Acórdão nº 01318/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I Relatório A Câmara Municipal de Braga vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto (TAC) que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por A..., SA, da sua deliberação, de 18.8.03, que procedeu à adjudicação, por ajuste directo, do fornecimento e colocação de cadeiras nas bancadas no novo Estádio de Braga, à ..., SA.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: A- Embora não tenha um interesse directo no efeito decisório imediato do processo, é de referir que, conforme se decidiu recentemente no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/03/2004 (P.1938/03), a preterição de concurso público e a adopção de um outro procedimento legalmente previsto, ainda que não o adequado, não consubstancia, só por si, a ausência de um elemento essencial do acto administrativo, pelo que a sanção que sobre ele deve recair é a anulabilidade e não a nulidade.

B- No caso em apreço, adoptou-se um procedimento excepcional, devidamente fundamentado (o previsto no art. 86°, n.º 1, al. c) do DL 197/99), que permite, em determinadas circunstâncias, o ajuste directo de fornecimentos independentemente do respectivo valor. Não é certo afirmar-se a ausência de um qualquer procedimento, legalmente previsto e devidamente fundamentado, pelo que não se pode concluir pela ausência de elemento essencial do acto administrativo em análise.

C- Não se pode afirmar que o acto recorrido careceu, em absoluto, de forma legal, já que esta existiu, embora, segundo o entendimento do Tribunal, não foi a legalmente exigida. Diferente seria se a C M Braga, sem abrir qualquer tipo de procedimento legalmente previsto no DL 197 /99, tivesse adquirido os bens em apreço: aí poderia, eventualmente, falar-se na ausência de elemento essencial ao acto administrativo, já que qualquer fornecimento impõe a abertura de um procedimento administrativo legalmente previsto (seja concurso público, seja ajuste directo ou concurso limitado).

D- A construção do Novo Estádio Municipal de Braga inseriu-se, como é sabido, num mais vasto projecto nacional de execução das infra-estruturas necessárias para a organização, por Portugal, do Campeonato da Europa de Futebol - Euro 2004.

E- A ponderação do interesse público do concelho de Braga e do próprio País, na medida em que o que estava em causa era a participação ou não do Novo estádio Municipal de Braga no Euro 2004 teve, no procedimento em análise, uma dimensão normativa determinante: a única solução possível. naquela data foi a abertura de um procedimento por ajuste directo para o fornecimento das cadeiras do Estádio, ao abrigo do artigo 86°, n.º l, al. c) do DL 197/99.

F- A situação tomou-se verdadeiramente excepcional, e o interesse público, que se concretizava, no caso, na necessidade de ter o estádio pronto a tempo da vistoria da UEFA, obrigou à tomada de decisão recorrida, que, afinal, se mostrou adequada, em termos da prossecução do interesse público, porquanto: -O Novo Estádio Municipal ficou pronto a tempo da vistoria da UEFA e foi dado com apto para acolher os jogos do Euro 2004, não só pela UEFA, mas pelo Serviço Nacional de Bombeiros e pela Direcção-Geral de Espectáculos; -A decisão mostrou-se razoável e proporcionada, não tendo sido afectado quaisquer interesses privados; aliás, os resultados do concurso entretanto anulado (anulação esta que não mereceu qualquer reacção contenciosa) não foram desvirtuados, pois o ajuste directo recaiu no concorrente que havia ganho o concurso e que o ganharia mesmo expurgado do vício que motivou a sua anulação (como resulta do p.a.), sendo que a proposta da recorrente A... havia ficado colocado em 2° lugar; - O Euro 2004 foi um sucesso organizativo, conforme é publicamente reconhecido, tendo muito contribuído a presença do belíssimo estádio de Braga, uma das peças de arquitectura de referência do evento, que, se não fosse tomada a decisão recorrida, ficaria de fora, pelos motivos já expostos.

- Não obstante a recusa do Visto do tribunal de Contas, o contrato produziu todos os efeitos financeiros, nos termos do art. 45°, nºs 5 e 6 da Lei n.º 98/97, de 26/08.

- É inegável que o "interesse público", enquanto categoria jurídica, tem uma dimensão normativa relevante, não só como parâmetro ou padrão conformador de toda a actividade administrativa, mas também como elemento de interpretação legislativa por parte da administração, e deve servir de elemento decisivo quando estão em causa conflitos de deveres, como sucedeu no caso em apreço.

