Acórdão nº 01325/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelEDMUNDO MOSCOSO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1 - A..., residente na Rua ..., ..., ..., V. N. Gaia, intentou no TAC do Porto a presente acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de acto administrativo ilegal, contra a CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 4.000.000$00, a título de danos morais e em quantia a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais.

2 - Por sentença de 24.04.03 (fls. 230/242), foi a acção julgada parcialmente procedente e em conformidade o R. "Município de V. N. de Gaia" condenado no "pagamento ao A. A..., da quantia que vier a liquidar-se em eventual execução de sentença".

3 - Não se conformando com tal decisão, quer o A. (a fls. 249) quer a R. (a fls. 244) dela vieram interpor recurso jurisdicional.

4 - Em sede de alegações, o A. formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - Decidiu o tribunal julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a Recorrida ao pagamento da indemnização em quantia que vier a liquidar-se em eventual execução de sentença.

II - Tais prejuízos resultaram em parte do facto de o Recorrente ter estado impedido de comercializar e o prédio ter sofrido os efeitos do tempo e do clima e não poder ser comercializado como prédio novo o que provoca desvalorização.

III - Ficou provado que "tal desvalorização estima-se em cerca de 3.000.000$00 no preço de venda de cada fracção".

IV - Salvo o devido respeito e melhor opinião, só deve ser relegada para execução de sentença a indemnização respeitante a danos cuja existência esteja provada mas em relação aos quais não existam elementos suficientes para fixar o seu montante.

V - Ficou provado que a Recorrida emitiu o alvará de licença de utilização para 28 fogos - al. L) da matéria de facto assente, documento no 17 junto com a petição.

VI - Tendo ficado provado que cada fogo sofreu uma desvalorização de Esc. 3.000.000$00, resulta que o valor total do prejuízo do Recorrente, resultante apenas da dita desvalorização das fracções, ascende a Esc. 84.000.000$00 (418.990,23 Euros).

VII - Deveria o tribunal ter procedido ao cálculo e liquidação parcial do valor da indemnização devida pela desvalorização causada ao prédio, relegando para execução de sentença apenas a parte da indemnização resultante da perda de rendimento do capital investido na construção, bem como a parte resultante dos danos morais sofridos pelo Recorrente, relativos à publicitação na imprensa e ao denegrir do nome do Recorrente enquanto promotor imobiliário e ainda aos efeitos sobre a sua saúde física e psíquica.

VIII - Sempre com o devido respeito, entende o Recorrente que o tribunal fez errada aplicação do Art. 661º do CPC, tendo por isso violado esta norma.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso merecer provimento e, consequentemente, proceder-se à fixação do valor da indemnização na parte que já é líquida, respeitante ao prejuízo sofrido pelo Recorrente resultante da desvalorização do prédio, em 418.990,23 Euros.

5 - Em sede de alegações, a R. formulou as seguintes CONCLUSÕES: I - A sentença padece de erro de julgamento, violando o disposto nos artºs 2º a 10º do DL 48.051, de 21/11/67, e nos artºs 483º, 487º nº 2, 564º e 563º do Cód. Civil.

II - Como resulta dos factos considerados provados na douta sentença, o prédio não se encontrava em condições de lhe ser emitida a respectiva licença de habitabilidade por anomalias detectadas pelo Centro de Saúde, por em 22 de Abril de 1996 e de em 26 de Junho de 1997 terem sido apresentados para apreciação aditamentos ao projecto de construção (que necessitavam de parecer do Ministério da Defesa Nacional), e, ainda por a vistoria efectuada pelos SMAS da Câmara Municipal de Gaia ter tido parecer desfavorável, isto é, existiam condições impeditivas à emissão da referida licença de utilização não imputáveis à Câmara mas ao requerente do pedido de licenciamento.

III - Todas estas anomalias se referiam ao prédio todo, incluindo as fracções não construídas sobre a zona de protecção do oleoduto.

IV - Não se logrou provar quando tais irregularidades foram sanadas pelo requerente e em consequência a partir de que momento é que a câmara teria condições para emitir a licença e o não fez.

V - De qualquer modo, a Câmara nunca poderia ser responsabilizada pela não emissão desde 28 Novembro de 1997, porque essa foi a data em que foi requerida e a lei não impõe que a entidade licenciadora emita a licença no dia em que é requerida.

VI - Não se encontra determinado o momento a partir do qual a Câmara é responsável, se o for.

VII - O Sr. Juiz a quo não considerou na sua decisão um facto relevante que consta da alínea M) da matéria dada como assente, que consiste: "Em 07.MAI.98, o A. requereu a prorrogação do prazo de licença de construção do seu prédio por mais dois anos" e deveria ter considerado.

