e da justiça.

16 - Os autores, até ao dia do embargo, estavam convictos da legalidade da construção da sua moradia.

17 - E, na data do embargo, já a moradia estava concluída, data a partir da qual nela passaram a residir.

18 - Pelo que não é possível imputar aos autores a culpa nos danos resultantes da demolição, já que não está provado nos autos que as obras se fizeram depois do embargo.

19 - E, sabendo a ré que a moradia que demoliu pertencia aos autores, antes da demolição estava obrigada a ouvi-los sobre tal decisão.

20 - A douta sentença, ao absolver a ré do pedido, fez incorrecta aplicação da lei e do direito, violando as normas dos artigos 96º e 97º do DL n.º 169/99, de 18/9; as normas dos artigos do DL n. 92/95, de 8/5; as normas dos artigos 162º a 167º do RGEU; as normas dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 6º-A e 100º do CPA; as normas dos artigos 62º e 65º da CRP e as normas dos artigos 341º, 342º, 483º, 562º, 569º, 570º e 572º do Código Civil.

A ré contra-alegou, oferecendo as conclusões seguintes: 1 - Os recorrentes não lograram provar a sua causa de pedir e, bem assim, o nexo de causalidade entre o seu alegado prejuízo e a actuação ilegal da recorrida ao aprovar o anteplano do empreendimento.

2 - O empreendimento promovido pela sociedade ..., vulgarmente conhecida por «Árabe», entidade a quem os recorrentes prometeram comprar uma casa, foi abandonado pela aludida sociedade em fase de incipiente construção.

3 - A recorrida havia celebrado em Maio de 1983 (doc. 1 junto com a petição inicial) um contrato com o Árabe, prometendo vender-lhe os terrenos onde se implantava o empreendimento, sujeitando tal a várias cláusulas, nomeadamente a obrigação de concluir o empreendimento em três anos. Face ao abandono do empreendimento por parte do Árabe, a recorrida, em Outubro de 1984, denunciou o aludido contrato-promessa de compra e venda e intentou, em 1985, uma acção judicial para ver reconhecida como válida a aludida denúncia, pretensão que lhe foi julgada favorável.

4 - Foi o abandono do empreendimento por parte do seu promotor (o Árabe) que motivou a sua não conclusão e a posterior demolição das construções que, entretanto, de uma forma clandestina, os recorrentes aí edificaram.

5 - Quando o TAC, em 16/3/90, declarou nula a deliberação da recorrida que aprovara o anteplano, já há muito tal deliberação não tinha qualquer interesse prático, sendo mesmo inútil face ao aludido abandono e à denúncia do contrato por parte da recorrida.

6 - Não é a nulidade da deliberação que impõe a demolição das obras, pois sempre o acto poderia ser repetido, expurgado que fosse do vício que determinou a sua nulidade. Mas a falta do requerente do acto e a denúncia do contrato que legitimava o empreendedor a pedir a aprovação do anteplano é que torna inviável a sua repetição.

7 - Os recorrentes mais não eram do que meros promitentes compradores de uma coisa futura, pois o terreno onde a casa era implantada não pertencia ainda ao promotor imobiliário, mas sim à recorrida.

8 - Os recorrentes não lograram provar que, após o abandono do empreendimento pelo Árabe, foram aconselhados pelo Presidente da Câmara a proceder à construção da casa, e isto era a pedra angular da sua tese.

9 - Os recorrentes nem mesmo lograram provar ter pago ao Árabe 3.840.000$00, pois no documento em que se apoiam não consta tal.

A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, embora admita que a 1.ª instância errou ao não dar como provado que os recorrentes pagaram 550.000$00 aquando da celebração do contrato-promessa, emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso por não haver nexo causal «entre os prejuízos invocados pelos autores e o acto ilícito em causa».

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos: A ré é legítima proprietária dum prédio rústico: "...", terreno de pastagem e pinhal, com cerca de...

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