G- Face à excepcionalidade da situação concreta, e tendo em consideração que o lançamento de novo concurso público para fornecimento das cadeiras para o novo estádio municipal de Braga deixaria inevitavelmente esta infra-estrutura de fora da organização do Euro 2004, foi em obediência a um estrito sentido de dever público que se tomou a decisão administrativa sob apreço, evitando-se, desta forma, um gravíssimo prejuízo para o interesse público (consequências financeiras directas - as do custo de execução do estádio - e indirectas - as vantagens que os jogos do Euro trouxeram para o turismo no distrito de Braga - projecção do nome e da imagem do distrito no mundo, credibilização da organização, etc. ...).

H- Ao não ter tido em consideração os factos supra descritos e ao ter considerado que o acto recorrido careceu, em absoluto, de forma legal, a sentença recorrida violou, por deficiente interpretação dos factos e sua subsunção nas normas invocadas, o art. 86°, n.º 1, al. c) do DL 197 /99 e arts. 120 e 133 do C.P.A.

A recorrida concluiu assim a sua contra-alegação: 1.º O ajuste directo previsto no artigo 86° do D.L. nº 197/99, de 08.06 é ilegal na medida em que a Directiva nº 97/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, não prevê esta forma de contratação.

  1. Subsidiariamente, entende-se que é irrelevante ao nível das consequências para a decisão da causa que a opção da Recorrida seja cominada com a sanção da nulidade ou da anulabilidade, pois que o vício/ilegalidade existem.

  2. A Recorrida poderia ter aberto um procedimento por negociação, que é igualmente célere, ou um qualquer outro procedimento menos formal que o concurso público, e assim garantia que o princípio da concorrência - um dos suportes da contratação pública - funcionava.

  3. Quando a Recorrida abriu o procedimento por ajuste directo já as cadeiras estavam colocadas, o que conduz à conclusão de que se tratou apenas de formalizar uma situação de facto consumada.

  4. O argumento do Euro 2004 e de um "diferente" interesse público não podem justificar ilegalidades, pois só existe um conceito de interesse público e este não pode ceder perante as normas legais, inexistindo qualquer conflito de deveres.

  5. O ajuste directo determinado pela Recorrida não obedeceu aos requisitos impostos pelo artigo 86° do D.L. nº 197/99, de 08.06, pelo que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura.

Entretanto a recorrente apresentara já um recurso interlocutório do seguinte despacho: "Alega a recorrida Câmara Municipal de Braga que a recorrente carece de legitimidade para o presente recurso, pois carece de interesse directo e pessoal na anulação do acto. Vejamos. O recorrente possui legitimidade activa quando é titular de um direito ou de um interesse legitimo que possa ser lesado, directa e pessoalmente, pela prática de determinado acto, de tal sorte que a eliminação deste da ordem jurídica lhe traga um benefício ou uma utilidade concreta, desde que não proibida por lei. Por isso se diz, na formulação tradicional, que tem legitimidade para o recurso contencioso o portador de interesse directo, pessoal e legítimo no respectivo provimento.

A deliberação recorrida, na medida em que procede à adjudicação por ajuste directo do fornecimento e colocação de cadeiras nas bancadas do novo estádio do Braga, afastando dessa adjudicação todos os demais concorrentes ao precedente concurso público que havia sido aberto para o efeito, que ficam arredados da possibilidade de proceder ao fornecimento, lesa claramente os interesses da recorrente contenciosa. Entre os efeitos do acto administrativo que em definitivo decidiu o fornecimento e o interesse que defende através do recurso, que é o anular a adjudicação por ajuste directo e qui ça, consegui-la para si, existe uma conexão ou ligação suficientemente forte para lhe assegurar legitimidade activa. Pelo exposto improcede a alegada ilegitimidade do recorrente." Tendo apresentado alegações com as seguintes conclusões: 1. A legitimidade activa em recurso contencioso de anulação afere-se, nos termos do disposto nos art.ºs 821° do Cod. Administrativo e 46° do RSTA. aplicável por força do art. 24°, al. b) da LPTA, pelo interesse na anulação do acto...

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