VIII - Este facto é relevante para a decisão porque dele resulta que é o próprio requerente a admitir que em Maio de 1998 a sua obra ainda não estava terminada e, daí, precisar de prorrogar a licença de construção.

IX - Ora, se a obra não estava terminada, não estava em condições de ser emitida a respectiva licença de utilização.

X - Por isso, não é legítimo concluir-se que existe ilicitude imputável à Câmara por ter sido requerida a emissão da licença em Novembro de 1997 e só ter sido emitida em Fevereiro de 1999, porque a Câmara está submetida e deve obediência a estritos critérios de legalidade, só podendo emitir a licença depois da obra se encontrar completa e em conformidade com o projecto licenciado.

XI - Acresce que, num processo de licenciamento tão imbricado por causa de parte do prédio se encontrar em zona de protecção do oleoduto, - facto que o requerente tinha conhecimento previamente ao pedido de licenciamento e omitiu conscientemente - as demoras verificadas no procedimento não podem ser imputadas sem mais e de forma tão simplista, mas talvez mais cómoda, à Câmara. Se o requerente actuasse com transparência e desse a conhecer a verdadeira situação do terreno, logo no início, não haveria posteriormente os referidos atrasos. Por isso, o requerente também é responsável por esses atrasos, senão em exclusivo, pelo menos co-responsável.

XII - Sendo certo, que essa omissão do requerente, que tinha sido expropriado para a passagem do oleoduto, já tem trazido graves problemas, preocupações e prejuízos à entidade recorrida uma vez que aquela omissão causou um conflito com o Ministério da Defesa Nacional, que levou a ter de se realizar obras de relocalização do oleoduto, obras estas que em processo de concurso para a sua execução foram orçadas em 54.992,47 Euros (11.025.000$00).

XIII - Em face do exposto não se verifica facto ilícito, uma vez que o tempo que mediou entre o pedido e a emissão tem justificação legal e muito menos culpa por parte da câmara na demora da passagem da licença de utilização porque teve a diligencia exigível num caso tão imbricado como este e também porque o requerente tem responsabilidade na sua demora.

XIV - Os alegados prejuízos que o recorrente A... diz ter tido são da sua responsabilidade, ele que tinha conhecimento que o seu prédio, onde implantou a construção, tinha sido expropriado para passagem do oleoduto, e omitiu esse facto quando apresentou o pedido de licenciamento arriscou a que este tivesse várias vicissitudes, mesmo assim, teve um maior proveito pois conseguiu rentabilizar um terreno afectado por uma expropriação com uma construção multifamiliar de mais de 25 fogos.

XV - Não foi a falta de licenciamento que impediu a comercialização das fracções, como refere a douta sentença, tanto mais que à altura as fracções podiam ser comercializadas com a mera apresentação da licença de construção, não necessitavam da licença de utilização, esta exigência só surgiu com o regime previsto no D.L. 281/99, de 26 de Julho, publicado posteriormente à emissão da licença de utilização.

XVI - Todos os prejuízos alegados, nomeadamente o impedimento de comercialização e a perda de rendimento do capital investido não são consequência directa e necessária da falta de emissão da licença de utilização.

XVII - Também não são consequência directa e necessária da falta de emissão da licença de utilização os alegados prejuízos com a desvalorização e dificuldades na venda das fracções decorrente da degradação pelo tempo e pelo clima e o nome denegrido do Autor, como promotor imobiliário, face a publicitação do assunto e o estado de ansiedade e preocupação que isto lhe originou, porque quando o assunto é publicitado não o é por prédio não ter licença de utilização mas pelo facto de estar construído na zona de protecção do oleoduto da NATO, Leixões-Ovar, e deste facto o requerente tinha prévio conhecimento, por isso foi ele próprio que se colocou nessa situação de chamariz para publicitação, com as normais consequências, e, como diz, eventual denegrição do seu nome, ao decidir pedir o licenciamento da construção sobre o oleoduto mesmo sabendo da sua existência e de que não o podia fazer.

XVIII - Nos autos não existe matéria de facto dada como assente e até alegada, que fundamente a existência de uma desvalorização "estimada" em cerca de 3.000.000$00 no preço de venda de cada fracção. Com efeito, não está fixado, nomeadamente, o período a que se reporta a desvalorização, o preço de venda de mercado de cada fracção, antes e depois, e o coeficiente de desvalorização.

XIX - Entende, pois, a entidade aqui recorrente que a não emissão atempada da licença de utilização das restantes fracções, uma vez que foi requerida em 28 de Novembro de 1997 e só foi emitida em 03 de Fevereiro de 1999, não configura um acto ilícito imputável à Câmara, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos culposos, bem como que os prejuízos alegados não constituem causa directa e necessária da não emissão atempada da licença de...

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